O setor de saúde está com pouca.
A sinistralidade das operadoras está perto das máximas e pressionando os custos de toda a cadeia.
A Rede D’Or — o rinoceronte do setor — também tem sentido o impacto, mas os resultados do primeiro tri sugerem que o golpe tem sido mais brando do que na maior parte do mercado.
A companhia dos Moll conseguiu aumentar o tíquete médio de seus hospitais e teve uma melhora importante na sinistralidade da SulAmérica, que caiu 4 pontos percentuais.
Desde o resultado publicado semana passada, o papel sobe mais de 10% — mas ainda está 50% abaixo do preço do IPO. A Rede D’Or valia R$ 66 bilhões no fechamento de sexta-feira da Bolsa.
Ao mesmo tempo, a companhia está se beneficiando de uma redução na concorrência, já que muitos players menores têm tido dificuldade de atravessar a tormenta.
“Muitos hospitais estão tendo que fechar as portas,” o CEO Paulo Moll disse ao Brazil Journal.
Mas como toda crise traz oportunidade, a Rede D’Or está negociando alguns M&A; as conversas, no entanto, têm esbarrado na dificuldade dos hospitais de aceitar a nova realidade de múltiplos do setor.
Sobre a SulAmérica, Moll disse que espera uma melhora progressiva e sequencial da sinistralidade, “mas para chegar aos patamares históricos, pré-pandemia, ainda tem um longo caminho a percorrer.”
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O setor de saúde está passando por um momento desafiador, com a sinistralidade alta das operadoras pressionando toda a cadeia. Como você enxerga esse cenário e como ele está afetando a Rede D’Or?
O que vemos é uma pressão de sinistralidade no resultado das operadoras, que tem uma multiplicidade de fatores. A população coberta está com uma carga de doenças maior, parte pelo envelhecimento da população, parte pelo efeito da pandemia, com diagnósticos feitos tardiamente. Tem também uma preocupação maior das pessoas com a saúde, também efeito da pandemia.
Isso tudo — em conjunto com o momento financeiro das empresas, que tiveram reajustes baixos em 2020 e 2021 — levou a uma sinistralidade em patamares recordes no ano passado.
Óbvio que isso afeta todo o setor porque as empresas estão buscando alternativas: negociações com os prestadores e buscando reajustes mais altos nos preços para recompor as margens num cenário de utilização mais alta. O problema é que não sabemos o quanto dessa utilização mais alta é permanente e o quanto é transitório.
Desde o ano passado, todas as operadoras têm olhado para sua recomposição de margem. Mas só um ano de reajuste não foi suficiente. Então esse ano acho que vai ser de reajustes até mais intensos.
No caso da Rede D’Or sempre tivemos uma abordagem muito construtiva em relação a reajustes e a modelos de remuneração. Falamos bastante disso no IPO. A maior parte da receita da Rede D’Or já migramos para um modelo de pacotes, de diárias globais, que são modelos com maior alinhamento entre operador e prestador, na medida em que a incorporação de novos itens, ou a maior utilização de materiais e medicamentos já está inclusa e esse risco fica com o prestador.
Esse modelo foi uma forma da gente se posicionar olhando a sustentabilidade do mercado, e dividindo o ganho de escala com o mercado. Tendo um posicionamento onde pudéssemos crescer mais, ter mais volume, e ter sustentabilidade ao mesmo tempo , que é o desafio do setor de saúde em todo o mundo.
Num momento como esse, esse tipo de abordagem que temos tem uma vantagem porque eu não tenho o atrito mensal de discussão de inclusão de itens, e de mudanças de tabela. Nesse modelo eu tenho uma grande negociação anual onde normalmente recompomos algo como IPCA mais alguma coisa.
Ano passado teve um momento mais difícil de buscar essa recomposição do IPCA, porque o IPCA estava batendo dois dígitos. Neste ano, no entanto, já conseguimos reajustar a IPCA mais 1%, o que em termos nominais é até menor do que o reajuste do ano passado. Acho que o desafio de repasse de preço este ano é menor do que no ano passado.
No primeiro tri vocês tiveram um aumento no tíquete médio e uma melhora no capital de giro. Isso veio basicamente dessa negociação melhor com as operadoras?
Isso é uma combinação de fatores. Teve o reajuste, a inflação em cima desse tíquete. Mas tem também algumas ações nossas, como a busca de mais complexidade. Quando adquirimos um hospital ou mesmo nos hospitais mais maduros estamos sempre buscando oportunidades de agregar novas tecnologias, equipes que façam cirurgias mais complexas. Nosso crescimento em cirurgias complexas é maior do que o crescimento em cirurgias em geral. Então o melhor mix também ajuda nesse crescimento de tíquete.
Em alguns hospitais pontuais, onde temos alta demanda e alta ocupação, tínhamos alguns contratos com planos locais de valores mais baixos. A gente descontinuou esses contratos e isso também teve um impacto no tíquete.
Na SulAmérica, vocês tiveram uma redução de 4 pontos percentuais na sinistralidade, mas ela ainda está num patamar alto, acima da média histórica. Vocês enxergam uma melhora mais duradoura no segmento? Acham que a sinistralidade deve caminhar para uma normalização nos próximos trimestre ou pode ter uma piora de novo?
Esperamos melhoras progressivas e sequenciais, mas entendemos que para chegar aos patamares históricos de sinistralidade pré-pandemia ainda tem um longo caminho a percorrer. Mas temos sim expectativa de ter melhoras sequenciais, mês a mês, trimestre a trimestre.
Essa melhora na sinistralidade vai vir basicamente dos reajustes nos preços dos planos que vocês estão fazendo há alguns meses? Ou tem outras medidas sendo tomadas que podem ajudar?
É o conjunto que todas as operadoras estão trabalhando. O reajuste de preços, mas também o combate à fraude. Tivemos um número recorde de fraudes, principalmente relativas a reembolso. Esse tem sido um tema que a Fenasaúde tem sido muito vocal, e vemos isso já repercutindo nas empresas, nos empregadores.
Dois exemplos importantes recentes são o do Itaú e CCR, que demitiram um grande número de funcionários pelo mau uso do plano. Essa consciência maior dos empregadores e da população geral sobre o uso do plano tem sido importante para reduzir alguns pontos da sinistralidade.
E por último, a própria negociação com os prestadores. Todas as operadoras estão com altas negociações, muitas vezes até fazendo revisões de modelos, para esses modelos mais empacotados, de diárias globais. Isso tudo vai criando mais alinhamento de interesses, e de risco entre segurador e prestador.
Com esse reajuste nos preços dos planos, vocês estão sentindo algum impacto em termos de cancelamento, downgrade de plano, alguma coisa nesse sentido?
Não estamos vendo nenhum comportamento diferente do histórico em momentos de reajustes. É fato que você tem empresas e famílias que optam por outra opção de plano que seja mais barato, isso sempre acontece no setor em momentos de reajuste, mas não estamos vendo especialmente algo diferente em 2023 em relação a isso.
Como está o plano de expansão orgânica de vocês nesse contexto mais complexo do mercado? O plano de expansão está intacto ou vocês podem ter quer reduzir um pouco ou adiar alguns projetos?
Estamos bastante animados. É um grande diferencial da Rede D’Or essa expansão orgânica. 60% dos leitos que temos dentro do plano são brownfields, que é onde temos maiores retornos. São hospitais já em operação com alta demanda nos quais estamos aumentando os leitos.
Temos os greenfields também e tem pouquíssimas empresas no Brasil fazendo novos hospitais em novas regiões, e entendemos que o Brasil precisa de novas infra estruturas hospitalares, operando em rede, onde você consiga investir mais em tecnologia médica.
A escala traz um ganho de eficiência muito grande na parte administrativa, te libera capital para fazer maiores investimentos em tecnologia médica, em infraestrutura.
Exemplos como a inauguração que tivemos semana passada em Campinas. As construções que estamos fazendo em Alphaville e Guarulhos. A torre Star que estamos investindo na Aliança da Bahia e no Memorial São José em Recife. Tudo isso é infraestrutura hospitalar em áreas que a gente entende que podemos oferecer uma qualidade médica muito superior ao que se encontra nesses locais.
Tem o novo Barra D’Or, que também é um investimento grande. Já no início do ano que vem entregamos do outro lado da rua um novo hospital, mais moderno, com centro de câncer completo.
Estamos muito animados e temos uma geração de caixa com espaço para isso… temos caixa e balanço para tocar todo esse plano de investimento.
Como vocês estão vendo o ambiente competitivo do mercado, principalmente para os players pequenos, independentes. Tem muitos players sofrendo, com dificuldade de passar por esse momento? E isso abre oportunidade de M&As para vocês? Ou está difícil fazer M&A porque os hospitais não estão aceitando os novos múltiplos do setor? Como essas duas coisas conversam?
De fato, quando o mercado público tem alteração de múltiplos muito rápida como aconteceu no ano passado, as transações privadas levam um pouco mais de tempo para se adaptarem às novas realidades de múltiplo. Mas em alguns casos, como você mesmo colocou, a venda pode ser até uma necessidade, pela dificuldade de acesso a capital.
Como eu estava falando, você ter escala e ter uma área de serviços compartilhados, uma área corporativa compartilhada, que hoje custa na Rede D’Or pouco mais de 3% da nossa receita líquida, é um diferencial enorme. Num hospital individual, que não opera em rede, de tamanho médio, os custos administrativos em relação à receita líquida chegam a bater 15%.
Então nesse nível de juros que temos hoje no Brasil, com o spread que essas estruturas passam, muitas vezes até não conseguindo acessar capital e quando acessam a um custo muito alto, isso obviamente tem feito muitos hospitais fecharem as portas, o que acelera a consolidação.
Nos últimos dez anos, vimos uma redução de 500 hospitais no setor privado no Brasil, entre os que abriram e fecharam. São hospitais pequenos e médios fechando as portas, e esses volumes migrando para estruturas mais organizadas e com mais escala como a nossa.
A crise traz sim oportunidades. Estamos sempre atentos, mas disciplinados para fazer sempre movimentos onde a gente tenha retornos adequados.
Mas vocês têm algumas negociações em andamento neste momento?
Temos. Sempre estamos com conversas em cursos. Temos um pipeline ativo. Mas M&A você não faz muita projeção. Tem anos muito ativos, e têm anos que são mais lentos. Muitos dos M&As que fazemos são conversas que às vezes duram cinco anos, dez anos. Amadurecem e chegam num momento em que conseguimos concluir a transação.
Ninguém considera vender um ativo hospitalar no Brasil sem conversar com a Rede D’Or antes, então temos sempre um pipeline de conversas.
Como você avalia o nível de alavancagem da Rede D’Or hoje? Porque dado o patamar dos juros, as despesas financeiras estão afetando bastante o bottom-line. Vocês querem reduzir essa alavancagem esse ano? Qual a cabeça de vocês em relação a isso?
A gente sempre trabalhou com um foco de alavancagem entre 2x e 3x o EBITDA. Em alguns momentos, no pico do ciclo de investimento, com tolerância de ir um pouco acima de 3x. Hoje, estamos abaixo de 3x, da forma que olhamos a alavancagem da companhia. Não consideramos as reservas técnicas da operadora como caixa. É uma visão conservadora. E nessa visão conservadora estamos abaixo, mas perto de 3x.
Agora, apesar dessas reservas técnicas não serem consideradas caixa para fins de alavancagem para a gente, elas geram resultado financeiro. Então, se você for ver de forma líquida, a exposição da Rede D’Or a juros é de R$ 10 bilhões. Então você vê que, para o tamanho da companhia, para a nossa geração de caixa, eu diria que é uma posição confortável.
Sobre para onde vai a alavancagem, vai depender das oportunidades de investimentos que apareçam. A gente consegue tocar todo o nosso fluxo de investimento orgânico sem aumentar a alavancagem e eventualmente até com alguma oportunidade de redução. Mas vai depender do que surjam de oportunidades ao longo do ano.
Se surgir um M&A pode ser que suba um pouco…
Pode ser que suba, ou pode ser que não caia. Mas o foco sempre é entre 2x a 3x EBITDA.
Qual foi o racional de vocês na fusão com a SulAmérica? Como a incorporação da operadora vai contribuir para o futuro do negócio? Para a visão de médio/longo prazo de vocês?
Ela não muda a estratégia de Rede D’Or. Nosso core business vai continuar sendo prestação de serviços médicos, hospitais, clínicas oncológicas. Esse é nosso core business. Somos uma grande empresa hospitalar que adquiriu uma operadora, e que vai manter a sua estratégia independente. A SulAmérica é uma empresa centenária, que sempre se formatou com produtos com bastante opção, rede ampla, e isso não vai mudar.
É claro que isso traz oportunidades entre as companhias. Existiam áreas onde as companhias trabalhavam muito pouco entre elas. E essas regiões vamos poder ampliar e isso traz sinergias.
Na área administrativa já tivemos mais de R$ 400 milhões de sinergias dessa combinação, mas com uma visão clara de que somos uma empresa hospitalar. Esse é o core, e vamos continuar dessa maneira.
A SulAmérica foi um movimento de oportunidade, e que obviamente, para o desenvolvimento do mercado de saúde, principalmente fora das capitais, acaba sendo interessante porque muitas vezes a Rede D’Or está oferecendo infraestrutura hospitalar diferenciada num novo local, num local que não tem serviços de ponta. E o fato de você ter junto uma seguradora cria oportunidades de crescer para as duas empresas.
Nos greenfields também temos uma redução do nosso risco de execução uma vez que a SulAmérica obviamente tem apoiado esses novos projetos da Rede D’Or. Isso já garante um volume para esses hospitais e diminui o risco de execução.
Muita gente do mercado acha que a compra da SulAmérica pode acabar gerando algum tipo de represália para a Rede D’Or por parte das outras operadoras, já que na prática vocês viraram concorrentes de quem até pouco tempo era cliente de vocês. Como vocês avaliam esse risco?
O mercado já tem bastante maturidade para trabalhar com esse tipo de situação, dado que várias das grandes operadoras do setor têm investimentos importantes em hospitais, clínicas oncológicas e na área diagnóstica.
Então esse movimento da Rede D’Or de comprar uma operadora não é uma novidade no nosso setor. Tem várias operadoras de seguro também relevantes em leitos hospitalares, com grandes redes diagnósticas.
É uma relação que ora você pode estar como prestador de serviço, negociando com a operadora, ora esse mesmo grupo econômico dessa operadora tem um hospital, ou uma rede de diagnóstico e está negociando com a SulAmérica.
Então acho que isso não é uma novidade.
Além disso, temos ativos que são relevantes, referências na cidade onde atuamos, e que são objeto de desejo de grandes empresas, de famílias. Isso traz obviamente um equilíbrio para a relação. Tem muito apetite comercial de todas as operadoras de contar com nossas estruturas em seus planos.
A compra da SulAmérica foi uma aquisição extremamente grande e complexa. Como está sendo o processo de integração dos ativos nesses primeiros meses pós-fusão? Está sendo desafiador? É mais difícil do que imaginavam?
Obviamente o desafio é grande, mas a gente conta com uma equipe espetacular, gente muito experiente na área de seguros. Trouxemos gente nova também para a operadora.
O que a gente conseguiu fazer em cinco meses de sinergias administrativas é marcante, não é comum você ter já R$ 400 milhões de sinergias mapeadas, e a maior parte já executada. E as não executadas com contratos renegociados, e já com prazo definido para começarem a ser coletadas. É marcante conseguir fazer essa quantidade de ações num período tão curto.
Mas obviamente o maior desafio é na sinistralidade. A gente recebe a empresa na virada do ano com um nível de sinistralidade muito alto. E as energias estão concentradas para que esse enorme desafio de trazer a sinistralidade para patamares saudáveis, para patamares pré-pandemia. Ainda tem um longo caminho a percorrer, um longo dever de casa a ser feito, mas acho que vamos ver melhoras progressivas.
De sinergia, o principal é de SG&A que vocês fizeram até agora?
Dos R$ 415 milhões que divulgamos tem serviços corporativas, tem serviços financeiros, e tem um pedaço que é a própria sede que estamos mudando de lugar. Estamos indo para um lugar menor, com um metro quadrado muito mais barato. Tem a parte de compras também: estamos usando a escala da Rede D’Or para diminuir custo de aquisição de materiais e medicamentos. O conjunto dessas sinergias administrativas, mais materiais e medicamentos dá esses R$ 415 milhões.
E isso ainda não é exaustivo, tem uma série de oportunidades sendo mapeadas, temos só cinco meses que entramos lá. Temos muito mais a fazer. Mas óbvio que a maior parte da energia está voltada para o controle da sinistralidade.
O investimento que vocês fizeram na Qualicorp, você acha que foi um erro, olhando agora em retrospecto?
A gente fez esse investimento em linha com o investimento que já tínhamos feito na D’Or Consultoria, uma empresa de distribuição focada na área corporativa. Depois tivemos a oportunidade de fazer o investimento na Qualicorp, que também tem uma pequena área de planos corporativos, mas um grande posicionamento na parte de adesão.
Entendemos que o posicionamento dela, o tipo de produto que ela vende tem enfrentado um cenário desafiador. Mas temos confiança no management que está lá. Tomamos a decisão de terceirizar a gestão da nossa participação. A Prisma Capital está fazendo o papel de gestor da participação da Rede D’Or. Os conselheiros indicados pela Rede D’Or deixaram de fazer parte do conselho e a Prisma está fazendo a gestão profissional. Somos acionistas, mas acompanhamos esse investimento à distância.
Mas temos confiança que pegando um momento de mercado de mais crescimento, com o País crescendo, renda crescendo, ela tem uma força de venda muito grande, e achamos que com o vento a favor ela pode voltar a uma rota de crescimento e a viver dias melhores.
Mas de fato foi uma parte do setor que enfrentou um vento contra muito forte e tem enfrentado grandes desafios para voltar a um ritmo de crescimento. Ainda assim é uma empresa geradora de caixa, saudável, e com uma capacidade de vendas muito forte. Então não é um investimento que nos arrependemos de ter feito lá atrás, ainda que hoje a gente esteja menos envolvido. Estamos como acionistas e muito positivos com o que o novo management pode fazer.