A Petrobras aproveitou o momento oportuno, com o preço do petróleo em baixa e o câmbio mais favorável, para apresentar sua nova estratégia de preços – ao mesmo tempo em que cortou o preço dos combustíveis.
A partir de amanhã, a gasolina vai cair 12% nas distribuidoras, e o diesel, que já havia sido reajustado para baixo recentemente, vai totalizar queda de 13%. No caso do botijão de gás, o corte ficou em 21%.
O governo Lula cumpriu a promessa de acabar com a política de paridade internacional (PPI) – que reconstruiu o balanço da Petrobras depois dos prejuízos homéricos do Governo Dilma – e reduzir os preços. No curto prazo, as medidas de hoje trarão alívio na inflação e pressões redobradas para o Banco Central iniciar o corte da Selic.
Mas como não existe almoço grátis, a estatal colocou no lugar do PPI uma metodologia menos transparente, que, na visão de executivos do setor e estrategistas de investimentos, abre espaço para intervenções nos preços, trazendo riscos para os resultados da empresa e prejudicando os importadores independentes e os produtores de etanol.
As reduções terão um impacto baixista expressivo na inflação, subtraindo 0,4 ponto percentual do IPCA. No caso da gasolina, a queda contribui para anular a pressão de alta provocada pela reoneração dos tributos federais e estaduais.
Mas remarcação dos preços para baixo já vinha sendo aguardada pelo mercado. Isso porque os preços estavam acima dos valores no mercado internacional. Mesmo que fosse mantido o PPI, portanto, haveria espaço para o ajuste nos valores cobrados aos consumidores.
Na prática, então, nada mudou? Não é bem assim.
“Quem diz que não mudou tudo para não mudar nada pode ter razão agora, quando os preços internacionais estão em queda e o dólar também. Isso é verdade hoje, mas pode não ser amanhã,” disse Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “A Petrobras queimou toda a gordura. O que irá acontecer se os preços internacionais do petróleo voltarem a subir no segundo semestre, com mais cortes da OPEP e uma retomada da economia global e da China?”
Por enquanto, Lula e a Petrobras têm dado sorte: os preços do petróleo caíram mais de 10% no mercado externo e, por aqui, o dólar cedeu, ficando abaixo de R$ 5.
“Estávamos estranhando a demora da Petrobras para diminuir os preços,” afirmou Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter. “Pelas nossas contas, poderia reduzir até um pouco mais.”
No mercado de juros, o anúncio não teve impacto relevante: as taxas ficaram de lado. “O ajuste já havia sido antecipado na curva de juros,” disse Alexandre Maluf, estrategista macro da XP.
Os economistas estão refazendo mais uma vez as contas, mas existe a tendência de rever para menos o IPCA esperado para este ano.
Logo depois da notícia, o Itaú reduziu sua estimativa de 6% para 5,8%. A Warren Rena, de 5,7% para 5,5%. A XP avalia revisar de 6,2% para 5,8%. No Inter, a projeção subiria de 5,6% para 5,9% antes do anúncio, mas agora deve ficar em 5,6%.
A queda nos combustíveis, portanto, intensifica a tendência baixista na inflação, abrindo espaço para o BC iniciar o alívio monetário a partir de agosto. Essa não é, contudo, a posição majoritária no mercado, com as apostas se concentrando em cortes da Selic a partir de setembro ou outubro.
“Se a redução dos combustíveis contribuir para a diminuição da inércia, com os efeitos de segunda ordem nos preços, pode ocorrer uma reancoragem mais rápida das expectativas,” disse Rafaela. “Mas para isso é importante também a aprovação do arcabouço fiscal.”
O PPI havia sido implementado em 2017, no Governo Temer, quando a estatal estava na lona. Nos anos Dilma, o caixa da empresa havia sido queimado em uma política populista que fazia a companhia vender combustíveis por valores inferiores aos pagos na importação.
O acúmulo de perdas operacionais com a comercialização levou a perdas bilionárias. A empresa fechou 2014 com prejuízo de R$ 21,6 bilhões e de R$ 34,8 bilhões em 2015. O bottom line só voltou ao azul em 2018.
Em 2022, a empresa registrou o maior lucro de sua história, R$ 188,3 bilhões.
O Governo Bolsonaro não mexeu na política de paridade internacional, preservando os ótimos resultados operacionais da empresa. Porém reduziu tributos – às vésperas da eleição – alivindo o impacto da alta dos combustíveis.
Executivos do setor e gestores da Faria Lima não acreditam que o fim do PPI vá representar a volta aos anos Dilma. Mas o novo modelo traz dúvidas e deixa questões em aberto.
Antes a regra era fácil de ser acompanhada, porque seguia basicamente as cotações internacionais. Qualquer analista podia fazer suas estimativas, e os preços, com alguma defasagem, seguiam a tendência.
Agora, os parâmetros ficaram mais turvos. Serão levados em conta o “custo alternativo do cliente”, que é o custo dos mesmos produtos nos concorrentes, e o “valor marginal” para a Petrobras – e ninguém sabe ao certo como isso será estimado. Poderá entrar na conta, por exemplo, os custos de importação de combustíveis trazidos da Rússia ou da Índia.
“Há riscos relevantes envolvidos nessa estratégia os quais precisam ser esclarecidos pela Petrobras,” escreveram os analistas do Citi.
O Brasil não é autossuficiente em combustíveis. Cerca de 25% da demanda doméstica de diesel é abastecida pelos importados – e a manutenção de preços alinhados aos valores internacionais é essencial para que as importações não sejam interrompidas, diz o Citi.
Se isso não ocorrer, os importadores independentes acabarão expulsos do mercado, e aí, das duas uma: ou a Petrobras vai importar todo o diesel necessário ou haverá falta de combustível.
“O governo não vai ser maluco de deixar que falte combustível,” disse Adriano Pires. “Mas nesta nova política de preços está embutida a volta da Petrobras ao papel de monopolista na importação. Com a falta de transparência, o risco de importar aumentou, e o importador vai pensar 10 vezes antes de fechar um contrato. Andamos para trás.”
Preços artificialmente baixos também voltariam a ameaçar o etanol. Nos anos Dilma, o setor faliu, incapaz de competir com a gasolina subsidiada.
O anúncio da nova política de preços, entretanto, não abalou as ações da Petrobras, que encerraram o dia em alta de 2,49%. A interpretação é que, por enquanto, não houve nenhum impacto negativo para a empresa, e as novas diretrizes, embora pouco transparentes, devem evitar que os preços praticados pela estatal se desloquem substancialmente da paridade internacional.
O BTG disse que a companhia quer manter seu market share nas importações, barrando o avanço dos competidores. Os analistas Pedro Soares e Thiago Duarte estimam que as margens na produção serão mantidas, mas as do refino ficarão pressionadas.
Como a maior parte dos lucros vem da exploração, o impacto no bottom line deverá ser marginal, no cenário do Brent ao redor de US$ 80.
Até aqui, Lula e Jean Paul Prates contaram com a sorte para cumprir a promessa de acabar com o PPI. O teste da nova política virá quando os preços voltarem a subir lá fora.