O surto inflacionário observado entre 2021 e 2023 gerou críticas aos bancos centrais por não terem previsto e reagido de forma antecipada à aceleração dos preços.
É nesse contexto que, após forte pressão do Parlamento inglês, o Conselho do Bank of England determinou que houvesse uma auditoria externa relativa aos processos de previsões econômicas e à comunicação da política monetária.
O escolhido para conduzir essa análise foi Ben Bernanke, o ex-presidente do Fed. Vale notar que o BoE sempre foi uma referência para os regimes de metas de inflação, reconhecido pela sua elevada capacidade técnica.
Após nove meses, a auditoria liderada por Bernanke produziu um relatório com a análise crítica dos processos internos existentes e recomendações para mudanças. O time de Bernanke analisou documentos e modelos, entrevistou com diretores e funcionários, e fez reuniões com outros bancos centrais e instituições privadas. Bernanke chegou mesmo a participar das reuniões do Comitê de Política Monetária do BoE.
Dessa forma, o Review passou a ser não apenas de interesse para o BoE, mas também uma referência para os demais bancos centrais.
A análise do processo de elaboração de previsões econômicas e da estratégia de comunicação da política monetária resultou nos seguintes apontamentos e recomendações:
(1) Falhas nos modelos econométricos e softwares.
Bernanke mostrou haver problemas como parâmetros desatualizados e uma base de dados deficiente.
Recomendações: Refazer o modelo atual de projeções do BoE. Na prática, Bernanke parece sugerir recomeçar tudo do zero. Melhorar o processo de construção da base de dados; elaboração e atualização dos modelos econométricos; ampliar as equipes dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento de modelos de previsão.
(2) Deficiência na utilização dos modelos de previsão.
Bernanke apontou um viés de ancoragem nas projeções anteriores, esforços insuficientes para reconhecer alterações estruturais nos modelos, e o uso excessivo de intervenção humana no processo de projeções.
Recomendações: Esforços no sentido de avaliar o desempenho dos modelos, procurando identificar desvios recentes nas projeções e por que eles estão ocorrendo. Ou seja, não apenas utilizar os modelos para realizar projeções, mas fazer backtests de forma recorrente. Há sugestões também para utilizar de forma mais eficiente as equipes de especialistas do BoE.
Sugestão para que o Comitê de Política Monetária dê peso não apenas ao cenário base, mas também analise detalhadamente cenários alternativos.
(3) Deficiência na comunicação da política monetária.
O principal ponto de atenção seria o foco excessivo nas projeções do cenário-base como fundamento para as decisões e comunicações da política monetária.
Recomendações: Publicar e usar de forma mais ampla cenários alternativos. Destacar na comunicação as hipóteses subjacentes consideradas de forma padrão na elaboração das projeções e, quando for o caso, destacar que o Comitê de Política Monetária considera mais prováveis outras hipóteses.
A auditoria também sugeriu uma simplificação dos comunicados do BoE de forma a remover o peso excessivo conferido às projeções quantitativas do cenário-base. Eliminar o gráfico de intervalo de confiança das projeções (fan chart), por conta de suas deficiências técnicas e pouca eficácia como ferramenta de comunicação. Os cenários alternativos tomariam o lugar como instrumento para indicar a incerteza e o balanço de riscos do Comitê.
Por fim, voltamos à questão original: se o BoE pode ser responsabilizado por erros em suas projeções.
Comparando com o desempenho de outros bancos centrais, o estudo concluiu que o BoE não foi diferente dos demais. Não fossem as falhas no processo de elaboração das projeções, o BoE poderia ter tido a aprovação da auditoria externa.
Depois que seus resultados foram publicados em 12 de abril, a “Auditoria Bernanke” recebeu uma resposta do BoE no mesmo dia. Os executivos e staff do BoE agradeceram as recomendações e reconheceram oportunidades de melhoria.
A resposta começa destacando o principal ponto positivo do relatório: o BoE obteve o mesmo desempenho em suas projeções do que outros bancos centrais e instituições privadas. Ademais, foi um período de grandes choques, o que efetivamente o inocenta em relação à acusação sobre suas projeções econômicas.
Sobre as falhas de infraestrutura de dados e modelagem, a resposta aponta que já foi iniciado um plano de investimento em infraestrutura de dados desde 2023.
A resposta do BoE também dá atenção especial às recomendações sobre remover o peso das projeções do cenário-base. O banco argumenta que o processo funcionou muito bem por décadas, mas que as mudanças estruturais e os choques substanciais dos últimos anos dificultaram o sucesso da abordagem que se mostrava robusta até então.
O BoE reconhece que as recomendações de Bernanke são apropriadas e devem servir de orientação para mudanças. Na estratégia de comunicação, a instituição parece concordar com a substituição dos fan charts pela publicação de cenários alternativos.
O documento estabelece um planejamento estratégico para executar melhorias. A evolução do BoE, que esteve à frente em muitos aspectos na construção dos regimes de metas para a inflação, certamente será fonte de inspiração e referência para outros bancos centrais. Mudanças estão por vir e um relatório de progresso da execução das iniciativas será publicado no final do ano.
As recomendações da “Auditoria Bernanke” devem também ser avaliadas com atenção por outros bancos centrais, desenvolvidos e emergentes. Mesmo para o Banco Central do Brasil, reconhecido por utilizar um processo de excelência, diversos pontos levantados pelo estudo podem despertar debates sobre potenciais melhorias.
Marcelo Cirne de Toledo é o economista-chefe da Bradesco Asset Management.