A economia chinesa passará por uma desaceleração nos próximos anos, um declínio já contratado por causa da dinâmica demográfica.

A queda populacional vai jogar o PIB potencial para baixo – e a cada ano o crescimento dependerá mais do avanço na produtividade.

Com isso em mente, Xi Jinping usou a terceira sessão plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista para anunciar uma grande aposta em investimentos em ciência e tecnologia.

O encontro, ocorrido semana passada em Pequim, reuniu as principais autoridades políticas do país.

O Comitê Central tem 200 integrantes e é a principal instância de tomada de decisões estratégicas do PC da China. No seu comando está o presidente Xi – que nos últimos anos trabalhou para ser invariavelmente o dono da palavra final.

O grupo de alto escalão tem mandato de cinco anos. Ao longo desse período, faz sete sessões plenárias para tratar de temas estratégicos de médio e longo prazo.

Foi numa dessas plenárias que Deng Xiaoping anunciou a política de abertura comercial do país em 1978.

Desta vez, não houve anúncios do tipo; segundo a consultoria Gavekal, a China agora prefere manter ocultos os detalhes de suas políticas de ciência e tecnologia para não despertar a atenção internacional.

Ainda assim, Xi falou pela primeira vez para uma grande audiência sobre sua meta de transformar a China em uma “superpotência em ciência e tecnologia” até 2035. A reunião foi a oportunidade para mobilizar  apoio em torno desse objetivo.

O documento cita 160 vezes termos relacionados a ciência e tecnologia, segundo o Financial Times.

“Tópicos como autossuficiência em fornecimento e inovação tecnológica tomaram a maior parte do documento final, de 22 mil palavras,” disse ao FT Robin Xing, o economista-chefe para China do Morgan Stanley. “Esta é a prioridade número um.”

Em um indicador anedótico da relevância dada ao tema, a analista Tilly Zhang, da Gavekal, comentou em um relatório publicado hoje o enorme destaque dado pela mídia estatal à premiação de cientistas chineses durante a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, ocorrida em junho.

As reportagens sobre o evento ocuparam boa parte dos telejornais noturnos, e o discurso de Xi foi prontamente publicado em livro.

A “modernização socialista,” nas palavras de Xi, significa “produzir continuamente conquistas tecnológicas e científicas originais e disruptivas.”

Isso envolve possuir forte capacidade em tecnologias-chave, liderança e influência internacional, além de contar com um ecossistema de padrão internacional para inovação.

Há 30 anos, a China investia anualmente o equivalente a 0,5% do PIB em research & development, um quarto da média dos países da OCDE. Hoje os chineses já aplicam 2,5% do PIB, um patamar semelhante ao da OCDE. No Brasil, o investimento anual tem sido ao redor de 1,2% do PIB.

A China cresce atualmente 5% ao ano, metade das vigorosas taxas vistas até a década passada. O FMI projeta que este ritmo deve cair para 4% em breve.

A Oxford Economics estima que o PIB potencial recuará para pouco mais de 2% daqui a duas décadas – um ritmo mais brasileiro do que chinês.

Para a consultoria britânica, a inteligência artificial pode contribuir com ganhos de produtividade no país. Mas ainda existem muitas incertezas sobre o impacto da tecnologia – ainda mais na China, em decorrência de questões regulatórias.

Segundo a Gavekal, uma das principais consultorias internacionais quando o assunto é China, Xi e as lideranças comunistas procuram tirar lições da história recente dos EUA.

Uma visão corrente entre as lideranças chinesas é que os EUA se tornaram uma superpotência no Pós-Guerra por terem dominado ‘tecnologias futuristas’ do período – como a eletrônica, a energia nuclear e os semicondutores.

Mas, ainda na visão chinesa, a indústria americana perdeu força por causa do outsourcing excessivo da manufatura avançada. O país se especializou em ‘setores virtuais,’ como finanças, e negligenciou a ‘economia física.’

“A China deverá tirar lições desse exemplo – e empregar a política industrial para sustentar ciência, tecnologia e indústria,” disse Tilly Zhang, da Gavekal.

Mas, ponderou a analista, trata-se de “uma grande aposta,” porque, para cada grande caso de sucesso, como os veículos elétricos, há outros menos positivos.

O lema agora é desenvolver “novas forças produtivas,” e a grande interrogação é se a disrupção tecnológica pode ser feita ‘de cima para baixo’ em uma economia planejada.

O relatório da Gavekal não citou o grande caso histórico de insucesso de uma economia comunista planejada, a União Soviética – e evitar destino semelhante ao da antiga potência vermelha é sabidamente uma obsessão do Politburo chinês.

Tilly Zhang conclui sua análise dizendo que ninguém sabe se os esforços chineses serão bem-sucedidos – mas o que ficou claro é que “a China não está diversificando as suas apostas” investindo em uma estratégia de desenvolvimento mais balanceada. A China “colocou todas as fichas em ciência e tecnologia.”