O Palmeiras precisava reverter um 3×0 sofrido no Equador contra a LDU. No papel, era quase impossível.
Mas quem estava no Allianz Parque naquela noite viu algo que as estatísticas não explicam. O que surpreendeu não foi apenas o placar, mas a postura de um time que já entrava em campo se sentindo campeão. Um time que acreditava antes de acontecer. Aquilo não foi sorte nem milagre. Foi método. Foi gestão. Foi liderança. E não foi tática. Foi mental.
O jogo antes do jogo
Sete dias antes da virada, enquanto o país discutia probabilidades, Abel trabalhava o invisível. Mensagens espalhadas pela Academia de Futebol, gestos calculados, palavras escolhidas. Tudo fazia parte de uma reprogramação mental coletiva. Era ali, longe das câmeras, que a virada começava. Dentro da cabeça de cada jogador.
Enquanto o País duvidava, ele escrevia certezas nas paredes. Enquanto uns treinavam táticas, ele treinava crenças. O Allianz Parque ainda estava vazio, mas o jogo já tinha começado. Um jogo sofisticado, silencioso e preciso, travado no lugar onde nascem as grandes viradas – seja no campo, na sala de reuniões ou nos palcos da vida: dentro da mente.
“Noventa minutos no Allianz Parque é muito tempo. Vocês vão viver uma noite mágica.” — Abel Ferreira
Por trás dessas palavras havia mais que motivação. Era método. Um comando mental.
Cada vez que um jogador lia ou ouvia essas palavras, o cérebro se ajustava, como quem muda de frequência. Abel usou o que a ciência chama de priming cognitivo: preparar o cérebro para operar. E quando a dúvida sai de cena, o medo cede lugar à convicção. O time não treinava para jogar o jogo. Estava sendo reprogramado para acreditar na vitória antes que ela acontecesse.
O que Abel Ferreira fez naquela semana não foi só treinar um time, foi calar o ruído do mundo para ativar o som da convicção. Aquele “jogo dentro da mente” que começou nos corredores da Academia tem ecos profundos em outras arenas da excelência humana.
Foi o mesmo princípio que Timothy Gallwey descreveu em O Jogo Interior do Tênis: antes de vencer o adversário externo, é preciso vencer o interno. Aquele que duvida, que critica, que hesita.
Gallwey chamava de Self 1 e Self 2: o primeiro, racional e ansioso; o segundo, instintivo e preciso. Quando o líder silencia o Self 1, o time inteiro encontra o ritmo do Self 2.
Bob Bowman, técnico de Michael Phelps, treinou o nadador para reagir a imprevistos antes que acontecessem. Quando Phelps nadou com os óculos cheios d’água e ainda assim quebrou o recorde mundial, não foi sorte, foi neuroprogramação: ele havia ensaiado aquele erro na mente dezenas de vezes.
Glen Mills, mentor de Usain Bolt, fazia uma analogia perfeita: a cabeça é o primeiro músculo que se cansa, por isso o treino começa sempre na mente.
Esses líderes, de modalidades e épocas diferentes, entenderam o que Abel aplicou de forma visceral: a performance é consequência da mente em equilíbrio. O campo, a piscina, a pista ou a sala de reuniões são apenas o palco.
A verdadeira competição acontece antes, no território silencioso entre medo e confiança, entre o ruído e a clareza. É desse mesmo lugar que surgem os cinco gols da liderança neurocientífica: os fundamentos mentais que transformam times em sistemas de convicção.
Os cinco gols da liderança neurocientífica
1. Palavras mudam o jogo
O cérebro não grava discursos. Grava símbolos, sons, gestos e repetições. Frases curtas que viram código. E código vira ação.
“Cabeça fria, coração quente.” — Abel Ferreira
Esse mantra, herdado do pai e transformado em filosofia de liderança, tornou-se um comando neural coletivo. Repetido em silêncio ou aos gritos, ele cria sincronia: desacelera o medo, acelera a convicção.
Steve Jobs entendia isso instintivamente. “Think Different.” Duas palavras que redefiniram uma empresa e reprogramaram uma geração inteira para enxergar a simplicidade como sofisticação.
A linguagem de um líder é o software invisível da mente coletiva. Cada palavra é uma linha de código emocional: pode travar um sistema ou liberá-lo para alcançar o impossível. Líderes extraordinários não falam apenas para comandar. Falam para programar.
2. O cenário é parte do jogo
Abel espalhou mensagens pelo centro de treinamento como quem programa o cenário do jogo antes do apito inicial. Cada parede, cada corredor, cada frase tinha uma função: lembrar, mesmo no silêncio, que a virada começava ali. O ambiente físico deixou de ser espaço e virou memória externa do cérebro.
Reed Hastings fez o mesmo na Netflix. Transformou a cultura em arquitetura mental com o lendário Culture Deck, descrito por Sheryl Sandberg como “o documento mais importante do Vale do Silício”. Não era apenas um conjunto de regras, mas um manual de pensamento coletivo.
Ambos entenderam algo que a neurociência confirma: seja um vestiário ou um escritório, o ambiente é parte ativa da mente de um time. Ele reforça crenças, direciona comportamentos e decide o jogo antes mesmo de alguém dizer uma palavra.
3. A química do impossível
A dopamina, o neurotransmissor da motivação, não aparece quando vencemos, mas quando ainda acreditamos que podemos vencer. Ela surge no exato momento em que seu corpo inteiro para de calcular probabilidades e começa a calcular certezas. É a química da coragem pura.
Ela não explode no seu cérebro quando você ergue o troféu, mas quando você olha para um placar de 3×0 e inexplicavelmente seu coração sussurra: ‘ainda dá’.
É essa química que faz atletas virarem placares. E garagens virarem impérios.
Abel Ferreira fez isso à sua maneira. Quando repetiu “vai acontecer algo mágico na quinta-feira,” ele não estava falando de milagre, estava falando de convicção.
Jeff Bezos construiu a Amazon usando essa mesma fórmula. A mentalidade do começo perpétuo, que chamou de “Day 1”. Um momento de antecipação infinita, baseado não no passado, mas na antecipação do próximo acerto.
Abel e Bezos, cada um à sua maneira, aplicaram a antecipação como combustível para o resultado.
4. O silêncio que comanda o caos
Liderar não é gritar mais alto que o caos. É sussurrar mais profundo que o medo. Quando Marc Benioff criou “zonas de silêncio” nos escritórios da Salesforce, ele não estava sendo zen – mas controlando o sistema nervoso de uma empresa inteira, uma respiração de cada vez.
Abel usa a mesma arma secreta enquanto 80 mil pessoas gritam ao seu redor. Quando você o vê gesticulando, pedindo calma, está vendo um maestro em ação. Quando ele sussurra ‘respira,’ está reprogramando os jogadores, mas dando um comando direto aos seus sistemas nervosos: pare de sobreviver e comece a dominar.
Respirar conscientemente não é relaxar. É recodificar o corpo inteiro para que ele pare de reagir e comece a criar. E ele fez isso ao transformar todos os jogadores de sistemas nervosos em pânico em uma única mente em estado de flow.
5. Eliminar a dúvida
“90 minutos no Allianz Parque é muito tempo” — Abel Ferreira, antes da virada sobre a LDU
Com sete palavras, ele não fez uma previsão. Ele extraiu a dúvida do DNA de todos os jogadores e implantou certeza no lugar. Quando Abel diz “é muito tempo”, ele substitui o pensamento “será que dá?” por “ainda dá”. Porque a hesitação não é apenas mental, é física. Ela rouba milissegundos, trava músculos, apaga a genialidade.
Elon Musk usa a mesma arma letal: quando anuncia que foguetes vão pousar como se fosse física básica, não está inspirando ninguém. Está reescrevendo o código da realidade. Transformando “talvez” em “quando”, e “se” em “como”. Porque líderes extraordinários não vendem sonhos, vendem inevitabilidades. E eles são sempre os primeiros a acreditar.
A virada do Palmeiras foi uma aula de liderança e nos mostrou que líderes excepcionais compartilham de padrões comportamentais parecidos: palavras que reprogramam, ambientes que acreditam, rituais que antecipam, respirações que alinham, e narrativas que transformam incertezas em convicções.
Como Abel Ferreira demonstrou no Allianz Parque, 90 minutos é tempo suficiente para redefinir a história. Seja no campo, na sala de reuniões, ou na vida.
Clécia Simões é conselheira estratégica, Investidora anjo e especialista em capital humano. É fundadora da Mind Design Lab, uma consultoria de cultura organizacional e saúde mental, e assessora estratégica de startups no Brasil e no Vale do Silício.
Edson Santos é fundador da Colink Business Consulting, conselheiro e investidor anjo, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 – As forças que estão transformando o mercado brasileiro.”











