Era de se se imaginar que seria uma estreia consagradora para um jovem ator: em seu primeiro longa-metragem, Damian Delano Young interpreta Michael Jordan, o maior jogador de basquete de todos os tempos, com seis vitórias no campeonato profissional dos Estados Unidos e duas medalhas de ouro em Olimpíadas.

No entanto, esse acabou sendo um papel menor em Air. No filme dirigido por Ben Affleck, o rosto de Young não aparece uma única vez.

Disponível na Prime Video, Air narra a criação de um tênis que revolucionou o branding esportivo: o Air Jordan, da Nike. O cenário principal não é a quadra esportiva, mas os escritórios corporativos.

No filme, o império que conhecemos como Nike parece uma empresa acanhada, perdida em um grotão do estado do Oregon. E é assim que Air conquista até o espectador que não tem interesse particular pelo marketing de calçados esportivos: todos gostam de torcer pelo azarão.

O filme acompanha a dura negociação dos executivos da companhia para que o jovem jogador em ascensão vendesse seu nome para uma nova linha de calçados esportivos.

É uma história à prova de spoilers: todos sabem que o Air Jordan, o mais icônico dos tênis, é da Nike. Air mantém o espectador interessado no jogo mesmo quando já se conhece o placar desde o início.

A sequência de abertura situa o filme nos anos 1980, com uma colagem ao mesmo tempo irônica e nostálgica dos figuras representativas daquela década – de Ronald Reagan a Mr. T, da série Esquadrão Classe A. Michael Jordan ainda não integrava esse time de ícones em 1984, quando começa a história. Ele era só uma promessa, recém-contratado pelo Chicago Bulls depois de uma temporada de sucesso no basquete universitário.

A Nike já era uma bem-sucedida empresa de capital aberto, mas sem tradição no basquete. Nas quadras, mandava o Converse, endossado por astros como Magic Johnson e Larry Bird. O próprio Jordan tinha uma queda pela Adidas. A Nike era a última marca à qual ele desejava se associar.

Seduzir Jordan será a missão de Sonny Vaccaro, o craque do marketing esportivo que é o verdadeiro herói de Air. Parceiro de longa data de Affleck, Matt Damon confere ao personagem a aura única do homem modesto que é excepcional em seu ofício. Sedentário, com uma pança protuberante, Vaccaro é o oposto da imagem que uma empresa de artigos esportivos deseja projetar – mas é o primeiro a perceber que Jordan poderia ser uma revolução na história da Nike.

Vaccaro conquista a parceria do colega Howard White (Chris Tucker) e do chefe de marketing da empresa, Rob Strasser (o ótimo Jason Bateman, da série Ozark) em seu esforço para reconfigurar a estratégia da Nike: em vez de dispersar seus recursos comprando o endosso de três ou quatro jogadores medianos, o departamento de basquete empenharia todo o seu orçamento na contratação de Jordan. Coube ao designer Peter Moore (Matthew Maher) criar o Air Jordan.

Phil Knight, o fundador da Nike – interpretado pelo próprio Affleck em um registro um tanto caricatural – hesita em botar todas as suas fichas em Jordan. Convencê-lo é o primeiro desafio de Vaccaro. Mais difícil será contornar o agente de Jordan, o agressivo e desbocado David Falk (Chris Messina). Mas a negociação crucial será com Deloris, a mãe do jogador, vivida pela grande Viola Davis (o próprio Jordan pediu que ela interpretasse sua mãe).

Competente mas convencional, Air não escapa de um recurso indefectível dos filmes baseados em histórias reais: os letreiros que, no final, informam o que aconteceria aos personagens nos anos posteriores. É quando somos informados de que as vendas do Air Jordan hoje chegam a US$ 4 bilhões por ano. Estima-se que Michael Jordan, hoje com 60 anos, ganhe US$ 400 milhões por ano graças a uma cláusula até então inédita em contratos do gênero, que lhe garantiu uma porcentagem da receita bruta sobre cada tênis vendido com seu nome.

Em um momento crucial, Air exibe imagens impressionantes de Jordan em ação, voando em direção à cesta como se fizesse parte do elemento que dá nome a seu tênis.

E então entendemos por que o filme não mostra o rosto do ator escalado para interpretar o jogador: a lenda exige mistério.