Dona de uma das maiores histórias de criação de valor da Bolsa, as ações da Ambev enfrentam sua maior ressaca nos últimos dois anos. 

Desde o fim de 2016, quando a combinação de crise, concorrência e aumento de impostos causou uma tempestade perfeita, o papel vem vacilando –  e este ano, com dólar em alta, greve dos caminhoneiros e a incerteza eleitoral, acumula queda de 13%, comparado a um Ibovespa praticamente no zero a zero.  

Os números mostram que o negócio não está fácil. O consumo per capita de cerveja no Brasil caiu 12% desde o pico de 2012. Na mesma linha, a margem EBITDA da Ambev no mercado brasileiro de cerveja saiu da casa dos 50% para 42% neste ano. 

Há quem acredite que o movimento é cíclico, fruto de uma economia que só fez jogar água no chope nos últimos anos.

Mas já há quem se preocupe que o movimento seja mais estrutural. Nesse grupo, há preocupação com a concorrência mais acirrada no segmento premium, que vem ganhando participação nos últimos – e onde a Heineken reforçou a artilharia, antes mesmo da compra da Brasil Kirin. 

Ao mesmo tempo, a crise empurrou muitos consumidores para marcas mais baratas, deixando as marcas mainstream da Ambev espremidas no meio – e forçando a companhia a dobrar a aposta em novas apresentações e embalagens.

O Brazil Journal esteve com o novo CFO da Ambev, Fernando Tennenbaum, para discutir essas questões. 

Nos últimos anos, as principais marcas da Ambev – Skol, Brahma e Antarctica –  foram espremidas, de um lado pela migração para cervejas mais premium e de outro para um ‘trade-down’ para marcas mais baratas. Como vocês estão lidando com essa mudança? 

Temos que dar um passo atrás e ver como o mercado vem evoluindo no Brasil e no mundo. Em 2004, 2005, só tinha Brahma, Skol e Antarctica, praticamente só latinha e retornável. O consumidor era fiel: só tomava Brahma ou só tomava Skol.  Agora, o consumidor não é o mesmo em todos os momentos. Isso é uma mudança estrutural, que está acontecendo em todo lugar. Na praia, ele toma Corona. Quando está jantando com o marido ou com a mulher, vai para a Stella Artois. Temos que ter um portfólio mais completo para atender esse consumidor em cada uma das necessidades. E não é só produto, mas embalagem também.  Quando vai para um mercado que tem mais marcas, vai ficando mais sofisticado, a oportunidade grande que aparece é a oportunidade premium. Naturalmente, quando olhamos para a frente, imaginamos que o premium vai ser maior do que é hoje, em que representa 10% do volume.

Quando a gente fala da tendência de trade-down, é uma coisa de conjuntura. O segmento de value [de marcas mais baratas] sempre existiu, mas quando se tem uma crise como a que tivemos nos últimos anos, ele cresce mais. Normalmente, o consumidor que toma a marca value, quando o país começa a ir melhor, faz o ‘trade-up’ de volta. A gente prefere não entrar nesse segmento de uma forma mais significativa porque preferimos muito mais criar marca, agregar valor para o consumidor. Quando o país crescer mais, ele abandona esse segmento e vai para o mainstream e o premium.

A estratégia em direção ao premium parece clara. Mas como vocês estão lidando com esse trade-down da crise? Ainda estamos numa recessão e, especialmente em meio a essa incerteza eleitoral, ninguém tem muita visibilidade de quando e como o Brasil vai voltar a crescer de forma sustentável…

A nossa estratégia foi toda em direção a affordability com as embalagens retornáveis. A embalagem retornável sempre foi a fortaleza do bar; o que a gente fez foi colocar o retornável fora dele. E nosso trabalho foi: como eu vou entregar um produto retornável de forma conveniente? Sempre foi um produto complexo, [porque] tinha que retornar o engradado no supermercado. Fizemos uma iniciativa que é o Pit Stop, estações em postos de gasolina ou estacionamentos de supermercados em que o cliente pode deixar a embalagem e levar de volta o novo engradado. O retornável é muito mais barato que o one-way e a lata, e isso vai me dá uma rentabilidade tão boa quanto eu já tenho, apesar de um price point melhor. 

A maior novidade do setor nos últimos anos foi a chegada mais forte da Heineken, que cresceu bem no mercado premium e comprou a Brasil Kirin. Qual o impacto da chegada desse concorrente? 

Eu não falo da concorrência, o que eu posso dizer é o que a gente está fazendo. O mais importante é que tem uma misconception [uma ideia errada] de todo mundo de que o Brasil não é um mercado competitivo. Daí chega um cara novo e todo mundo acredita que o mercado vai passar a ser competitivo. Sempre foi. O problema é que o Brasil é mais de um Brasil. Quando você olha na média, pode ter a impressão de que não tem competição. Mas quando você olha região por região, é um mercado super competitivo, duro, sempre foi. Quando eu era RI, sempre ouvia a mesma pergunta, só mudava o nome do competidor. Teve um em 2004 que achava-se que ia mudar o mercado. Outro em 2006. Várias vezes ouvi a mesma coisa. Não acho que o mercado vai ficar mais fácil ou difícil. Sempre vai ser difícil. Nosso vendedor todo dia acorda e quando ele olha o que ele tem de pedido, ele não tem nada. Tem que ganhar o mercado todo dia. Eu não olharia um competidor específico, eu acho que o mercado vai ser desafiador de um jeito ou de outro.

A Ambev foi construída em cima de um grande poder de distribuição sobre os bares e restaurantes. Mas nos últimos anos, com a evolução do mercado, as pessoas começaram a beber mais em casa e o supermercado vem ganhando mais participação. A dinâmica de preços é mais difícil nos supermercados? Até que ponto esse maior importância dos supermercados reduz a margem de vocês?
 
A questão não é se é difícil negociar com um ou com outro. O que acontece é que a dinâmica dos pontos de venda é diferente.  A elasticidade de preço é sempre muito maior nos supermercados, onde a decisão é menos emotiva. Quando você está no bar com os amigos, provavelmente não vai fazer tanta diferença se uma cerveja custa um real a mais ou a menos. 

O que a gente faz é brincar um pouco mais com o portfólio, com as embalagens. Tem aquele consumidor que tem R$ 1 no bolso. Você faz uma embalagem menor, porque o que importa é o ‘out of pocket’.  Você coloca outra embalagem grande porque vai ter aquele estudante que vai fazer um churrasco e está meio apertado – e nesse caso o preço por litro sai mais barato. 

Nos últimos anos, o preço líquido ficou estável ou subindo muito pouco. De onde veio a dificuldade de aumentar preços?

Nossa política é sempre aumentar o preço de acordo com a inflação, porque se você repassa acima da inflação, o mercado cai. Outra coisa que tentamos sempre corrigir é aumento de imposto. No fim de 2016, tivemos um resultado ruim, porque a inflação era mais alta e o imposto aumentou muito. Não conseguimos repassar porque o consumidor estava num momento frágil. Agora, em 2017, 2018, estamos naquela toada de aumentar o preço sempre em linha com a inflação. 

O consumo per capita de cerveja está caindo. Como líderes de categoria, quais providências vocês estão tomando para fazer o consumo crescer de novo? 

A indústria vem estável — sobe um pouquinho, cai um pouquinho — muito em função da situação do País. Desde 2014, está quase linear. A gente vem performando, em média, acima da indústria, quase todos os trimestres desde 2014. Num momento de crise, se você fica olhando trimestre a trimestre, tem uma volatilidade que é normal, mas quando olhar no longo prazo, os fundamento do País são bons e a gente acha que vai crescer. 

Não necessariamente fazendo um paralelo, mas quando você olha 2000 até 2004, o mercado não crescia volume. De repente, o Brasil entrou na trajetória certa e vimos um crescimento de volume de 2004 até 2013, 2014, impressionante. Brasileiro gosta de tomar cerveja, então a gente acha que é muito mais crise, uma coisa conjuntural. 

Quem está do lado mais cético diz o seguinte: é difícil ter visibilidade se essa compressão das principais marcas é conjuntural ou se a Ambev está perdendo o ‘pricing power’ no que hoje é seu principal negócio. Como você responde a esse tipo de questionamento?

O premium está crescendo muito mais que o mainstream – na média, o premium está ganhando relevância e o mainstream, perdendo. Pode até continuar crescendo, mas o adicional é muito maior no premium. Isso é consciente. Trouxemos as três marcas globais [Bud, Stella e Corona] e temos uma diretoria só de ‘high-end’, porque é um negócio mais importante para a gente. 

Hoje o premium é 10% do nosso volume. Quando você pega países comparáveis ao Brasil, em muitos deles você acha isso a 20% do volume… Não acho que estamos atrás no premium, acho que estamos certos. Tenho um portfólio bacana de marcas, não adianta falar que vai fazer premium e ter uma bala de prata. Somos líderes em craft com Colorado e Wals. Esse segmento ainda é muito pequeno no Brasil. Quando você vê os Estados Unidos, isso cresce pra caramba e virou relevante. Se isso acontecer no Brasil, a gente está super bem posicionado e vai capturar esse crescimento. 

Falando mais do curto prazo, no segundo trimestre de 2018 consolidou-se uma tendência de aumento do preço por hectolitro maior do que o aumento da receita bruta – um sinal de que vocês estão diminuindo os descontos com os revendedores. Isso é um sinal de que a economia está melhorando ou uma mudança na estratégia de pricing? 

A questão é como você dá desconto para o consumidor. Toda a estratégia de embalagem é para garantir que não estamos dando desconto onde não precisa ser dado.  É a gente sendo mais eficiente no ‘revenue management’ do que uma dinâmica de recuperação da economia. 

Em refrigerantes, a margem vem caindo ao longo do tempo – apesar de ter dado uma repicada para cima no segundo trimestre, é em cima de uma base já bem depreciada. A Coca fez diversas aquisições, mundialmente, nesse segmento de soft drinks – indo para água, chá, sucos… Qual o diagnóstico aqui? Podemos esperar mais aquisições nesse sentido?  

Refrigerante tem um consumo muito mais elástico que cerveja, então quando temos uma crise, ele sente muito mais. Nós também fizemos aquisições. Teve o suco Do Bem, que tem uma proposta diferente e está indo super bem. E dentro dessa marca, estamos ampliando a categoria: tenho suco, chá, leite vegetal… Fora da marca, temos Fusion [energético] , Gatorade… No nosso horizonte, o máximo que a gente está indo é uma expansão do portfólio da Do Bem. É uma marca que permite fazer isso, com um posicionamento healthy. 

Como vai o negócio da companhia fora do Brasil?

Hoje 10% do meu resultado é América Central e Caribe. Mas quando vou falar com investidor, ele gasta 99% do tempo falando sobre Brasil e nem lembra que eu tenho um negócio no Caribe, na Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile. Brasil é 60% e tem todo esse resto que cresce muito. América Central e Caribe vem crescendo acima de 10% todos os anos. Já é um mercado do tamanho do Canadá e o pessoal não olha muito, mas é bem bacana. A gente tem uma posição super boa na República Dominicana, no Panamá. Um operação menor, mas com share relevante, na Guatemala. São países pequenos, mas é a região em que a gente encontra mais ‘white space’ [oportunidade de crescer o portfólio].