Depois de um hiato de um ano gerado pela pandemia, os líderes do varejo global se reuniram recentemente em Nova Iorque no evento anual da National Retail Federation.
Na agenda: entender como sobreviver e (se possível) crescer em um setor que, desde o advento do smartphone, vem passando por uma disrupção histórica – que a pandemia só fez acelerar.
Diante deste cenário, o que os principais varejistas americanos – na sua maioria incumbentes que vieram do mundo físico e tiveram que se digitalizar – estão fazendo para competir?
Hoje, o desafio da transformação digital hoje está em fazer o básico bem-feito, e a maioria das (grandes) empresas brasileiras ainda não fizeram. O índice de maturidade digital que tive a oportunidade de construir quando estava na McKinsey mostra um enorme gap entre a mudança de cultura e a capacidade de execução.
No powerpoint, fazer a transformação digital parece fácil e lógico, mas o mundo corporativo sofre de inércia e de uma síndrome de silos. Na guerra de vaidades de quem manda mais, e do conforto em manter o status quo, a evolução é lenta. Aí chega a ‘startup attacker’ pequena, ágil, e agora altamente capitalizada, e em dois ou três anos morde uma parte considerável do seu market share resolvendo as dores latentes dos consumidores.
E o que não falta é dor para resolver. O NPS de grande parte dos negócios de varejo, financeiro e serviços é sofrível. E NPS baixo = enorme oportunidade de disrupção. A boa notícia é que muitos players acordaram e estão reagindo.
Abaixo, seis boas práticas básicas que foram adotadas por empresas que conseguiram passar a curva da arrebentação da transformação digital do varejo (e que se aplicam também a outros negócios, como o mercado financeiro, por exemplo). Se sua empresa ainda não avançou nestes temas, está atrasada.
Densidade de talentos digitais: Começo por esta porque é a capacidade número 1 que separa as tech companies das tradicionais: uma cultura e agenda clara de atração e engajamento de talentos digitais, inclusive no board.
De uma hora para outra, empresas de todos os setores estão tentando contratar os mesmos talentos: desenvolvedores, designers, data sciences. Durante a pandemia, estes profissionais começaram a ter ainda mais uma opção: trabalhar do Brasil remotamente ganhando em moeda forte. Como competir? O assunto é complexo e exige múltiplas frentes: uma delas é investir na formação de mão de obra. O Mercado Livre, por exemplo, fez uma parceria estratégica com a Digital House para formar anualmente um exército de profissionais de tech.
Ecommerce é muito mais que um website com vitrine de produto e carrinho de compras: o consumidor está deslocando sua compra digital para plataformas de conteúdo como Instagram e TikTok. Em 2021, por exemplo, um valor equivalente ao PIB da Islândia foi gerado em compras dentro do TikTok na China.
O carrinho de compras da sua empresa deve ser mais que um destino, deve ser um feature disponível onde o consumidor estiver. A pesquisa da Zmes sobre ecommerce mostra que o principal atrativo para a compra online no Brasil ainda é pagar mais barato. A internet é vista como um enorme outlet onde são esperados descontos, frete grátis e parcelamento. Em atributos como experiência e conteúdo, o digital aqui ainda perde para as lojas físicas.
A aproximação do conteúdo com a transação, seguindo o modelo chinês, pode mudar isso. Alguns exemplos começam a aparecer por aqui, como o TheBar da Diageo, que vende online garrafas de Johnnie Walker por mais de R$ 2.500 misturando conteúdo e influenciadores.
Obsessão por dados gerando valor no dia a dia: tecnologia, processos e modelo operacional para captura associado ao processamento por IA dos dados permitindo casos de uso como jornadas personalizadas em escala.
Uma parte considerável das grandes empresas têm investido na área de dados, porém ao perguntar para os CEOs quais são os casos de uso em produção que estão gerando impacto no negócio você ficará decepcionado com a resposta. Existem muitos data labs, áreas de dados que trabalham em um sandbox fazendo testes, porém em vários casos falta conexão com o bottom line.
O WalMart é um exemplo que tem investido bastante em transformar a massa de dados enorme coletada todos os dias em suas lojas e no digital em experiências personalizadas para seus milhões de clientes. A empresa coleta em média 2.5 pentabytes de dados de 1 milhão de consumidores por hora. O resultado é um marketing preditivo mais assertivo, melhores taxas de conversão gerando aumento do LTV, redução de CAC e mais satisfação do cliente.
Excelência na experiência da jornada do consumidor de ponta a ponta: agora que todas as empresas vendem online através de sites e apps o importante é ter a melhor jornada, com menos fricção, mais conveniência, entregando mais rápido que o cliente espera e, quando surgir um problema, que ele seja resolvido rápido e de forma surpreendentemente positiva.
A pergunta chave aqui é: qual é o peso do NPS no bônus dos executivos da sua empresa? Executivos, empreendedores e pessoas no geral são movidos por incentivos. Além disso, o NPS precisa ser corretamente medido. Já vi muitos casos em que o sistema foi implementado para pegar as maiores oportunidades de happy journey (Ex: pergunta se o cliente está feliz bem depois que seu crédito foi concedido), aí é o famoso me engana que eu gosto.
Um exemplo de empresa que cresceu com o mantra do ‘NPS = resultado’ é a Chewy, uma plataforma de vendas de produtos e serviços para pets nos EUA que tem mais de 20 milhões de clientes e US$ 9 bilhões de faturamento. O CEO Sumit Singh espalha o dogma que todas as interações dos seus colaboradores com consumidores têm que ser percebidas como uma ida à Disney. Ligações dos clientes são sempre atendidas por humanos em menos de 4 segundos.
Custos de marketing decrescentes adotando o Agile Marketing: times de growth que conseguem combinar aumento de GMV com redução de AdCost, combinando canais de mídia pagos com canais orgânicos e sempre mensurando LTV.
A aceleração da transformação digital aumentou de forma exponencial a quantidade de anunciantes investindo em plataformas como Google e Facebook. O resultado é o enorme aumento do indicador conhecido como AdCost ou CIR, a porcentagem de gastos de marketing sobre a receita.
Este custo é a maior linha de despesas em muitos negócios, startups e estabelecidas. Pilotar bem este indicador passou a ser essencial para a rentabilidade das empresas. A saída passa por um processo muito parecido com os dos esportes de alta performance: o resultado vem da melhoria contínua e incremental, 2 segundos aqui, 3 ali, quando você empilha as melhorias chega em resultados 10-30% melhores.
Um exemplo foi um banco na Argentina que reduziu de forma significativa o CAC de venda de cartão de crédito ao fazer 15 pequenas melhorias na jornada de adesão. Uma delas foi tão simples quanto remover o captcha de segurança colocado pela área de TI. Apenas times multifuncionais e empoderados, que integram tech, produto e marketing, conseguem fazer estas melhorias em prazos curtos.
Lojas físicas que entregam mais que a transação: lojas de nova geração que funcionam com três propósitos: atrair novos clientes para reduzir o CAC digital, oferecer prestação de serviços (como ajustes de costura em uma marca de roupa) e entretenimento (como as lanchonetes dentro das novas Toys R Us) – coisas que só funcionam no offline, transformando a visita na loja em um programa que justifique a saída de casa. Por último, a atuação como fulfillment, permitindo entregas mais rápidas além de ser um ponto de retirada e troca.
A nova loja da Nike da Quinta Avenida – chamada de “House of Innovation” – é um excelente exemplo: ao entrar na loja, caso você tenha o app da marca instalado no celular, você recebe uma notificação sugerindo ativar o “store mode”.
A partir daí, seu celular vira um concierge digital, ajudando a navegar na loja e funcionando como um ‘self check-out’. Além disso, a loja é um passeio, você pode customizar seu tênis no sneaker lab ou assistir uma palestra sobre como melhorar seu treinamento com um personal trainer da região. Este formato de loja é um dos poucos que podem concorrer com o e-commerce em proposta de valor para os consumidores.
Marcelo Tripoli é fundador e CEO da Zmes, um híbrido de consultoria e agência de marketing.