Para que o Brasil deixe de ser um país com esgoto a céu aberto e sem água tratada, alguém vai ter que investir pesado.

Mas com o Governo Federal quebrado e os estados de pires na mão, o investimento terá que vir das próprias companhias estaduais, que, para isso, vão precisar de empréstimos do setor privado — e tarifas que remunerem seu capital.

Na maioria dos estados brasileiros, esta obviedade econômica está começando se tornar um consenso, e agências estaduais que regulam empresas como Sabesp e Copasa estão dando sinais de que entendem o que está em jogo.  Além disso, a Sanepar — companhia estatal de saneamento do Paraná — está precificando esta tarde uma oferta de ações que atraiu liquidez e a atenção do mercado para o setor.

Em Belo Horizonte, numa recente audiência pública para determinar as regras da tarifa da Copasa, muita gente apareceu para defender a modicidade tarifária dizendo que ‘só os investidores do mercado financeiro’ estavam se dando bem na Copasa.

Uma investidora de um fundo de São Paulo pediu a palavra e disse:  “Quem investiu na Copasa no IPO em 2006 fez um investimento ruim.  Era melhor ter deixado o dinheiro no CDI. Para a gente ter a universalização que todo mundo quer, tem que haver remuneração do capital do acionista,” disse a investidora. “Isso aqui tem que ser uma revisão técnica, com embasamento técnico: qualquer coisa diferente disso os gestores da empresa podem ser questionados na Justiça por má gestão.”

Tomando a palavra, o diretor da agência regulatória reafirmou que o processo será eminentemente técnico: “É por isso que estamos fazendo essas audiências com seis meses de antecedência.”

Esse novo espírito de realismo tarifário está provocando alguns investidores a analisar de novo o setor.

9940 a40926fa 186f 005c 0000 c2f85387bc72A Copasa, por exemplo, nunca teve um marco regulatório, que está sendo desenvolvido agora. Sua agência reguladora existe há seis anos, mas a tarifa da empresa até hoje é reajustada apenas pela inflação.

Com a crise hídrica de 2015, o endividamento da empresa ultrapassou o que foi combinado com seus credores, e a Copasa precisou de um reajuste extraordinário para recompor sua receita devido à queda de volume.

O reajuste (de 13,9%) entrou em vigor em maio, mas a segunda etapa (a mais importante para os investidores) vem agora: o cálculo da chamada ‘base de ativos regulatória’ e do custo de capital da empresa. A agência deve terminar o processo em junho de 2017, mas a nova tarifa será retroativa a maio de 2016.

Outro motivo para otimismo: como resultado da crise hídrica, o volume de água fornecido pela Copasa caiu 7% em 2015;  este ano, o volume está em alta de 2%, e alguns analistas projetam uma alta de 3% na perpetuidade. (Funny fact: no IPO da Copasa, seus executivos à época diziam que Minas Gerais era ‘a caixa d’água do Brasil’, dado o grande número de nascentes no Estado.)

“Parte da queda do volume é porque simplesmente não havia água, mas outra parte é estrutural: as pessoas passam a economizar água num cenário de racionamento,” diz um acionista da Copasa. “Com o tempo, a maioria das pessoas tende a voltar ao padrão anterior.”

Na Sabesp, também há otimismo de que as tarifas passarão a refletir a realidade econômica e a necessidade de investimentos.

Há algumas medidas que, se adotadas pela integralmente pela agência reguladora estadual, podem aumentar dramaticamente o valor de mercado da Sabesp.

Por exemplo: na primeira revisão tarifária, há três anos, a agência reguladora desconsiderou R$ 6 bilhões em investimentos em novas tubulações que a Sabesp fizera.  Na revisão em curso agora, a agência pode reavaliar esta glosa, o que ajudaria a empresa a obter uma tarifa maior.

Outra variável: sobre cada conta de água na cidade de São Paulo, a Sabesp recolhe 7,5% para um fundo municipal de investimento em saneamento.  Este dinheiro não fica com a empresa. É possível que, na próxima revisão tarifária em meados do ano que vem, a agência reguladora compense a Sabesp por este valor perdido.

Mas a melhor notícia para a Sabesp aconteceu nas eleições municipais de outubro, quando várias prefeituras da região do ABC que eram do PT mudaram de mãos.  Muitos prefeitos petistas simplesmente haviam parado de pagar à estatal, além de não renegociar as dívidas vencidas.

Em Santo André (que responde por 37% da dívida que a Sabesp tem a receber), o PT perdeu para o PSDB.  Em Guarulhos (35% da dívida), pela primeira vez desde 2000 o PT perdeu a eleição, que foi ganha pelo PSB.

Outras cidades importantes que a partir de janeiro serão comandadas por partidos, digamos, mais racionais na economia incluem Mauá (18% da dívida), Diadema (10% da dívida), Mogi (0,1% da divida) e São Caetano do Sul. 

Se estes municípios assinarem contratos para entrar na base da Sabesp, isto teria um efeito triplo: aumenta a base de ativos da empresa (que é usada no cálculo da tarifa), aumenta o volume vendido, e a empresa deixa de ter o prejuizo que estas cidades geram hoje.

Para avaliar o potencial de retorno destas empresas, os investidores olham a taxa interna de retorno (TIR) real da concessionária, isto é, quanto a ação remunera o investidor acima da taxa de inflação. Por exemplo, um título público que protege o aplicador da inflação (a NTN-B com vencimento em 2050) hoje paga inflação + 6%.  A preços atuais, a Sabesp paga uma TIR real de 12%; já a Copasa a a Sanepar, 15%.  (Quanto maior a TIR, mais barata está a ação. A diferença entre Copasa/Sanepar e Sabesp tem a ver com a maior liquidez da última.)

A ação da Copasa já subiu 125% nos últimos 12 meses (porque a situação hídrica se normalizou, e não por causa da tarifa), mas a empresa ainda negocia cerca de 33% abaixo de sua máxima histórica (R$ 50). Como nos últimos dois meses a ação teve um volume médio diário maior do que os menores componentes do Ibovespa (como Cyrela, Ecorodovias e Smiles), alguns investidores dizem que, se o volume se mantiver, a ação tem chance de entrar no índice. 

 
A Sabesp já subiu 57% no mesmo período — uma recuperação também relacionada ao fim da crise hídrica — e negocia ao mesmo valor de mercado de 2013.
 
O grande risco do investimento nas concessionárias de água é sua própria atratividade.

Se as revisões forem feitas corretamente (com a ‘base regulatória’ e o custo de capital regulatório corretos), as tarifas terão que subir muito acima da inflação em 2017. Muitos investidores duvidam que governadores aprovariam esse tipo de reajuste.