Um grupo de veteranos do mercado financeiro está lançando hoje uma nova empresa de análise de ações independente dos grandes bancos: a Eleven Financial .
O tempo vai mostrar se o timing é de extrema estupidez — ou de um raro senso de oportunidade.
A última vez em que a Bovespa registrou os níveis atuais de angústia e azedume, os jovens analistas que hoje dominam o mercado ainda estavam nas fraldas. Além disso, nem o mais poderoso empresário ou o mais arguto observador se arriscam a prever o que vai acontecer na economia e na política daqui a… 30 dias.
Apesar disso, os fundadores da Eleven acreditam que os brasileiros que investem em ações — desde a pessoa física que vive em busca de uma ‘dica’ ao grande investidor que não confia mais na análise feita nos bancos — não só anseiam por uma opinião independente como estão dispostos a pagar por isso.
“Temos absoluta convicção na resiliência da nossa economia, e este momento de incerteza é o melhor pra se investir e é quando as pessoas mais precisam de apoio para encontrar as oportunidades,” diz o fundador da Eleven, Adeodato Netto, mais conhecido como ‘Dato’, que até recentemente trabalhava na GO Capital, a butique de fusões e aquisições que é a dona da Eleven.
Apesar de trabalhar com finanças há 15 anos, Dato é um crítico de como funciona o mercado. “O mercado financeiro gera margem a partir de vapor e não da criação de valor de fato — não há nenhum processo real de desenvolvimento de bens ou serviços. O mercado de derivativos é um claro exemplo disso.”
A Eleven — que terá como conselheiras a jornalista Thais Herédia e Fabiane Goldstein, uma veterana da área de relações com investidores — começa cobrindo cinco empresas e planeja chegar a 11 até o fim do ano. São empresas de menor porte (frequentemente familiares), com pouca ou nenhuma cobertura por parte dos bancos (e por isso mesmo com baixa liquidez) e que a Eleven considera “extremamente subavaliadas e, em alguns casos, praticamente esquecidas pelos investidores.”
Como a recomendação de uma ação funciona melhor quando se cria uma imagem simples e fácil de entender na cabeça do investidor, a coluna pediu a Dato que ‘vendesse’ as empresas que a Eleven vai cobrir — em uma frase.
Ele citou a CSU Cardsystem (“uma empresa de tecnologia precificada como call center”), a Ferbasa (“a única mina de cromo na América do Sul; como ela fatura em dólar, o cara tá surfando”), a Anima (“a empresa de educação que mais apanhou sem merecer”), a empresa de software Senior Solution (“50% do crescimento futuro será por aquisição”) e a Hering, que Dato chama de “cisne negro” (tradução: ele aposta que a Hering vai acabar recebendo uma oferta ).
Para formatar a Eleven, Dato foi a Nova York conversar com empresas americanas especializadas em relatórios sobre companhias com baixo valor de mercado, as ‘small caps’.
A Eleven oferecerá três tipos de pacotes de assinatura. O mais barato, de 50 reais por mês, dá acesso a artigos e podcasts dários, estudos setoriais e uma síntese do relatório sobre cada empresa coberta. O cliente também pode comprar relatórios avulsos (por trimestre, por empresa) por 1.200 reais. O pacote integral (que dá acesso a todo o conteúdo que a empresa produzir) custa 1.800 por mês.
A Eleven está trilhando o caminho aberto em 2009 pela Empiricus, hoje a empresa de análise independente mais visível do Brasil, com 70.000 assinantes.
A Empiricus, que ficou conhecida nacionalmente com seu vídeo que previa “O Fim do Brasil” caso a Presidente Dilma fosse reeleita, estima faturar este ano 80 milhões de reais. (Ano passado faturou 12 milhões e, no ano retrasado, 2,5 milhões.)
Dilma foi reeleita e o Brasil, ao que tudo indica, ainda não acabou, mas o vaticínio apocalíptico turbinou os negócios e levou o nome da Empiricus aos gabinetes do Brasília e até a gente que não tem o menor interesse na Bolsa.
“Nesse negócio, temos que ser ‘outspoken’ [dizer o que pensa], agressivos e, às vezes, até ofensivos,” diz Caio Mesquita, o CEO da empresa e um de seus quatro sócios-fundadores.
Até o início de 2013, a Empiricus sabia que havia descoberto um veio e inaugurado uma indústria, mas ainda tentava consolidar seu modelo de negócios intuitivamente, por tentativa e erro.
Até que entraram os profissionais do ramo.
A Agora Inc. , uma empresa americana que é dona de várias ‘newsletters’ de investimento, comprou metade da Empiricus e — mais importante — compartilhou com os novos sócios brasileiros toda a tecnologia de como vender conselhos de investimento pela internet. A ‘fórmula secreta’ inclui aulas sobre como escrever relatórios interessantes, que mantêm o leitor-assinante-investidor interessado e disposto a gastar de 10 a 250 reais por mês (o tíquete médio é 70 reais) pelos conselhos de um especialista. Nos EUA, as empresas afiliadas da Agora publicam newsletters de investimentos com nomes como Professional Speculator, Retirement Millionaire e Extreme Value.
“A cabeça do fundador da Agora é que se der uma m#$%* numa delas, o problema fica contido lá, e se algo dá certo numa, todas as outras copiam,” diz Mesquita. (O fundador da Agora se chama William Bonner — nenhum parentesco com o apresentador.)
Com a Agora a bordo, a Empiricus passou a focar 100% no investidor pessoa física, segmentou seu conteúdo em 15 temas e fez uma loja virtual de gente grande.
“Nosso negócio é antifrágil ,” filosofa Mesquita. “Quando as coisas vão mal, as pessoas querem mais informação e aconselhamento; e quando vão bem, também.”
Animada com a nova sociedade, a Empiricus já pensa em expandir para outros países; a junta comercial de Lisboa já recebeu o pedido de registro da empresa.
Apesar das diferenças entre elas, tanto a Empiricus quanto a Eleven apostam numa ideia comum: a credibilidade da análise feita nos grandes bancos — analistas demitidos do Santander à parte — está hoje nos mesmos níveis que a popularidade do Governo. Isso acontece porque ou a análise é burocrática, sem trazer nenhuma ideia original, ou o analista tem sua liberdade limitada pelo interesse do banco em não desagradar as empresas que estão na Bolsa — que ou já são suas clientes, ou são um cliente em potencial.
Além disso, quando os bancos olham para a área de análise, eles enxergam um custo incômodo (um bom analista custa caro); a Eleven e a Empiricus enxergam dinheiro a ser ganho.
Considerando tudo de ruim que tem acontecido ao mercado de capitais brasileiro — a baixa liquidez da Bolsa, os juros nas alturas, e a frustração cada vez maior com a falta de proteção aos acionistas minoritários — o nascimento de uma indústria de análise independente no Brasil lembra uma flor que, contra todas as probablidades, insiste em brotar no meio do Saara.
Com o tempo, ou a flor desafia as estatísticas e sobrevive ao deserto, ou é tragada por ele.