A notícia de que a Natura está tentando comprar a The Body Shop deixou muitos investidores otimistas: a transação transformaria a Natura numa empresa global, com uma trincheira bem estabelecida no varejo físico (canal onde ela ainda é caloura) e uma clara rota de crescimento.

Adquirida pela L’Oréal em 2006, a The Body Shop tem mais de 3 mil lojas ao redor do mundo e faturou € 920 milhões (R$ 3 bilhões) no ano passado, menos da metade dos R$ 7,5 bilhões da companhia controlada por Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos. As duas companhias são almas-gêmeas: ambas tem uma estória de respeito ao meio ambiente.

Mas, apesar de parecer positivo e até óbvio à primeira vista, o negócio traria um enorme desafio de execução – e a Natura não parece o candidato ideal para enfrentá-lo.

Alguns acionistas avaliam que a Natura poderia aprender com a expertise da The Body Shop no varejo físico para em seguida fazer deslanchar sua incipiente rede lojas próprias, mas os números sugerem que é a britânica que precisa contar com algum choque externo de gestão.

Com o aumento da concorrência, as vendas e a rentabilidade da Body Shop vêm minguando ano a ano. Seu faturamento caiu 5% no ano passado e o resultado operacional recuou 38,3%, para € 33,8 milhões. A margem operacional é de apenas 3,7%, contra uma média histórica de 25% na Natura.

“A Natura ainda nem sabe administrar lojas… Vai administrar uma rede de lojas que perde dinheiro?”, questiona uma fonte que trabalhou em inúmeras transações para a empresa.

Há dois meses, quando a L’Oréal decidiu colocar a rede à venda, um analista da Bloomberg comentou que “qualquer comprador precisaria fazer uma reformulação pesada, fechar boa parte das lojas e investir em canais online e mídias sociais, reposicionando a marca para os millenials.”

Não é à toa que os competidores da Natura na oferta são fundos de private equity — todos com histórico e apetite para um turnaround. Além da Natura, estão no páreo investidores financeiros como o CVC Capital Partners e o Advent. O mercado especula um preço de US$ 860 milhões (R$ 3 bilhões), igual a um ano de faturamento.

Os que torcem pela aquisição dizem que a Natura já teve uma experiência bem-sucedida em sua única aquisição de um ativo internacional, a australiana Aesop, comprada em 2013 pela bagatela de US$ 70 milhões. Em apenas quatro anos, a receita e o EBITDA quadruplicaram, para R$ 580 milhões e R$ 115 milhões, respectivamente.

Mas a realidade é que as estórias são completamente diferentes. Focada no mercado ‘premium’, a Aesop já era uma história de crescimento e tem uma escala muito menor do que a da Body Shop. Hoje, a australiana tem 176 lojas em 20 países, quase o dobro das 80 de quatro anos atrás, quando a Natura entrou no capital (no Brasil, são apenas duas lojas).

“A Aesop era um balão de ensaio, com uma escala mais controlável e não tinha potencial para arranhar tanto os resultados da Natura, mesmo se as coisas dessem errado. Na Body Shop, o risco de execução pode destruir o valor da companhia”, afirma um analista.

Natura e Body Shop têm origens parecidas e, provavelmente, o mesmo signo do zodíaco. Ambas nasceram na década de 1970. Enquanto o ‘eureka’ de Luiz Seabra foi valorizar a flora brasileira, no Reino Unido a ativista Anita Roddick laçou seu negócio sob a bandeira da sustentabilidade ambiental e social, e foi uma das primeiras a abolir os testes em animais.

Agora, quase 50 anos depois, as empresas enfrentam ao mesmo tempo a crise da meia-idade. O que era um diferencial se tornou uma commodity: o conceito ‘verde’ lançado pelas empresas ganhou apelo — mas atraiu competição.

Perdida no portfólio multibilionário da L’Oréal, a Body Shop vem enfrentando a concorrência de marcas mais jovens como a britânica Lush, que tem o mesmo apelo sustentável e é mais conectada com os millenials.

A oportunidade de comprar a Body Shop vem num momento em que a Natura começa a obter os primeiros resultados de sua tentativa de revitalizar seu modelo de negócio: o canal de vendas diretas – que consagrou a empresa — não foi capaz de garantir crescimento nos últimos anos. 

A transformação tem vindo a passos lentos. A Natura vende produtos da marca ‘Sou’ em 3.000 farmácias desde 2015, e começou a abrir lojas físicas no ano passado. Por enquanto, são apenas sete unidades e não há planos oficiais para escalar o novo canal. As vendas pela internet começaram em 2013, inicialmente com a intermediação das consultoras.  Mas apesar de tentar se tornar uma empresa multicanal, as vendas diretas ainda respondem por mais de 90% do faturamento da Natura, graças a seu exército de 1,3 milhão de consultoras.

“Eles estão reconhecendo que o canal de vendas diretas está exaurido e estão fazendo uma guinada para o varejo físico. Eles têm uma marca forte. Precisam de outra? Acho que eles estão meio perdidos”, diz um gestor baseado em Nova York.

A demora em encontrar uma nova estratégia vem custando caro.  Em 2010, a empresa liderava o mercado de higiene e beleza, com 14,9%; no ano passado, caiu para 10,8% — praticamente empatada com o arquirrival Boticário, que encerrou 2016 com 10,6% de participação contra 6,9% seis anos antes. (No mesmo período, a Unilever ganhou 2,2 pontos percentuais e assumiu a dianteira, com 12,6% do mercado.)  Em números mais concretos, a Natura cedeu ’share’ para a concorrência em 5 milhões de lares.

No ano passado, Seabra, Leal e Passos trocaram o comando.  Roberto Lima, que ficou apenas dois anos à frente da companhia — período no qual, nas palavras de um gestor, “tentou um pouquinho de cada coisa, para ver o que colava” — foi substituído pelo vice-presidente comercial, João Paulo Ferreira.

Ferreira está engajado em romper a letargia e retomar a ofensiva para que a Natura volte a ter o crescimento que atraía os investidores na primeira década dos anos 2000. Numa reunião com investidores no início deste mês, pela primeira vez em pelo menos três anos os controladores compareceram ao evento, e estavam em sintonia fina com o novo CEO.

Mas, ao que tudo indica, a Body Shop pode ser um passo grande demais.