O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse ser favorável à regulação de sua empresa tendo em vista o papel cada vez mais central das grandes empresas de tecnologia no mundo. 

Numa entrevista à CNN ontem à noite, Zuckerberg disse que a questão não é mais “se” o Facebook deve ser regulado, e sim “qual regulação” faz sentido.

A entrevista foi a primeira aparição pública de Zuckerberg depois que o The New York Times e o The Guardian denunciaram o escândalo envolvendo a Cambridge Analytica (CA), a firma de Big Data que ajudou a eleger Donald Trump usando dados coletados ilegalmente de 50 milhões de usuários do Facebook. Em apenas três dias, o Facebook já perdeu 10% de seu valor de mercado.

“Com tudo que está em jogo, por que o Facebook não deveria ser regulado?” perguntou a repórter.

Zuck, como o fundador é mais conhecido, respondeu:  “Não tenho certeza de que não devemos ser regulados. No geral, a tecnologia é uma tendência cada vez mais importante no mundo. Eu acho que a questão é mais: ‘qual é a regulação mais apropriada?’ em vez de se deveria haver regulação.”

A declaração de Zuck — inimaginável um ano atrás — deve reverberar no debate de políticas públicas em Washington e marcar um divisor de águas para o Vale do Silício, onde empresas como Apple, Amazon, Google e o próprio Facebook têm evitado a todo custo qualquer regulação que enrijeça seus negócios.

Zuck disse que apoiaria, por exemplo, uma regra exigindo mais transparência sobre quem está pagando pela publicidade online. 

“Se você observar o quanto de regulação existe ao redor da publicidade na TV ou nos jornais, não está claro para mim porque deveria haver menos [regulação] na internet. O mesmo nível de transparência deveria ser exigido. Não sei se essa lei vai passar; sei que alguns senadores estão trabalhando duro nisso, mas vamos lançar em breve ferramentas que já vão entregar o que a lei está propondo.”

Um projeto de lei para aumentar a transparência está tramitando no Congresso americano desde que o Facebook reconheceu que agentes russos compraram anúncios políticos durante a campanha de 2016 para fomentar a divisão e o ódio entre os americanos (coisa que no Brasil se faz de graça).

O escândalo começou quando um desenvolvedor, Alexander Kogan, criou um teste de personalidade no Facebook em 2013.  Cerca de 300 mil usuários instalaram o app, mas como o Facebook era uma plataforma aberta, Kogan conseguiu coletar dados de milhões de ‘amigos’ dos usuários de seu app.

Em 2014 o Facebook mudou sua tecnologia e restringiu a quantidade de dados que um aplicativo externo pode acessar.

Mas no ano seguinte, repórteres do The Guardian alertaram o Facebook de que havia evidências de que Kogan havia vendido os dados que colheu nos testes de personalidade para a Cambridge Analytica e outras firmas — uma violação da política do Facebook.  A rede social imediatamente baniu o aplicativo de Kogan e pediu à CA uma declaração formal de que a firma não estava armazenando dados de nenhum membro da comunidade do Facebook e de que, se ela havia tido acesso aos dados, que já os havia destruído. 

Segundo Zuck, a CA forneceu essa declaração, a qual, sabe-se agora, era mentira. Os dados foram usados na campanha eleitoral americana.

Como parte de seu esforço para reconquistar a confiança do público, Zuck citou as eleições nos EUA, Índia e Brasil — todas este ano — como momentos em que o Facebook estará pronto para combater tentativas de interferência indevida e a guerrilha de ‘fake news’.

O CEO disse que vai fazer uma auditoria em “milhares de apps” que tiveram acesso a grandes quantidades de dados para se certificar de que não há “outras Cambridge Analyticas por aí.”

“O furor em relação à Cambridge Analytica tem afetado Zuckerberg pessoalmente,” disse o The New York Times ontem à noite. “Dentro do Facebook, até mesmo seus defensores mais leais descrevem uma atmosfera tensa. Alguns funcionários já tentaram se transferir para outras divisões — como o WhatsApp e o Instagram — chamando seu trabalho no principal produto do Facebook de ‘desmoralizante’.”

Apesar do escândalo, Zuck está relativamente seguro no cargo de CEO.  O Facebook tem duas classes de ações, e as de Zuck tem 10 vezes mais direitos políticos do que as ações ordinárias.

Até o ano passado, ele queria criar uma terceira classe de ações — a Classe C — para continuar mandando na empresa mesmo se vendesse 99% de sua posição acionária para bancar suas causas filantrópicas.

“A participação dele no Facebook poderia ir a zero — ele poderia vender todas as suas ações — e ainda assim controlaria a companhia,” disse Scott Galloway, professor da NYU que tem alertado sobre o risco regulatório crescente do Facebook, Amazon, Google e Apple.  

Ontem, na CNBC, Galloway disse que Zuck é “o equivalente a um autocrata da era da infiormação”.  

“Infelizmente temos o indivíduo mais poderoso do mundo — que vê o que 2,2 bilhões de pessoas vêem todos os dias — e não pode ser removido do cargo! Isso mostra que o poder corrompe, mostra como ter duas classes de ações é ruim, e como um duopólio [Google e Facebook] é ruim. Os anunciantes não têm escolha. É uma situação terrível.”

Galloway acha que a regulação não virá do Congresso americano, e sim da União Europeia ou de algum Estado americano conservador.

A íntegra da entrevista à CNN está aqui.

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