Horas depois de David Koch morrer, vítima de câncer na próstata, o comediante Bill Maher fuzilou, “Agora vou ter que reavaliar minha opinião negativa sobre o câncer de próstata.” 

David Koch era um homem complexo — para dizer o mínimo.

Bilionário, libertário, e um dos maiores responsáveis pelo fortalecimento da direita americana, Koch financiou o Tea Party e os grupos que negam a mudança climática, ao mesmo tempo em que se declarava um social liberal, defensor de pautas como direito ao aborto e casamento homoafetivo.

Koch morreu sexta-feira, aos 79 anos, depois de escapar da morte duas vezes. Foi um dos poucos sobreviventes de um acidente aéreo que deixou 30 mortos em 1991. Há 26 anos, foi diagnosticado com um câncer de próstata e ouviu dos médicos que teria poucos anos de vida.

Com uma fortuna de mais de US$ 50 bilhões advinda de sua participação de 42% na Koch Industries – a segunda maior companhia de capital fechado dos EUA – David fazia dobradinha com seu irmão Charles, o CEO do grupo.

Enquanto Charles comandava a Koch  – um império que inclui refinarias, indústrias químicas e têxteis que fatura mais que o Facebook e a Goldman Sachs juntos – David atuava nos bastidores, promovendo uma agenda de estado mínimo, movida por uma ideologia libertária e interesses pessoais.

Se até hoje os EUA não implementaram um imposto sobre emissões de CO2, muito se deve aos irmãos Koch. Em 2010, eles gastaram rios de dinheiro fazendo lobby no Congresso para impedir aquela que é considerada a mais importante tentativa de taxar emissões, a lei do ‘cap and trade. 

“A Koch Industries percebeu desde cedo que seria um desastre financeiro para a empresa se o governo americano regulasse as emissões de carbono ou fizesse com que as empresas pagassem um preço pela liberação de carbono na atmosfera,” Christopher Leonard, autor de um livro sobre os Koch, escreveu no The New York Times.  

“Os efeitos de tal política seriam medidos ao longo de décadas para a empresa, que tem bilhões de dólares afundados na infraestrutura complexa e cara do processamento de petróleo bruto. Se fosse imposto um limite às emissões de gases de efeito estufa, isso poderia reduzir a demanda por petróleo e diminuir o valor desses ativos e suas vendas futuras. As perdas totais provavelmente seriam medidas em trilhões de dólares em um período de 30 anos ou mais.” 

David e Charles amplificaram sua agenda conservadora por meio de uma rede de doadores e grupos como o Americans for Prosperity, com presença em 36 estados. O ecossistema também inclui centros acadêmicos, think tanks e o financiamento milionário de campanhas de políticos conservadores.

No início dos anos 90, os Republicanos chegaram a ter uma solução de mercado para enfrentar a mudança climática: o ‘cap and trade’ colocava um preço na poluição e permitia que as empresas comprassem e vendessem o direito de poluir.  Mas em 1991, o Cato Institute, um think tank financiado pela Koch, fez um seminário em Washington chamado “Crises Ambientais Globais: Ciência ou Política?”
 
“Isso era parte de um esforço de décadas para lançar dúvidas sobre a realidade da mudança climática,” escreve Leonard.
 
Em 1980, David chegou a se candidatar a vice-presidente pelo Partido Libertário dos EUA, mas seu negócio era influenciar nos bastidores, sempre em prol dos interesses da família.

Odiados por uns e reverenciados por outros, os Koch Brothers são na verdade uma família de quatro irmãos – todos criados com rédea curta pelo patriarca, Fred Chase Koch. 

Desde que eles tinham seis anos, Fred colocava os meninos pra ajudar nas tarefas domésticas – dizia que era para não se tornarem “country club bums” (riquinhos vagabundos).

O mais velho, Frederick, nunca foi vagabundo, mas também nunca teve tino para os negócios. Foi da area de humanas em Harvard, escreveu peças de teatro e virou colecionador de arte e filantropo. (Segundo a Vanity Fair, era frugal e viajava de aviação comercial.) 

O outro é Bill, irmão gêmeo de David.

Charles, David e Bill foram talhados para trabalhar na empresa do pai e fizeram engenharia química no MIT.

Mas a química do trio não funcionou. Alijado das decisões da empresa, Bill tentou se unir ao irmão intelectual para derrubar Charles. Não teve sucesso e foi escanteado. 

A disputa durou duas décadas e foi parar nos tribunais, com Bill acusando os dois irmãos de explorar petróleo em terras indígenas. Não houve trégua nem no funeral da mãe. (Após um acordo judicial que culminou com a saída de Bill e Frederick do negócio, Bill investiu em energia limpa, comprando fazendas de energia eólica offshore.)

A ideologia libertária e antiestatista foi (também) herança do pai – que desenvolveu seu sentimento anticomunista quando refinava petróleo na União Soviética de Stalin.

Os irmãos não apoiaram a campanha de Donald Trump em 2016. Trump não recebeu bem as críticas feitas a sua política comercial e tuitou que os irmãos “viraram piada em círculos republicanos.”

Um dos maiores filantropos dos EUA, David dizia se sentir como um “sugar daddy” de causas sociais, compelido por uma “obrigação moral”. Doou US$ 1,3 bilhão para as artes – o teatro do Lincoln Center em Nova York leva seu nome – e outro bilhão para pesquisas de combate ao câncer.

Embora mantivesse um discurso a favor de liberdades individuais, os Democratas apontam que durante anos os Koch financiaram políticos e grupos de interesse com uma agenda abertamente antigay.