As empresas de shopping centers estão negociando a descontos relevantes em relação aos fundos imobiliários do setor — apesar de terem um aluguel por metro quadrado maior e, portanto, ativos de melhor qualidade.
Para a Argucia Capital — uma gestora ativista do Rio com mandato de value investing — esse cenário é cíclico e pode mudar a qualquer momento, mas as companhias listadas deveriam aproveitá-lo para fazer arbitragens e gerar valor aos acionistas.
“Mesmo as empresas que já estão neste caminho certo podem alcançar muito mais,” disse a gestora numa carta aos cotistas. “O valor que o mercado atribui atualmente a diferentes estruturas apresenta uma grande oportunidade de geração de valor para os acionistas, que deve ser aproveitada enquanto ainda se apresenta, pois estas janelas podem não durar muito tempo.”
O caso mais gritante hoje é o da Multiplan, onde o controlador José Isaac Peres poderia usar o prêmio dos FIIs no mercado para levantar capital e comprar a participação de 18,5% de seu sócio, a Ontario Teachers, que está à venda.
A Argucia sugere que a Multiplan crie um FII com participações minoritárias de 25% em seus shoppings e distribua essas cotas no mercado a um cap rate de 8% — o mesmo que Allos e Iguatemi têm obtido em suas vendas.
Dona de propriedades icônicas como o Morumbi Shopping, o Barra Shopping e o BH Shopping, a Multiplan levantaria R$ 5,5 bi com este FII, dos quais R$ 2,5 bilhões poderiam ser distribuídos como dividendos ao controlador (o suficiente para comprar a Ontario a valor de mercado).
Esta arbitragem só é possível porque os FIIs estão negociando na Bolsa a um cap rate muito menor que o das empresas listadas.
Enquanto os principais FIIs de shoppings negociam a um cap rate médio de 8% — com XPML11 negociando a 6,98%, o HSML11 a 10,4%, e o VISC11, a 8,3% — todas as empresas listadas negociam a caps superiores a 11%.
A Allos é a mais descontada, negociando a quase 16%. Na sequência vem o Iguatemi, a 13,09%, seguido da Multiplan, que negocia a 11,35%.
“Se os ativos da Multiplan, Iguatemi e Allos fossem precificados pelo mercado (ou vendidos) ao cap rate médio dos principais FIIs listados, isso representaria um ganho de 84,6% frente à soma dos seus respectivos valores de mercado,” escreveu a gestora.
A Argucia também nota que nos últimos anos ocorreu uma abertura do spread entre o AFFO Yield [a métrica mais limpa do resultado operacional] das empresas listadas e a NTN-B de 10 anos, mostrando que os investidores estão exigindo um prêmio maior para investir nas ações do setor.
Algumas das razões por trás disso são: os novos riscos e incertezas quanto à perpetuidade e estabilidade no lucro dos shoppings, especialmente por conta do ecommerce; as dificuldades enfrentadas pelo setor nos EUA e Europa, que acabaram afastando o investidor estrangeiro; e as altas taxas de juros no Brasil e no mundo.
“Ainda que esses argumentos sejam válidos, entendemos que eles não explicam por completo esse movimento. Em primeiro lugar, porque, no nível dos shoppings, os bons ativos continuam performando muito bem e com aluguéis crescendo acima da inflação do período,” escreveu a gestora.
“Em segundo lugar, porque, quando observamos os valuations obtidos em transações privadas dos ativos de shopping, vemos que a expansão no cap rate exigido foi inferior ao aumento no AFFO yield observado no preço das ações das empresas de shopping.”
Para a gestora, esse desconto relevante tem a ver também com o fato do mercado estar atribuindo menos valor que no passado ao crescimento futuro das companhias, ou/e estar questionando mais a qualidade da alocação de capital dessas empresas.
“Entendemos que essa atual conjuntura se deve a um movimento cíclico do mercado, e que no futuro os investidores voltarão a pagar um prêmio pela expectativa de crescimento dessas empresas,” diz a carta.
“Além disso, acreditamos que a incerteza quanto ao futuro dos shoppings não se justifica no Brasil pela baixa oferta de área bruta locável per capita em comparação com a Europa e EUA, e por questões culturais e estruturais, como clima e segurança.”
A Argucia acredita que as empresas listadas deveriam aproveitar essa dinâmica de mercado para vender shoppings em transações privadas e usar esses recursos para aumentar a remuneração dos acionistas.
A carta dá dois exemplos de empresas que fizeram isso recente: a Syn, que no início do ano vendeu seis shoppings para o XPML11 por R$ 1,8 bilhão numa estrutura em que ela se manteve como a administradora, ganhando os fees por isso; e a Allos, que tem feito vários desinvestimentos desde o segundo semestre do ano passado, que também somaram R$ 1,8 bilhão.
“Em ambos os casos, as empresas foram capazes de vender ativos por múltiplos mais caros do que elas estão sendo negociadas em Bolsa,” diz a carta.
“As transações privadas de shoppings, a despeito do desconto frente ao valor patrimonial e histórico de negociações nesta indústria, estão abrindo uma oportunidade de destravamento de valor para essas companhias uma vez que a “soma das partes” está sendo sobreavaliada em relação ao seu valor de mercado em bolsa.”