O EDGE Group, um conglomerado estatal dos Emirados Árabes Unidos, vai anunciar amanhã a compra de 50% do capital da SIATT, uma empresa brasileira especializada em sistemas de alta tecnologia que desenvolve armamentos inteligentes, radares e sistemas aviônicos para clientes como a Marinha e o Exército brasileiros.
Antes de entrar na SIATT – cujo acrônimo significa Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico – o grupo árabe negociou uma parceria estratégica com a Marinha para desenvolver um míssil antinavio de longo alcance. O próximo passo será um acordo de cooperação técnica
O CEO do EDGE, Mansour AlMulla, está no Brasil esta semana para firmar os contratos.
A SIATT tem um contrato com a Marinha para desenvolver e fabricar um míssil antinavio com alcance máximo de 70 km. A francesa MDBA, cujo míssil antinavio tem alcance de 200 km, domina o mercado mundial.
Com a compra de metade do capital da SIATT, o EDGE quer desenvolver, em cooperação com o Brasil, mísseis com o mesmo alcance.
“Os franceses detêm o monopólio nesse segmento e, por causa disso, cobram preços altos”, o CFO do EDGE Group, Rodrigo Torres, disse ao Brazil Journal.
Engenheiro mecânico formado pela PUC-Rio e ex-CFO da Renault, Torres trabalhou durante 20 anos na GE. “O que estamos fazendo é um investimento estratégico soberano tanto para o Brasil quanto para os Emirados Árabes Unidos.”
O conglomerado estatal dos Emirados tem sede em Abu Dhabi e foi fundado em 2019 a partir da consolidação de 25 companhias, a maioria dedicada ao setor de defesa.
Quando comparada a seus concorrentes nos Estados Unidos e União Europeia, ainda é uma empresa modesta. Tem 12 mil funcionários e fatura US$ 5 bilhões por ano. Há três anos, exportava o equivalente a US$ 50 milhões. No ano passado, US$ 1,5 bilhão.
Os planos de expansão do EDGE atendem a interesses estratégicos dos Emirados Árabes, o 7º maior produtor de petróleo do mundo, com 3,6 milhões de barris por dia. O ADIA (Abu Dhabi Investment Authority), o fundo soberano dos Emirados, é o 4º maior do planeta, com US$ 853 bilhões em ativos.
Em 2014, quando o preço do barril estava em forte queda, os países do Oriente Médio começaram a diversificar suas fontes de renda, e a criação do EDGE Group é parte dessa estratégia.
Mesmo depois de se retirarem da guerra civil do Iêmen em 2019, os Emirados vêm aumentando os investimentos em Defesa. Como proporção do PIB, é o 7º país que mais gasta nesse setor, segundo o Factbook da CIA – o Brasil é o 97º e, mesmo em termos absolutos, despende menos que os Emirados. A previsão da nação árabe é chegar a US$ 28,6 bilhões por ano em 2027, de acordo com a Global Data. (No site do governo não há dados disponíveis.)
Ao dar prioridade à área de defesa, os Emirados se inspiram no modelo dos Estados Unidos, onde o investimento pesado nesse setor depois da Segunda Guerra criou demandas que catapultaram o desenvolvimento tecnológico do país.
“Nosso foco é tecnologia. Como diz o nosso chairman, Faisal Al Bannai, o grupo EDGE é uma empresa de tecnologia que ‘happens to be’ na área de defesa”, explica Torres. “Essa estratégia criará soberania para os Emirados e ajudará no processo de internacionalização de suas empresas e aumento das exportações.”
A brasileira SIATT foi fundada em 2015 no Parque Tecnológico de São José dos Campos. Mas sua história remonta a 1991, quando um grupo de engenheiros decidiu juntar esforços para lidar com a profunda crise vivida pelo setor aeroespacial.
Nascia, assim, a Mectron.
Em 2007, 0 BNDES se tornou sócio da companhia, o que lhe permitiu ampliar de forma significativa os investimentos. No ano seguinte, a Mectron passou a integrar o projeto de desenvolvimento do A-Darter, um míssil ar-ar, de guia infravermelho e curto alcance, desenvolvido conjuntamente pelo Brasil e a África do Sul.
O crescimento acelerado chamou a atenção da Odebrecht, que, em 2011, comprou o controle. O BNDES saiu da sociedade na mesma ocasião. A Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT) injetou recursos na Mectron, mas às custas de endividamento. Em junho de 2015, a Operação Lava-Jato atingiu a empreiteira e a ODT entrou em colapso.
No mesmo ano, os sócios fundadores deixaram a Mectron, fundaram a SIATT e recompraram alguns ativos, como os programas MSS 1.2 AC (míssil anticarro com guiagem a laser e de médio alcance – 3 km – desenvolvido para o Exército) e MANSUP, o projeto do míssil antinavio.
O EDGE negocia a aquisição de mais duas empresas brasileiras na área de tecnologia dedicada a armamentos. Além disso, há conversas para firmar parcerias com a Embraer, a Iveco Defence Vehicles (fabricante de blindados) e a Turbomachine (turbinas).
“Além de acesso a mercados em 85 países, o EDGE traz garantia e financiamento,” disse Torres.