Ao final do mandato do marido, Michelle Obama era a Obama mais popular, com 66% de aprovação. Barack tinha “apenas” 40%.
Daí ser perfeitamente compreensível que, logo depois de ser lançado no final de 2018, o livro de memórias da ex-primeira dama já era apontado como a autobiografia mais vendida de todos os tempos.
Só no Brasil, “Minha história” vendeu mais de 85 mil exemplares no ano passado, de acordo com o site especializado PublishNews.
No livro, Michelle Obama conta como sua jornada se tornou possível – e agora, um documentário homônimo na Netflix apresenta uma parte desse longo caminho. É uma mensagem poderosa num tempo de desilusão coletiva, em que garotas e garotos flertam com o cinismo, mas ainda querem acreditar em alguma coisa.
O que se vê no filme é não apenas o book tour que Michelle Obama fez ao lançar o livro, mas principalmente como sua trajetória pessoal de superação consegue cativar, envolver e motivar jovens e velhos, caucasianos e afrodescendentes, latinos e norte-americanos que vivem nos Estados Unidos.
Ali está a mulher que chegou ao topo do mundo, que se sentou à mesa com as principais lideranças do planeta e se esmerou em fazer tudo perfeitamente – porque tinha a consciência de que a primeira família negra a ocupar a Casa Branca não podia cometer qualquer deslize.
A certa altura do documentário, Michelle Obama revela em uma breve passagem o quão foi difícil viver tudo isso. Ainda na high school em Chicago, ela foi aconselhada por uma orientadora a não perseguir seu sonho de estudar em Princeton, uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos. Michelle não lhe deu ouvidos e se tornou uma advogada com chancela de uma Ivy League. (Spoiler: a orientadora não trabalha mais na escola.)
Hoje, ela consegue contar o episódio aos risos, mas só porque, no final, tudo deu certo. A lição que ficou: a educação é a verdadeira revolução que pode transformar vidas e mudar um país.
Quando Michelle conheceu o futuro presidente dos Estados Unidos, a relação entre os dois não era de igualdade. Aos 25 anos, ela era mentora dele, um simples estagiário. Mas aos poucos, percebeu que ele era diferente, com preocupações elevadas e foco total. Caiu a ficha: ela precisaria fazer mais para não ser arrastada pelo “tsunami Barack Obama” e manter sua independência.
Mesmo assim, houve momentos de incerteza, ressentimento e de dar um passo atrás, sobretudo quando as filhas nasceram. Na terapia, ela conseguiu encontrar a paz que lhe faltava.
É exatamente essa compreensão de quão valiosas foram essas escolhas, de como elas se pautaram pelo bem maior no longo prazo, que torna “Minha história” um documentário tão eficaz.
Ironicamente, Michelle lembra no documentário que, tão logo Obama foi eleito em 2008, houve quem acreditasse que os Estados Unidos haviam ingressado numa era pós-racial. (Ha!)
O assassinato em Mineápolis – e os incontáveis linchamentos que o precederam – mostram que isto era utopia. O “melting pot” americano continua uma obra em andamento.
Muitos casos análogos ao de George Floyd seguiram o mesmo roteiro: protestos (pacíficos e violentos), campanhas de engajamento (de celebridades e de pessoas comuns), hashtags e certo exibicionismo de virtude (da esquerda à direita).
E nada mudou.
Na campanha eleitoral de 2016, Michelle fez seu famoso discurso: “When they go low, we go high” (quando eles jogam baixo, nós mantemos o alto nível).
No momento explosivo em que vivem os EUA, com os protestos saindo do controle, talvez o exemplo de Michelle Obama seja a resposta para reconstruir a promessa que está no brasão dos Estados Unidos: e pluribus unum (‘de muitos, um’).
Fábio Silvestre Cardoso é autor de Capanema (editora Record, 2019) e produtor do Podcast Rio Bravo.