PARIS — Em uma manhã de julho, em uma sala dourada e espelhada do Musée d’Orsay, Jean Arnault mostrava o mais novo relógio da Louis Vuitton a um grupo de especialistas.
O fino relógio unissex, chamado Tambour, está disponível em acabamentos de aço inoxidável, ouro amarelo e ouro rosa, explica ele, o resultado de quase dois anos de trabalho.
No entanto, o Tambour mais valioso da sala não estava em exposição, e sim no pulso de Jean. Seu modelo era feito de um metal raro, o tântalo, que confere uma cor metálica – mas a dureza do metal faz com que a fabricação do relógio demore o dobro do tempo. Isto o torna “incrivelmente caro,” disse-me Arnault, recusando-se a revelar o preço.
“Só vamos fabricar um,” acrescenta Jean, de 24 anos. “É exclusivo.”
Faz tempo que Jean Arnault, o caçula do fundador da LVMH, é fascinado por relógios de materiais raros. O relojoeiro suíço Audemars Piguet começou a usar tântalo em alguns de seus relógios, inclusive o Royal Oak, ainda na década de 1980, antes mesmo de Jean nascer. “São relógios incríveis, [alguns] têm detalhes em ouro rosa, o que é maravilhoso”. Mas ele diz que não se sentiria confortável em vender ao público um relógio mais simples, de três ponteiros, como o Tambour, pelo preço exorbitante que ele pagou pela sua peça.
“Mesmo que custe tão caro fabricar, seria achar que o cliente não entende das coisas,” diz ele.
Com Arnault, que está aprendendo os fundamentos do império de luxo do pai, a Louis Vuitton aposta em um jovem de 24 anos para se tornar um player na relojoaria mecânica de alta qualidade.
Há dois anos, quando ele entrou na divisão de relógios da Louis Vuitton como diretor de marketing e desenvolvimento, os relógios da marca tinham uma grande variedade, desde os que custavam centenas de milhares de dólares a relógios de quartzo vendidos por cerca de US$ 4.000. Estes eram “algo que quase poderia ser feito por uma máquina,” diz Arnault na sede da Louis Vuitton, no 1er arrondissement de Paris, com vista para a Pont Neuf. Na prateleira há um relógio francês do século XVIII e uma ampulheta de edição limitada criada por Marc Newson com nanobolas de aço azul, feita em colaboração com De Bethune.
Agora, Jean decidiu acabar com os Tambours básicos – com a ideia de que, em vez de criar coleções mais acessíveis, a Louis Vuitton precisa estar em uma classe diferente. O preço da nova edição do relógio varia de US$ 18.500 a US$ 52.000, o que o posiciona como concorrente de criações semelhantes de empresas como a Audemars Piguet e Vacheron Constantin. Quase um terço da caixa do Tambour foi eliminado, tornando-o muito mais elegante. No interior há um movimento proprietário, fabricado em colaboração com Le Cercle des Horlogers, uma oficina especializada em movimento de relógios em La Chaux-de-Fonds, na Suíça.
O preço médio de um relógio Louis Vuitton vai quintuplicar para mais de US$ 20.000 – mas o desafio vai muito além de apenas ajustar o preço.
“Não vamos ganhar muito dinheiro com isto,” diz Arnault sobre a reviravolta estratégica. “Não será altamente lucrativo nem de longe, mas trata-se de mudar completamente a mensagem.”
Construir um pedigree na relojoaria – um nicho no qual a Louis Vuitton entrou há apenas duas décadas – é algo particularmente desafiador. Os fãs de relógios são profundamente conservadores, e modelos lançados há décadas, como o Rolex Daytona, o Omega Speedmaster ou o Royal Oak da Audemars Piguet, ainda são os mais vendidos no mundo. As origens da Vacheron Constantin remontam a 1755, a Patek Philippe foi fundada em 1839, e a Rolex existe desde 1905.
Craig Karger, um ex-advogado em Nova York, colecionador de relógios e autor do blog Wrist Enthusiast, disse que a Louis Vuitton terá vida difícil ao competir com marcas tradicionais que se concentram exclusivamente em relógios. “Pessoalmente, eu não investiria € 19 mil [cerca de US$ 20.300] em um relógio Louis Vuitton de aço, por mais bonito que seja,” diz Karger.
A Louis Vuitton é só uma das marcas tentando ser mais upmarket nos últimos anos, diz Jeff Fowler, CEO do site de comércio eletrônico de relógios Hodinkee. A tendência na relojoeira suíça é clara: há menos relógios à venda, e os que estão à venda custam mais – em parte em reação ao lançamento do Apple Watch em 2015, diz Fowler. O relógio deu tão certo e ficou tão onipresente, explica ele, que despertou o consumidor de relógios e fez a indústria relojoeira suíça se reagrupar em torno de produtos de alto valor.
Fundada como uma fabricante de malas de viagem por um carpinteiro francês em 1854, a Louis Vuitton avançou como muito sucesso para categorias como alta-costura, moda masculina, jóias e fragrâncias. Atualmente os relógios representam uma fração minúscula das vendas, o que significa que Arnault pode correr riscos.
“Ele vai ter que construir a demanda com o tempo,” diz Fowler. “Não é um negócio garantido.”
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O mundo do luxo observa de perto o quinto filho de Bernard Arnault. Hoje com 74 anos, o patriarca construiu a LVMH ao longo de quatro décadas, comprando empresas de luxo rivais e cultivando gerações de designers. Nos últimos anos a LVMH surfou o aumento da demanda global por bens de luxo, consolidando sua posição como uma das empresas listadas mais valiosas da Europa. Isso também ajudou Bernard, que é CEO e acionista controlador, a competir com Elon Musk pelo título de pessoa mais rica do mundo.
Criado no oeste de Paris, Jean frequentou uma prestigiosa escola jesuíta onde uma de suas professoras foi Brigitte Macron, a atual esposa do presidente francês. Assim como seus irmãos, ele foi cuidadosamente apresentado ao negócio da família, acompanhando o pai nas rondas matinais de sábado pelas principais boutiques do grupo. Ele também o acompanhava nas viagens oficiais da LVMH, inclusive à China.
Na adolescência, Jean gostava de carros, aviões e motores – e costumava dizer à família que queria fazer carreira na Fórmula 1. Mas ao trabalhar no Centro de Tecnologia da McLaren enquanto estudava engenharia mecânica no Imperial College London, percebeu que não era o que queria.
“No final das contas, você trabalha por um objetivo, que é ganhar décimos de segundos para um carro percorrer a pista,” diz ele. “São muitas variáveis… Percebi que queria trabalhar no produto como um todo.”
Bernard Arnault sempre incentivou os filhos a seguirem seus interesses, começando por seus primeiros papéis na empresa. Delphine, a filha mais velha, se interessava pelo desenvolvimento de produtos e passou um tempo na marca John Galliano antes de entrar na Dior. Antoine, que adora literatura, trabalhou no departamento de publicidade da Louis Vuitton. Alexandre trouxe artistas contemporâneos para a Rimowa quando era CEO. Para Jean, como para seu irmão Frédéric, a paixão eram os relógios.
Durante seu trajeto para a McLaren em Woking, uma cidade pacata a uma hora de Londres, Jean aproveitava o tempo para pesquisar blogs sobre relógios mecânicos. Na época, seu trabalho de fim de curso foi sobre um componente dos relógios Tag Heuer. A marca suíça também faz parte do império LVMH e é dirigida por Frédéric, quatro anos mais velho que Jean. Os dois conversavam muito sobre a indústria relojoeira e os planos de negócios de Frédéric – que deixou até que Jean trabalhasse em alguns mecanismos.
No início de 2020, Jean passou uma semana na fábrica de relógios da Louis Vuitton perto de Genebra, enquanto decidia em qual das marcas do grupo trabalharia. Michel Navas, um dos mestres relojoeiros da marca, lembra que Arnault passava tempo desmontando e montando relógios. A certa altura, Navas deu ao jovem um parafuso para limpar e polir, o que Arnault fez com um abrasivo fino. Um colega disse a Navas que ele estava indo longe demais ao dar a Arnault tarefas inferiores. “Pera lá, ele está se divertindo,” respondeu Navas. “Ele parece adorar a fabricação artesanal.”
Quando entrou na LVMH, após passagens breves pela Morgan Stanley e a McLaren, Arnault já havia montado uma coleção particular de relógios invejável. Atualmente, ela inclui um Patek Philippe vintage da década de 1920, um protótipo raro de François-Paul Journe e até um grande e volumoso sistema de cronometragem modular usado em uma usina nuclear alemã.
Na Louis Vuitton, a primeira movimentação pública de Arnault foi criar um novo prêmio de relojoaria, que a empresa planeja conceder a cada dois anos a partir de janeiro de 2024. Arnault montou um comitê de especialistas e aficionados em relógios para escolher os vencedores, incluindo Rexhep Rexhepi, um jovem relojoeiro de Kosovo que fundou sua própria marca, Akrivia, em 2012.
Quando Arnault foi visitá-lo em 2021, os dois passaram horas conversando sobre relógios na pequena sala de reuniões do ateliê, que dá para o jardim. Rexhepi ficou impressionado e concordou em colaborar com a Louis Vuitton, criando um cronógrafo de dupla face que será lançado este mês. Edição limitada de 10 peças, o modelo expõe o funcionamento interno do relógio de um lado, com mostrador em esmalte branco do outro.
Se Rexhepi concordou em trabalhar com ele, foi em parte graças à impressão que teve no primeiro encontro, quando percebeu que Jean usava um relógio Journe. “Ah…” pensou Rexhepi, “ele tem bom gosto.”
Além do prêmio, Arnault estava trabalhando para trazer a alta relojoaria às lojas da Louis Vuitton. Desde 2011, a marca é proprietária do La Fabrique du Temps, um ateliê cofundado por Navas e Enrico Barbasini em Meyrin, nos arredores de Genebra, e que se tornou sinônimo de movimentos de relógios inovadores e complexos – mas que estavam sendo usados só em algumas peças da Louis Vuitton.
No segundo dia de trabalho, Arnault sentou-se para tomar um café com Navas e Barbasini. “Precisamos parar de usar quartzo,” Arnault disse, referindo-se aos relógios voltados para a moda que a Louis Vuitton vendia.
Jean já havia se convencido de que Navas e Barbasini estavam no caminho certo. Ele apresentou a ideia de reposicionar os relógios da Louis Vuitton a seu pai e a Michael Burke, o então CEO da marca. Jean queria atualizar o Tambour, um dos pilares da marca desde 2002, mas sentia que havia problemas além dos mecanismos de quartzo: o relógio era muito grande, e suas grandes saliências pareciam fora de moda. Navas e Barbasini foram cautelosos. Queriam que o novo modelo ficasse pronto antes de apoiarem qualquer mudança estratégica.
Em janeiro de 2022, Jean tinha três protótipos do novo Tambour para mostrar a Burke e, mais importante, a seu pai. Bernard Arnault é hands on, detalhista e conhecido por exigir que os designers voltem à prancheta se um projeto não satisfaz seus padrões rigorosos.
Arnault já disse vários “nãos,” diz Jean. “Isso aconteceu comigo com produtos que deveriam ser lançados no futuro, mas não estão sendo lançados agora…. Seja Michael [Burke], Pietro [Beccari, CEO da Louis Vuitton] e, obviamente, o meu pai, eles têm uma visão que nós não temos. Mais tarde, quando as emoções passam e a ideia já foi vetada, você acaba concordando: ‘OK, eles estavam certos.’”
Desta vez, a reunião durou apenas cinco minutos. “Entrou, saiu, boom – feito!” lembra o jovem Jean. A aprovação de Bernard Arnault deu início ao reposicionamento da marca, e a Louis Vuitton está aposentando modelos existentes além de reduzir “tremendamente” o número de suas lojas que vendem relógios, disse Jean Arnault.
Como cada Tambour agora será inteiramente feito a mão, Arnault diz que a produção será “mais em centenas do que em milhares”, embora tenha se recusado a dar um número exato. Ele também diz que a Louis Vuitton não vai ficar mexendo no produto. “Estamos pedindo aos clientes um valor significativo pelo relógio,” diz ele. “Não quero comprometer o investimento deles ao lançar um mostrador verde, um roxo, ou um relógio com um metal diferente. O desejo que resultará destas cinco referências será o mesmo por um longo período de tempo.”
Em uma festa para comemorar o lançamento do Tambour no Musée d’Orsay, Arnault esteve rodeado de estrelas como Alicia Vikander, Michael Fassbender e Bradley Cooper, que aparece na nova campanha publicitária do Tambour. Os sinais do alcance mais amplo da marca Louis Vuitton estavam por toda parte. Do lado de fora do museu, um outdoor gigante na lateral do museu mostrava a barriga de Rihanna em uma campanha publicitária da Louis Vuitton. “Este é o auge do que podemos alcançar e o início de uma jornada incrível,” Arnault disse aos presentes. “Espero que vocês se lembrem deste momento como algo histórico para nós.”
Hoje em dia, Arnault divide seu tempo entre a fábrica de alta relojoaria da Louis Vuitton, perto de Genebra, e a sede da marca em Paris, onde passa os fins de semana. Nas horas vagas, dedica-se ao que ele mesmo chama de sua “infeliz” paixão por carros. “Estou tentando entender mais,” diz ele. No Instagram, ele às vezes compartilha fotos com a namorada, Zita d’Hauteville, filha de Eric d’Hauteville, o conde francês que é dono de uma marca de relógios, e a consultora de artes Isabelle de Séjournet. Na foto, os dois estão viajando juntos no Japão ou comendo numa pizzaria em Nápoles. Em uma postagem recente, Zita está tirando uma foto de si mesma no espelho enquanto Arnault está ao fundo, brincando com o cachorro, Ovni.
Bernard Arnault nunca está longe, e sempre pergunta a seus executivos como está o caçula. Também almoça com os cinco filhos na sede da LVMH todos os meses para conversar sobre negócios e ver como tudo está.
Jean incentivou o pai a visitar o centro de alta relojoaria da Louis Vuitton, perto de Genebra. Quando Bernard foi lá, alguns meses depois de Jean ter começado, ficou impressionado com as instalações e perguntou a Navas se podia tirar fotos com o celular.
“Monsieur Arnault, esta é a sua casa!” disse Navas.
Após o passeio, Bernard Arnault sentou-se com Jean, Navas e Barbasini para tomar café, e perguntou aos dois funcionários sobre sua trajetória profissional. Ambos listaram uma série de nomes prestigiosos, inclusive a relojoaria suíça Gérald Genta.
Arnault pai voltou-se para o filho: “Genta – somos os donos disso, certo?”
Jean confirmou. A LVMH adquirira a marca como parte da compra da Bulgari em 2011. Gérald havia lançado algumas edições ao longo dos anos, mas nada de importante estava acontecendo com a marca.
Bernard voltou-se novamente para Navas e Barbasini, e perguntou se eles gostariam de trazer a marca de volta. Os dois se entreolharam brevemente antes de responderem “claro que sim!”.
Jean Arnault convidou a viúva de Genta, Evelyne, para visitar o centro relojoeiro da Louis Vuitton, e ela rapidamente concordou com o relançamento. Centenas de designs do falecido marido nunca foram produzidos – e agora servirão de inspiração para as novas criações da marca, a primeira das quais estará disponível no ano que vem.
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