Um dos momentos mais dolorosos de Uma Vida de Blues, a autobiografia de BB King, se dá quando o cantor e guitarrista conta uma história dos tempos em que serviu ao exército americano.
Embora tenha chegado no final do conflito, o guitarrista teve tempo de sobra para presenciar, mais uma vez, o racismo que grassava no sul dos Estados Unidos.
“Os soldados preferiam falar com os prisioneiros alemães, que haviam matado muitos de seus compatriotas, a dirigir a palavra a um preto”, lamenta.
Pois BB King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar, exposição do Museu da Imagem do Som (MIS) dedicada à lenda do blues, reproduz o clima angustiante daquele período logo em seus estágios iniciais.
Uma porta avisa que a entrada é proibida para “cachorros, negros e mexicanos” – e não leva a lugar algum. A outra, de acesso livre, transporta o público para os Estados Unidos dos anos 1920, com plantações de algodão, ônibus segregado e um calor excruciante. O incômodo causado é a porta de entrada (sem trocadilho) para o universo dessa lenda da música.
Riley B. King nasceu em 16 de setembro de 1925 em Itta Bena, uma cidade nos arredores de Indianola, no estado americano do Mississippi. Durante a adolescência, mudou-se para Indianola, também no Mississippi, onde trabalhou como catador de algodão. Nas horas vagas, cantava no coral gospel da igreja local.
Foi ainda nessa época que King comprou sua primeira guitarra, dando início a um estilo de vida nômade que durou até o final dos anos 1940, quando passou a visitar regularmente a cidade de Memphis.
Inicialmente, acompanhava pioneiros do blues. Depois trabalhou como disc jockey. King era chamado de “Blues Boy” por causa do repertório calcado nesse gênero musical, e Blues Boy, claro, virou BB King.
A guitarra elétrica entrou na sua vida durante esse período, depois de assistir ao músico T-Bone Walker.
Numa de suas apresentações pelos inferninhos sul afora, BB King presenciou a briga entre dois sujeitos pelo amor de uma menina chamada Lucille. Foi tão feio que o local pegou fogo, e o jovem BB encarou as chamas para resgatar sua guitarra. Deu a ela o nome de Lucille.
Foi sua companheira mais fiel – e ele teve várias.
Na exposição estão duas peças de sua coleção: uma delas, autografada pelo próprio guitarrista, pertence ao acervo do Bourbon Street, a lendária casa de shows de São Paulo.
A exemplo de Louis Armstrong, BB King preferiu responder à intolerância com a música.
Mestre na arte do staccato e dos bends (aquela “entortada” nas cordas da guitarra), ele amplificou a linguagem do blues para outros terrenos.
“Para nós, o blues de King significava liberdade”, disse certa vez Steve Hackett, ex-guitarrista do grupo de rock progressivo Genesis. Ele não estava sozinho: Eric Clapton, Stevie Ray Vaughan e grupos como Rolling Stones eram fãs confessos da música de BB King.
Curioso é que nos anos 60 o blues foi repudiado pela juventude afro dos Estados Unidos porque seria a “trilha sonora da escravidão”. King foi então resgatado pelos roqueiros brancos, fãs de sua música. Ele se manteve ativo até sua morte em 14 de maio de 2015, ao 89 anos, em decorrência de complicações de diabetes.
A exposição do Museu da Imagem do Som é bem-sucedida no esforço de traduzir o gigantismo dessa figura da música. Muito do material veio de Indianola, onde fica o museu dedicado ao guitarrista. São pôsteres, fotos e objetos pessoais.
A parte de vídeo traz uma apresentação dele nos anos 1970 e alguns depoimentos de Edgard Radesca, o dono do Bourbon Street que se tornou seu amigo pessoal. Além disso, o local é recheado de depoimentos de figuras como Barack Obama e do rapper baiano Baco Exu do Blues exaltando a negritude.
Ah, sim… Riley King foi dispensado do exército porque, como dirigia trator, era “importante para a economia”. A história mostrou que ele era ainda mais importante para a música, e para o orgulho de seu país.