“No ano passado, cometemos muitos erros,” disse Rogério Xavier, sem meias palavras, na Latin America Investment Conference do UBS, que está acontecendo hoje em São Paulo.

Num ano terrível para os fundos multimercados, os fundos da SPX Capital ficaram pela primeira vez no vermelho. O Nimitz encerrou o ano com rentabilidade negativa de 1,49% e o Raptor, mais alavancado, tombou 12,92%.

O gestor elencou os três grandes erros que levaram a isso.

O principal foi a leitura da gestora sobre o crescimento da economia global, particularmente dos EUA. A SPX havia se posicionado para uma desaceleração mundial, com os EUA entrando em recessão já no segundo trimestre de 2023.

Rogério Xavier“Mas o que vimos foi uma performance exuberante da economia americana, e isso obviamente teve impacto nos ativos,” disse o sócio e principal estrategista da SPX.

O segundo erro foi com relação à dinâmica inflacionária.

“Erramos na atividade econômica, mas erramos também na inflação,” disse Xavier. “Vimos uma desinflação muito forte. A inflação já caminha para o target do Fed.”

Com décadas de experiência no mercado e dono de um histórico de performance admirável, Xavier não escondeu sua surpresa com o que está vendo se passar na economia dos EUA: crescimento forte, desemprego baixo e inflação perdendo força.

“O cenário que era praticamente um cenário de cauda virou o cenário-base,” disse. “É extraordinário, um pouso suave quase à perfeição.”

Segundo o gestor, o que aconteceu desafiou todos os modelos, porque, historicamente, a desinflação para a meta exigiria níveis mais elevados de desemprego. 

Para Xavier, a discussão central hoje entre os gestores globais é a dinâmica do mercado de trabalho – e se as negociações salariais voltarão a pressionar os preços. 

Para o gestor, mudanças estruturais na economia podem ter reduzido o custo da mão de obra. Ele dá como exemplo o trabalho remoto e híbrido.

“O custo marginal para uma empresa contratar caiu muito,” afirmou. “O custo do aluguel, do café, do computador é pago pelo trabalhador.”

Além disso, a maior flexibilidade nos modelos de trabalho facilitou a atração de pessoas que estavam fora do mercado. Essa nova dinâmica talvez esteja impactando a economia brasileira, comentou.

O Brasil, a propósito, foi seu terceiro grande erro no ano passado. Xavier foi um ferrenho defensor da elevação da meta de inflação e imaginava ser praticamente impossível o Banco Central cumprir o alvo.

“Eu estava errado,” Xavier reconheceu. “O que foi feito foi um sucesso. Estava errado, mas o BC estava corretíssimo. Jamais imaginei que cumpriria a meta em 2023.”

Com relação até onde vai o atual ciclo de baixa da Selic, Xavier ponderou que parte do movimento depende dos juros lá fora, especialmente dos EUA.

Com juro real neutro em 4,5%, a Selic poderia rumar para 8%. 

O que então falta para o BC acelerar os cortes?

Em primeiro lugar, as expectativas do mercado brasileiro ainda precisam convergir para o centro da meta – algo que o gestor espera ver a partir de março.

Em segundo lugar, precisa haver corte de juros nos EUA e na Europa – o que o gestor também espera para março.

“Com isso, talvez o BC possa acelerar.”

Mas nesse cenário que se vislumbra altamente positivo e favorável, há um enorme risco: a China.

“Vemos mais e mais problemas econômicos na China,” disse o gestor. Para ele, é possível fazer uma analogia com a quebra de grandes bancos. Não acontece do dia para a noite, mas aos poucos.

“É o nosso maior risco real. Se errar China, erra tudo, disse Xavier. “Pode ser um fator de desestabilização muito forte.”

Um efeito possível poderá ser a desvalorização das moedas dos países emergentes mais ligados à economia chinesa, por causa de seu efeito nos termos de troca.

Assim, avaliou Xavier, apesar de o cenário de queda de juros nos EUA favorecer o fortalecimento do real, a China poderá ser um fator ainda maior jogando do outro lado.

Indagado sobre a política fiscal brasileira e seus possíveis efeitos nos ativos, Xavier disse que o arcabouço aprovado é ruim porque privilegia o ajuste pelo lado da receita e não deve equilibrar as contas do governo.

Segundo Xavier, o mercado está convencido de que o déficit primário não será zerado e, portanto, a dívida continuará em alta. “Importante será observar a velocidade da piora. Se não for rápida, o mercado dá o benefício da dúvida.”

Comentando a perspectiva para o real, Xavier vê uma possibilidade de desvalorização por causa de um eventual contágio nos preços das commodities em decorrência de uma crise na China.

Xavier concluiu sua apresentação dizendo que “a vida não está fácil” para os gestores, mas agora ele tem alguma convicção de que a economia americana está indo “no sentido correto” e voltando à normalidade.

“Se começarem a cortar, estaremos diante de oportunidades muito boas,” disse.

Mas a China povoa os seus maiores pesadelos – e o gestor já programou para abril uma viagem ao país.

Segundo ele, a queda chinesa lhe traz reminiscências da crise asiática – e, com a opacidade de Beijing, é ainda mais difícil avaliar os possíveis impactos.

“Consigo imaginar eu acordar um dia com Hong Kong caindo 10%,” disse Xavier. “Foquem todos os seus olhares para a economia chinesa.”