A paciência com as fintechs europeias pode estar se esgotando?

A ação da Worldline, a fintech francesa líder em processamento de pagamentos e serviços financeiros, desabou quase 40% ontem após o EIC – um consórcio de jornalismo investigativo que tem publicações como Der Spiegel e El País entre os membros – apontar uma série de fraudes acobertadas pela companhia.

Segundo a publicação, a Worldline teria deixado de banir uma série de clientes fraudulentos mesmo após diversos comunicados internos apontando os problemas.

O motivo: eles eram lucrativos para a fintech, que está em meio a um processo de turnaround.

Segundo as reportagens, a Wordline, que processa cerca de € 500 bilhões em pagamentos por ano, teria mantido relações com sites de pornografia, de jogos de azar e aplicativos de relacionamento que faziam cobranças indevidas dos usuários – ou simplesmente não entregavam os serviços prometidos.

O problema é que a Worldline teria ciência desses fatos:  os jornalistas conseguiram memorandos internos mostrando que a empresa fez a transferência desses clientes deliberadamente para diversas subsidiárias, a fim de ocultar os indícios reais de fraude e dificultar a detecção dos problemas por auditorias internas e reguladores.

Com isso, a Wordline continuou a relação com esses clientes lucrativos, priorizando a receita em detrimento da proteção ao consumidor final.

Após a bomba explodir, a fintech francesa acusou o EIC de realizar uma “campanha midiática orquestrada”. No fechamento do mercado, a Worldline realizou uma teleconferência com analistas e o CEO Pierre-Antoine Vacheron e disse que a empresa já vinha fazendo uma limpa em seu portfólio de clientes de alto risco.

Segundo Vacheron, essa varredura impactou a receita de 2024 em cerca de € 130 milhões. Ele também disse que os clientes de alto risco representam cerca de 1,5% do volume total processado pela companhia.

No primeiro tri deste ano, a Wordline teve uma queda na receita de 2,3%, chegando a € 1 bilhão. A empresa prometeu aos investidores que cortará € 50 milhões em custos este ano. 

Hoje, as ações da Wordline operam em alta de 18%, mas ainda estão 23% abaixo do valor registrado antes da publicação das reportagens. A empresa vale € 900 milhões na bolsa de Paris – 96% abaixo do high de € 24 bilhões registrado em 2021. 

O ocaso da Wordline já vem de um tempo. Em outubro de 2023, a empresa reduziu sua projeção de receita, citando a fragilidade da economia alemã e o aumento dos riscos de fraude. Depois do anúncio, as ações caíram 50% em um único pregão.

Naquele ano, o BaFin, o órgão regulador alemão, já havia imposto algumas restrições à fintech pela falta de medidas para impedir fraudes com cartão de crédito. 

Casos como esse lançam luz sobre um setor que está em xeque na Europa desde o caso da Wirecard, que trouxe à tona a maior fraude financeira da história alemã – e virou tema de um documentário da Netflix

Resumidamente, a empresa alemã inflava artificialmente sua receita por meio de contratos e faturas falsas de empresas fictícias, cedidas principalmente na Ásia. 

Uma coincidência curiosa: as primeiras denúncias contra a Wirecard vieram da imprensa. A reação do então CEO Markus Braun foi afirmar que as acusações não passavam de ilações.

Mas não era mentira. Braun foi preso logo depois.