LISBOA – A debacle do mercado de venture capital é um buraco mais fundo do que muita gente imagina.

Nizar Tarhuni, o diretor sênior de pesquisa institucional do Pitchbook, disse aqui no Web Summit que a liquidez para as saídas “secou.”

No ano passado, o mercado de VC mundial registrou em torno de mil transações por trimestre, colocando no bolso dos investidores cerca de US$ 400 bilhões a cada tri. 

Este ano, o número de transações caiu pela metade, e a liquidez das saídas derreteu 70%.

No terceiro trimestre, por exemplo, foram 598 transações, movimentando apenas US$ 100 bilhões. No pico do mercado (o segundo tri de 2021), o número de transações bateu 1.200, com um valor somado de US$ 426 bilhões.

“A liquidez deste ano inteiro é menor do que a de alguns trimestres do ano passado,” disse o executivo do Pitchbook, um dos maiores bancos de dados da indústria.

A queda mais brusca foi nas saídas por meio de IPOs, que nos últimos anos foi o principal caminho de desinvestimento dos fundos. Segundo o Pitchbook, as saídas por IPOs movimentaram US$ 362 bilhões no pico; no terceiro tri, a fonte secou – US$ 86 bi. 

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O cenário adverso também atingiu as empresas listadas de SaaS (software as a service), um dos nichos mais quentes dos últimos anos.

Segundo o Pitchbook, o múltiplo price/sales médio das empresas de SaaS listadas em Bolsa atingiu o pico impressionante de 53x no segundo tri do ano passado. Agora, esse múltiplo é de míseros 3,3x.

Nizar disse que isso tem a ver com o aumento no ritmo de queima de caixa dessas empresas, que vem crescendo de forma consistente nos últimos trimestres. “O que o mercado está dizendo é que se a empresa não tiver cash flow positivo, não há mais interesse,” disse ele.

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Em meio a uma queda de 52% nos investimentos de venture capital desde o quarto tri do ano passado, quem está ditando as regras são os investidores. 

“Nos últimos trimestres, o mercado está ficando cada vez mais favorável ao investidor e menos favorável aos fundadores. São os investidores que estão ditando os termos dos contratos,” disse Nizar.

Segundo ele, o dry powder dos fundos ainda é brutal, em grande parte porque eles captaram uma montanha de dinheiro no ano passado e em 2020. 

“Tem US$ 562 bilhões no mercado que foram captados e ainda não foram investidos, [o maior valor desde 2006],” disse Nizar. “Metade disso é de fundos novos, que foram levantados em 2020 e 2021.”

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Em outro painel, Josh Wolfe, da Lux Capital, concordou que o dry powder é grande, mas disse que boa parte dos recursos vai ser investido nas empresas que já estão no portfólio dos fundos, e não em novas startups.

“As gestoras não querem fazer writeoffs e precisam financiar as empresas que têm no portfólio para que consigam sobreviver,” disse ele.

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No mesmo painel, Maelle Gavet, a CEO da Techstars (uma gestora de pre-seed), disse que os fundadores deveriam “abraçar” os down rounds as rodadas feitas a valutions menores que nas captações anteriores.

“Um down round significa que ainda tem gestores querendo investir em você. Isso não quer dizer que você tem que aceitar qualquer termo que as gestoras trouxerem, porque tem muita oferta predatória,” disse ela. “Mas, se você está numa posição em que te oferecem uma proposta que faz sentido para você a um valuation em linha com o novo momento do mercado, pegue-a.”

Segundo ela, muitas startups do portfólio da Techstars fizeram down rounds e “saíram do outro lado em condições muito melhores.”

O repórter viajou a convite da Brivia, um grupo de comunicação especializado na transformação digital de grandes marcas.