Há anos numa guerra sangrenta com a Amazon, o Wal-Mart divulgou semana passada seu melhor resultado em quase uma década, colocando em perspectiva a tese de que a ascensão da ‘loja de tudo’ é uma sentença de morte para o varejo tradicional e sublinhando a importância da integração entre o mundo físico e o online.
As vendas das lojas abertas há mais de 12 meses subiram 2,7% no terceiro trimestre, no melhor desempenho desde 2009. O tráfego nas lojas cresceu, e as vendas do ecommerce subiram 50% frente ao mesmo período de 2016.
Os investidores do Wal-Mart parecem acreditar que existe, afinal, um futuro após Jeff Bezos: as ações da companhia subiram 8,5% desde o anúncio dos resultados na quinta-feira, o que ajudou os papéis de outras varejistas.
“A Amazon já mostrou que o mundo físico é importante com a compra da Whole Foods”, diz o gestor de um dos principais fundos de ações globais brasileiro. “Agora, o Wal-Mart sinalizou que é possível fazer o caminho inverso e alavancar a presença física e a capacidade logística para construir uma operação online relevante”.
O Wal-Mart vem calibrando a operação nos últimos anos: continua focando em preço, mas, em vez de construir novas lojas, passou a melhorar as já existentes e aumentou o salário e a qualificação dos vendedores e atendentes para melhorar a experiência de consumo.
Ao mesmo tempo, deu uma guinada em direção ao ecommerce com a compra da Jet.com no fim de 2016. O CEO da Jet, Marc Lore, assumiu a operação de commerce do Walmart, arejando o mindset da varejista. Desde então, a companhia de Bentonville vem arrematando varejistas online de nicho como a Bonobos e a ModCloth.
E para fazer frente ao complexo Whole Foods/Amazon, o Wal-Mart está acelerando a estratégia e já tem sua própria operação de entrega de alimentos – o que inclui itens perecíveis – em 1.100 de suas 4.700 lojas.
Para isso, comprou a startup de entregas Parcel, que garante a entrega em um dia útil, e os consumidores ainda têm a opção de comprar online e retirar a encomenda em estandes e lockers pensados para este fim nas lojas próprias.
“Os caras tem uma rede de quase de 5 mil lojas e praticamente inventaram o varejo de alimentos nos Estados Unidos como ele é hoje. É uma vantagem competitiva extremamente relevante”, diz o gestor.
A meta é que o ecommerce represente US$ 17,5 bilhões das vendas globais do Wal-Mart este ano – ainda uma fatia pequena dos quase US$ 500 bi que a companhia fatura.
Em meio ao resultado celebrado, a principal preocupação levantada por analistas foi uma redução da margem de lucro, resultado direto dos investimentos na remodelação do negócio – o que deixa claro que a competição com a Amazon não é, nem de longe, uma batalha equilibrada.
Enquanto Jeff Bezos tem capital a custo zero e passe livre para queimar caixa se entregar crescimento, o Wal-Mart precisa de uma disciplina de capital espartana para fazer frente à competição sem perder rentabilidade.
Para isso, a companhia implementou um orçamento base-zero com cortes de custos que parecem um xerox do manual da 3G Capital: entre as medidas, diminuiu o tamanho das notas fiscais e das sacolinhas de compras para economizar papel.
Longe de significar que a Amazon não é uma ameaça, o resultado do Wal-Mart deixou claro que, no mundo em disrupção do varejo, capacidade financeira e de execução são palavras de ordem.
A Best Buy, uma sobrevivente na carnificina no varejo de eletrônicos, viu as vendas crescer 4,9% no terceiro trimestre. O segredo: investiu na especialização dos vendedores, capazes de dar uma aula sobre qualquer traquitana eletrônica.
A Target, por outro lado, sofre para se reinventar. As vendas crescerem apenas 0,9% no período, com uma forte redução do lucro por conta da estratégia promocional agressiva e dos investimentos em revitalização das lojas. No ano, as ações caem 25%.
A moral da história, segundo um gestor, “é que o consumidor não está nem aí se é online ou físico, ele quer preço, serviço e conveniência. Nessa guerra, vamos ter mortos e feridos, mas quem conseguir entregar melhor essa combinação vai sobreviver.”