O funding da poupança secou, as condições do crédito imobiliário ficaram mais apertadas e há muita gente reclamando que o dinheiro demora a cair na conta mesmo depois do crédito ter sido aprovado.
Ainda assim, o ritmo de financiamentos para a compra de imóveis residenciais vem desafiando os prognósticos pessimistas e deve ter o terceiro melhor ano da história.
O recorde do setor foi em 2021, quando, com o incentivo dos juros baixos, as novas concessões somaram R$ 255 bilhões.
Este ano, o número deve ficar em R$ 238 bilhões, apenas ligeiramente abaixo do ano passado, segundo as projeções da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Historicamente, os recursos da caderneta de poupança – que abastecem o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE) – são a principal fonte para os financiamentos imobiliários. É um dinheiro de custo tabelado e, com exceção das linhas populares subsidiadas, é o financiamento mais barato da praça.
Mas depois de um pico de depósitos em 2020, a poupança acumula uma captação líquida negativa desde 2021.
No ano passado, o saldo entre depósitos e retiradas ficou negativo em R$ 81 bilhões. Em 2023, o saldo acumulava queda de outros R$ 67 bilhões até agosto.
Com o saldo em retração, os bancos já emprestaram praticamente tudo o que podiam utilizando esse funding, e clientes da Caixa relatam demora para receber os financiamentos aprovados.
O mercado imobiliário, no entanto, segue aquecido porque o PIB surpreendeu e o desemprego continua relativamente baixo.
Para atender à demanda por financiamento, as instituições financeiras têm usado cada vez mais o crédito livre – embora o custo para o cliente seja mais alto. (Hoje, a taxa média para novos contratos está ao redor de 11%, bem acima das taxas de 7% vistas nos anos de Selic benigna.)
Pela primeira vez, o funding de mercado – originado por títulos e fundos imobiliários – está tendo uma participação maior do que os financiamentos feitos com recursos da poupança.
Em junho de 2021, a poupança respondia por 49% do total de funding dos financiamentos. Doze meses depois, o percentual recuou para 46%. Agora, 36%.
A participação dos recursos do FGTS, o funding para as casas mais populares, ficou estável em 26%.
O grande avanço na disponibilidade de recursos veio dos instrumentos financeiros do mercado de capitais – as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e as Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs).
Juntos com os fundos imobiliários, esses títulos já representam 38% do total do funding – acima dos 36% da poupança. Há dois anos, a participação deles era de 24%.
“Hoje vemos uma demanda muito maior por novas modalidades de funding. Antes o mercado era suportado pela poupança,” Sandro Gamba, o diretor de negócios imobiliários do Santander e vice-presidente da Abecip, disse ao Brazil Journal.
Foi isso que contribuiu para sustentar o aumento no total de crédito imobiliário nos últimos dois anos, de R$ 1,62 trilhão em junho de 2021 para R$ 2,06 trilhões em junho de 2023.
O total de novas concessões com dinheiro da poupança, entretanto, vem recuando. Caiu 10% no primeiro semestre, depois de uma queda de 13% em 2022.
As instituições financeiras podem usar até 65% dos saldos das cadernetas de poupança para conceder empréstimos imobiliários. As taxas ficam atualmente entre 9% e 10%.
Os bancos já bateram no limite do uso desse funding. Não é fácil encontrar financiamentos nessas condições – e, quando elas aparecem, os clientes podem ter que aguardar meses até ver a cor dinheiro, como tem acontecido com pessoas que tiveram operações aprovadas pela Caixa.
Segundo analistas do setor, o banco público não teria ajustado sua estrutura de funding para ficar menos dependentes da poupança. Além disso, com o início do governo Lula, a Caixa seguiu a orientação de ampliar os recursos para o Minha Casa Minha Vida.
Em nota enviada ao Brazil Journal, a Caixa disse que a Selic superior a dois dígitos influencia na captação da poupança, fazendo com que as instituições financeiras naturalmente recuem no volume de contratações, mas disse que este é um “comportamento não observado no banco, que tem buscado, continuamente, alternativas para manter suas linhas de crédito ativas”.
“O banco destaca que foram adotadas medidas de elevação de orçamento das linhas Pró-Cotista (para imóveis até R$ 1,5 milhão) e expansão do limite de valor de imóvel do Programa Minha Casa, Minha Vida, de R$ 264 mil para R$ 350 mil,” diz a Caixa. “Essas medidas, aprovadas pelo Conselho Curador do FGTS, permitem um atendimento complementar a clientes que originalmente seriam atendidos exclusivamente com recursos do SBPE.”
Como consegue oferecer juros mais baixos, a Caixa atrai tomadores de crédito imobiliário de maior renda, que em geral não são clientes ativos do banco. As taxas médias dos novos contratos estão abaixo de 10% no banco público, enquanto no Banco do Brasil e nos maiores bancos privados as taxas estão acima de 11%.
A Caixa tem 67% de participação nos financiamentos imobiliários, somando os contratos com recursos da poupança e do FGTS. No primeiro semestre, o volume de concessões cresceu 15,6% em relação ao ano passado, entrando nessa conta o crédito para casas populares.
Em seu relatório trimestral de inflação, publicado hoje, o BC diz que “o alto patamar dos juros dos financiamentos imobiliários reduziu a acessibilidade de aquisição dos imóveis, reduzindo a demanda e os lançamentos no mercado de médio e alto padrão” e que, em compensação, as construções para a baixa renda “devem ser beneficiadas com a elevação dos subsídios para a habitação popular.”
Com o cenário de queda dos juros, o setor espera uma descompressão nas condições do crédito a partir do final do ano.
De acordo com Gamba, do Santander, com a retração da poupança o crédito imobiliário agora terá uma correlação cada vez maior com a Selic. (Cada ponto percentual a mais na taxa do crédito imobiliário aumenta em média 10% a renda a ser comprovada pelo cliente.)
Para Filipe Pontual, diretor-executivo da Abecip, a dinâmica recente mostra que o mercado de capitais dispõe hoje de um arcabouço regulatório e instrumentos financeiros para sustentar o avanço do crédito imobiliário. A maior restrição acaba sendo o custo dos juros.
“Quando olhamos para o total do crédito em relação ao PIB, estamos estagnados em algo ao redor de 10%. Temos tudo para fazer o dobro disso, como é no Chile, com um percentual de 28% do PIB,” afirma Pontual.
“Mas enquanto a gente estiver nesse Brasil em que a inflação vai e vem, nessa incerteza, e com taxa de juro real alta por causa do que pode acontecer com as contas públicas, vamos acabar ficando nisso,” diz Pontual. “Para irmos além dos 10% do PIB, precisamos ter uma economia que funciona com dinheiro de mercado.”