Se você tem mais de 40 anos e não está vivendo o roteiro que descrevo a seguir, posso apostar que conhece alguém que está.

“Pessoa ambiciosa, talentosa e esforçada, trabalhou obstinadamente para conquistar suas metas – promoção, sociedade na empresa, aumento salarial, casa bacana, uma segunda casa bacana, viagens para destinos badalados, carros luxuosos. Agora, depois de anos colocando o trabalho à frente de tudo, a pessoa começa a se perguntar se a vida é isso mesmo, e se o acúmulo dessas conquistas é realmente o caminho para a felicidade e a realização.”

Sounds familiar?

Esse dilema é o ponto de partida de Strength to Strength – Finding success, happiness and deep purpose in the second half of life, que se tornou um best-seller do New York Times quando foi lançado ano passado (e ainda não foi traduzido no Brasil).

Ganhei a obra de um amigo e, quando vi a capa do livro com uma foto de floresta, pensei: “Se tiver que abraçar árvore, tô fora”.

O autor, o cientista político Arthur C. Brooks, professor do curso de Liderança e Felicidade na Harvard Business School, recorre à ciência, filosofia, monges tibetanos, personagens históricos e entrevistas de campo para explicar de forma crua e direta, como se estivesse conversando com o leitor, porque a maioria das pessoas chega a esses questionamentos e como é possível fazer o salto para um novo modelo mental que traga mais satisfação na segunda metade da vida.

A boa notícia é que não precisa abraçar árvores. A má é que o processo não é fácil e, em muitos momentos, soa até contraintuitivo.

Uma das pesquisas que embasam o livro de Brooks foi feita pelo psicólogo britânico Raymond Cattell, há mais de cinco décadas.

Cattell concluiu que os seres humanos possuem dois tipos de inteligência, que variam em abundância de acordo com os diferentes estágios da vida.

O primeiro é a inteligência fluida, caracterizada pela capacidade de pensar com flexibilidade, aprender rápido e resolver novos problemas. “Os jovens ‘matadores’ em quase todas as indústrias modernas se apoiam na inteligência fluida,” escreve Brooks.

O problema é que essa habilidade não é eterna. Os estudos indicam que esse tipo de inteligência diminui a partir dos 30 a 40 anos de idade. Não é coincidência, portanto, que empreendedores visionários, startupeiros em geral e profissionais que dependem de inovação sejam, normalmente, mais jovens.

O autor explica que quando alguém cruza a linha da meia idade, seu córtex pré-frontal provavelmente já começou a se deteriorar. “O declínio é inevitável. Ponto final,” sentencia. Portanto, tentar insistir nas fórmulas que garantiram sua ascensão nas primeiras décadas da carreira será no mínimo inócuo. Na pior das hipóteses, frustrante.

O segundo tipo de inteligência é a que ficou conhecida como cristalizada, a capacidade de usar o estoque de conhecimento acumulado ao longo da vida. Em uma palavra: sabedoria. “Quando você é jovem, você pode gerar montanhas de dados; quando você é velho, você sabe o que eles significam e como usá-los,” afirma Brooks.

Quem não entende que o jogo muda nessa fase da vida pode acabar sofrendo o que o autor chama de “a maldição do esforçado”: depois de ralar muito para alcançar a excelência, o indivíduo fica aterrorizado com o inevitável declínio, sente que seu sucesso é cada vez mais insatisfatório e seus relacionamentos, insuficientes.

Avaliar friamente a relação com o trabalho é o primeiro passo para virar essa chave. Você normalmente gasta seu tempo livre com atividades relacionadas ao trabalho? É comum que você pense no trabalho mesmo quando não está trabalhando? Você trabalha muitas horas mais que o necessário?

Se respondeu “sim” a alguma dessas perguntas, segundo Brooks você é um workaholic – o que acende a luz amarela. Se alcançou sucesso na carreira, você se torna ainda mais dependente desse comportamento e provavelmente define sua própria identidade pelo trabalho.

Brooks argumenta que o sucesso é um vício. Como tudo que é viciante – da cocaína às redes sociais –, o sucesso estimula a dopamina, um neurotransmissor que provoca sensação de prazer. Se você já se sentiu incrível por ler seu nome na imprensa, ouvir aplausos, ser escolhido para ocupar um cargo disputado ou receber um bônus generoso, você sabe do que estou falando.

A pegadinha da dopamina é que ela traz satisfação instantânea, mas não duradora.

Como, então, garantir satisfação duradoura? Strength to Strength não é um livro de autoajuda, mas dá algumas pistas. Uma das mais importantes é “querer menos”.

Buscar menos sucesso (aliás, redefinir o que é isso), menos dinheiro, fama e influência. Diminuir as “necessidades” materiais – no fundo supérfluas – que nos obrigam a trabalhar insanamente. “Satisfação vem não de perseguir mais e mais coisas, mas de prestar atenção nas menores,” diz ele.

O autor não prega uma vida franciscana, mas diz que não faz sentido pensar que a felicidade virá do acúmulo de bens materiais. Ele conta um diálogo que teve com um profissional renomado, que dizia se sentir realizado ao comprar obras de arte, carros e imóveis.

Durante a conversa, o sujeito citou uma frase atribuída ao empresário Malcolm Forbes para justificar sua atitude: “Aquele que morre com o maior número de brinquedos vence.” Ao ouvir aquilo, Brooks pensou apenas que “aquele que morre com o maior número de brinquedos morre.”

O autor sugere a construção de uma nova relação com o trabalho e com as ambições. “Dedique a segunda metade da sua vida a servir os outros com sua sabedoria. Envelheça compartilhando aquilo que você acredita ser importante,” diz, ele próprio protagonista de uma virada na carreira.

Na juventude, Brooks foi trompista, apresentando-se profissionalmente por mais de uma década. Até que começou a sentir dificuldade para tocar músicas que antes executava sem titubear (a inteligência fluida começava a se esvair).

Fez uma graduação num curso à distância e trilhou a carreira acadêmica até se tornar presidente do American Enterprise Institute, um think tank em Washington. Nos 10 anos em que esteve lá, amealhou prêmios, chegando a ser eleito pela Fortune um dos 50 maiores líderes do mundo.

Até que decidiu sair para se dedicar exclusivamente aos estudos sobre felicidade. Só no ano passado, compartilhou esse conhecimento em mais de 170 palestras. E depois do sucesso de Strength to Strength, ele se prepara para lançar em setembro um livro escrito com Oprah Winfrey.

A pergunta incômoda que paira na cabeça do leitor ao longo do relato é quanto tempo temos pela frente, e se estamos fazendo o melhor uso dele. Brooks, hoje com 58 anos, confessa que, se mantiver o histórico familiar, deve comemorar mais oito Thanksgivings (o Dia de Ação de Graças) antes de morrer.

É inevitável que façamos uma conta parecida. E pensar na própria finitude recalibra os nossos parâmetros. Não por acaso, Brooks relata que sobreviventes de câncer tendem a reportar níveis mais elevados de felicidade que pessoas do mesmo escopo demográfico que não tiveram a doença.

O salto para a segunda fase passa também por encarar a vida com mais humildade e mostrando sua vulnerabilidade. “Mostrar suas fraquezas sem estar nem aí para o que os outros pensam é uma espécie de superpoder,” diz.

Nesse processo de revisão da própria existência, muita gente percebe que seu interesse em temas religiosos e espirituais aumenta (o estudo de filosofia grega pode desempenhar papel semelhante). Brooks recomenda que, se você está se sentindo mais espiritualizado, vá em frente.

Para o autor, porém, nada é mais importante do que criar conexões humanas profundas e significativas. Ele não fala apenas de família ou relações amorosas, mas também de amizades verdadeiras, levando o leitor a se questionar se tem o que chama de real friends ou deal friends.

Você coleciona apenas amizades “utilitárias”, aquelas em que um ajuda o outro principalmente em questões profissionais? Ou será que conseguiu construir amizades genuínas, uma rede de apoio baseada em afeto, admiração e companheirismo? Para Brooks, as amizades verdadeiras são o melhor remédio contra o inevitável declínio profissional. “Se você for se lembrar de apenas uma lição deste livro, deve ser que o amor está no epicentro da nossa felicidade,” resume.

Cristiane Correa é jornalista e membro do Comitê ESG do Grupo Fleury.

 

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