Tentando manter-se viva num Rio de Janeiro que se tornou um cemitério de concessões públicas, a Light foi à Justiça para conseguir um respiro para renegociar uma dívida de R$ 11 bilhões.
A companhia está pedindo um standstill de até 180 dias que a dispense de realizar quaisquer pagamentos durante esse período – e já conseguiu uma decisão cautelar favorável.
Credores criticaram a estratégia da empresa como uma “recuperação judicial branca” que pode abrir espaço para outras empresas seguirem no mesmo caminho.
Numa conversa com o Brazil Journal, o CEO Octavio Pereira Lopes disse que a ideia é fortalecer a companhia e renegociar os termos da concessão, especialmente no aspecto relacionado ao roubo de energia.
Hoje, a Light não recebe pagamento por 57,5% da energia que distribui no mercado de baixa tensão – em grande parte porque seus clientes estão em áreas dominadas pelo crime organizado.
Somente cerca de 40% dessas perdas são cobertas via tarifa; quem arca com o restante é a concessão – gerando o grande risco à sustentabilidade financeira da empresa.
Debenturistas da Light também reclamam do programa de remuneração proposto pela administração, que deve ser votado na assembleia do dia 28. Um gestor definiu o plano como “fora da realidade”.
Pelo plano, o management pode ficar com até 5% da companhia (hoje R$ 40 milhões) se conseguir renovar a concessão que vence em 2026, diminuir as perdas em pelo menos R$ 300 milhões, dar um tratamento diferenciado às áreas dominadas pelo crime na renovação do contrato com a ANEEL, e readequar a estrutura de capital.
Para gestores, faltam mais detalhes para justificar um plano tão benéfico para o management. Octavio discorda.
O drama da Light está sendo monitorado de perto por fundos de special situations, que vêem uma oportunidade em reequilibrar a estrutura de capital da companhia.
Depois que sua ação implodiu, a Light vale R$ 775 milhões na Bolsa.
Abaixo, os principais trechos da conversa com o CEO.
Gestores têm apontado que o plano da Light é uma “recuperação judicial branca”. Como você responde a isso?
O nosso objetivo dado o diagnóstico é o de preservar a concessão e garantir com que a companhia realize um trabalho de qualidade com expansão, adimplência e as metas regulatórias, que ela tem feito historicamente. Hoje, fazer isso é incompatível com os serviços de dívida contratados originalmente. Algo tinha de ser feito se não a concessão ficaria em risco. Além disso, no fundo, estamos defendendo os credores. Temos uma dívida bastante grande e totalmente pulverizada, e simplesmente acelerar 100% das dívidas não ia resolver nada para ninguém. A companhia não dispõe de recursos para fazer isso.
A decisão ajudará nesse caminho?
Estamos ganhando um tempo para construir uma solução com os credores e nossos 10 milhões de clientes, que são os nossos principais stakeholders. Dado o perfil pulverizado da dívida, percebemos rapidamente que as negociações intensas com os credores – sem uma proteção – tornariam difícil um consenso. O que estamos fazendo é algo muito diferente de uma recuperação judicial.
Essa medida, que foi deferida de maneira cautelar, cumpre esse objetivo de conseguir o standstill para construir a melhor solução de longo prazo e garante a continuidade da normalidade da operação. A Light está totalmente adimplente com impostos, colaboradores e funcionários, e precisa continuar assim. Por isso essa situação é bem diferente: estamos mantendo uma normalidade de uma empresa que já está em normalidade.
O atual prazo será suficiente para a empresa resolver parte dos problemas?
O nosso pedido está claro: queremos um congelamento pelo período necessário para chegar a um acordo com os credores e que cumpra os objetivos de defender a concessão e manter a normalidade dos serviços até a renovação. Também precisamos viabilizar uma estrutura de capital que suporte a renovação. Isso vai demorar de 90 a 180 dias e o que foi julgado não foi o mérito, mas uma cautelar.
Muitos credores pediram a antecipação das dívidas e alguns deles estão definindo as medidas como agressivas, até mesmo “kamikazes”. Como a Light vê isso?
Nesse processo de estruturação sempre existe uma grande distinção entre o que é dito na imprensa e peças jurídicas e a realidade. A realidade é que nós nos encontramos com mais de 40 stakeholders, entre credores diretos e assets.
Claramente estamos em uma situação em que não conseguimos servir a dívida no curto prazo, mas temos um plano claro que permite que esses credores recebam o que têm para receber. O melhor que a companhia tem a fazer é ter um standstill e buscar uma negociação com todos os credores. Não estamos tendo nenhum tipo de agressividade.
Mas como vai ser a proposta para esses credores?
Não apresentamos nenhuma proposta, pois seria absolutamente ingênuo montar algo num quadro branco com diversos credores altamente heterogêneos. O que estamos fazendo é defender a companhia e mostrar que não temos recursos disponíveis para pagar. Acelerar uma dívida de R$ 50 milhões, por exemplo, é o mesmo que acelerar R$ 11 bilhões de todas as dívidas do grupo, e obviamente não dispomos de um valor nem próximo dessa totalidade. Tenho certeza absoluta que estamos agindo com o melhor interesse da esmagadora maioria dos credores.
Como convencer o mercado a investir na companhia depois dessa situação?
Eu acredito que a Light reestruturada e com a concessão renovada vai ser uma companhia altamente saudável e totalmente financiável. Temos um desafio, como várias outras empresas tiveram nos últimos anos. A companhia emitiu valores mobiliários e equity que não deram bons retornos, como ocorreu com dezenas de outras empresas. A Light está buscando a renovação da concessão e em bases sustentáveis. Atualmente, a concessão não está endereçando da maneira correta o arcabouço regulatório e, depois, vai ser uma empresa perfeitamente financiável e vamos ter vários caminhos para explorar.
Mas qual vai ser o caminho para a empresa buscar dinheiro? Afinal, trata-se de um negócio de capital intensivo.
É muito cedo para a gente dizer como vai ser o plano. Há muitos credores que só estão interessados em liquidez e em realizar o papel e os seus créditos da melhor maneira possível e, inclusive, já marcaram a mercado com uma expectativa de valor muito baixa, enquanto outros estão absolutamente comprometidos com o plano de longo prazo e sabem que o cenário de renovação da concessão vai trazer um ambiente saudável.
O que a gente não vai fazer, pois seria irresponsável, é criar soluções de curto prazo. Mas a empresa já tem maneiras de se alavancar. O valor do único FIDC que temos é de R$ 500 milhões e somos uma empresa de R$ 20 bilhões em receita, então estamos prontos para fazer outros FIDCs como parte de uma solução. Mas não faz sentido colocar dívida sênior comprometida e pagar só o primeiro o vencimento. A companhia em reestruturação não tem condições de atrair capital em ações, ainda mais nos volumes que são vários bilhões de reais. Mas, no momento certo, terá.
Como a empresa vai conseguir melhorar a sua operação? Ou os problemas de energia no Rio são insolúveis?
O problema do furto de energia é bem maior do que em outros estados. E existem duas razões fora do nosso controle: 25% da energia consumida na nossa área de concessão é consumida em áreas de risco e não temos condição de fazer qualquer tipo de atuação para controlar perda e inadimplência. Há outro grupo, que representa a metade da operação, que está na normalidade e estamos atuando para melhorar a atuação nessas áreas. Podemos melhorar sempre.
No meio do caminho tem 25% do consumo de energia em áreas de tratamento convencional, onde podemos e conseguimos atuar, mas onde existe uma reincidência de furto de energia de praticamente 100%. São áreas onde as pessoas montaram infraestruturas e existe uma indústria sofisticada de gatos.
Nessas áreas há soluções, como a telemedição. Mas é algo caro, de R$ 3 mil a R$ 4 mil por unidade, e isso foi feito de maneira experimental antes da minha chegada e funcionou. A Light vai fazer isso depois da renovação, mas isso vai consumir muito capital, já que são centenas de milhares de consumidores e é um retorno que só aparece por meio da remuneração desse ativo, através da tarifa.
Existe um caminho para a Light seguir caminho de outras empresas ao redor do Brasil, mas consome muito capex. Nós demonstramos que a perda da Light de hoje não é incompetência da empresa, mas pelo o que é o cenário de hoje. O ponto de partida tem que ser de 100% da energia perdida nas áreas ser compensada de alguma maneira e a mais fácil é por meio da tarifa.
Pensando nos próximos 30 anos, não podem entrar na conta da Light as perdas de 25% das áreas de risco. Já existe o consenso dentro do governo de que não há como ter um contrato de concessão que não resolva este problema estrutural.
Como estão as conversas com o governo sobre a renovação?
Existe muita sensibilidade tanto no Ministério quanto na ANEEL. É só olhar as declarações dos diretores da ANEEL, que reconhecem o problema. Eu tenho total confiança de que isso tem de ser endereçado. Se não, essa concessão não vai ter concessionária e o governo não pode ser irrealista.
Outro fator que tem sido muito criticado no mercado foi a proposta de remuneração do management. Como você responde às críticas?
É a primeira vez que eu ouço esse assunto ter alguma discussão, e quem determina isso não sou eu, mas o conselho. Foi uma longa discussão de como incentivar um time de uma diretoria nova para um plano de reestruturação. Eu acredito que o plano que foi colocado alinha totalmente os interesses de todos os stakeholders, sendo o maior deles os consumidores da nossa área de concessão, com o incentivo da diretoria.
Vale a pena ressaltar que você tem um plano de incentivo de ação que é condicionado à renovação da concessão e à readequação da estrutura de capital da companhia. Então, eu não consigo imaginar uma maneira de incentivar melhor uma companhia que está numa situação complicada e ter um melhor alinhamento entre a diretoria, os acionistas e os credores.
Alguns gestores acham que a renovação da concessão não é algo tão difícil de acontecer para justificar este plano.
Isso não procede. A renovação da concessão hoje está altamente sob risco dado que é uma companhia em estresse financeiro e que, na ausência do standstill, estaria indo para uma total disrupção, que seria a inadimplência das obrigações. A empresa só não vai para esse cenário porque estamos trabalhando na reestruturação.