Na introdução de “O que faz a diferença?”, livro que acaba de lançar, Fátima Zorzato conta como Rodrigo Pimentel decidiu largar o Bope e acabou se tornando coprodutor do filme “Tropa de Elite”:
Rodrigo Pimentel, então capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope-pm), fugia completamente ao estereótipo das pessoas com quem eu vinha conversando nos últimos 25 anos. Mas tinha em comum com elas a clareza sobre o caminho que havia percorrido até chegar onde estava. Em uma tarde, me contou sobre os momentos e as atitudes que haviam definido sua vida.
A parte de sua história que mais me marcou foi a entrevista que deu para o Fantástico, veiculada no dia 18 de junho de 2000, e hoje disponível na internet sob o título “Sucessão de erros da polícia provoca morte no ônibus 174” — o que já indica o tom do que será mostrado. Na gravação, Pimentel analisou a morte de uma refém durante um sequestro que chocou o Brasil seis dias antes e explicou por que a culpa “com certeza” era de seu chefe, o comandante do Bope. O policial reviu as imagens do momento do disparo feito por um colega com o objetivo de atingir o sequestrador, mas que acabou acertando a professora Geisa Firmo Gonçalves, e indicou a falta de técnica do atirador, apesar de o grupo de elite da polícia ser exaustivamente treinado para agir de maneira tática em momentos como aquele.
O capitão ainda foi a cena do crime e simulou dois tiros, de lugares diferentes, que teriam acertado o sequestrador. Mas, para tê-los disparado de forma certeira, os policiais na operação precisariam ter recebido a ordem correta do comandante. Não foi o que aconteceu. Ao atribuir ao Bope a responsabilidade pela morte de uma pessoa inocente, Pimentel sabia que estava expondo de maneira drástica a reputação da corporação e, ao mesmo tempo, arriscando a própria carreira. Mesmo assim foi em frente, pois estava inconformado e conhecia os bastidores do episódio. Em meio a transmissão do crime em rede nacional, com a equipe do Bope reunida para trocar o passo a passo da estratégia de combate, o governador do estado ligou para o comandante de operação e disse que sua mãe estava assistindo a ocorrência pela televisão e não gostaria que ela visse massa encefálica espalhada pelo chão. Pimentel não acreditou no que ouviu.
“As considerações políticas se sobrepuseram às considerações técnicas. É impossível que algo dê certo nessa situação”, disse Pimentel durante a nossa conversa. Ele sabia que nos Estados Unidos, por exemplo, aquela cena seria inimaginável. “Você jamais vai ver um policial norte-americano ao telefone com o governador ou com algum prefeito no meio de uma operação.” Não era a primeira vez que testemunhava uma inversão de valores. O que mudou é que havia decidido falar, aceitando o risco pessoal que isso implicava.
Alguns colegas acharam que ele foi longe demais, que sua atitude tinha sido desproporcional. Para ele, porém, era uma questão de honra. Chegara ao seu limite. Havia pelo menos três anos, desde 1997, que se sentia extremamente desconfortável na corporação na qual ingressara, em 1994, cheio de gana e ideais. Não queria continuar daquela forma. Precisava seguir. Porém, ainda não via possibilidades concretas de como fazê-lo.
Era como se estivesse diante de uma curva inevitável, mas sem ideia do que encontraria ao dobrar a esquina em alta velocidade. Depois da entrevista, ele foi trabalhar já preparado para enfrentar a represália no batalhão. Passou trinta dias em cadeia disciplinar (instalado não em uma cela, mas em um alojamento). Depois foi transferido para Itaperuna, no norte fluminense, o que representava um rebaixamento em sua função, já que a região tinha menos visibilidade. Embora aquele fosse um castigo, diz ter ido “bem feliz e de alma lavada” para o novo ambiente de trabalho.
Pimentel nunca se arrependeu da atitude drástica. Meses depois, sua vida tomou rumos inusitados. O que encontrou após a curva foi uma paisagem improvável, mas muito mais inspiradora do que poderia prever. Deixar o Bope foi uma ruptura que o levaria a um salto na carreira. Aquela era uma mudança radical em sua vida. Um desvio que, de alguma forma, frustrava seu sonho juvenil. Afinal, ingressar na corporação foi uma decisão que ele tomou aos catorze anos, quando descobriu a existência do grupo de elite. O momento exato foi um dia de chuva no Rio de Janeiro, quando Pimentel viu pela televisão pessoas mortas soterradas como resultado das enchentes e dos desmoronamentos.
Em meio às imagens e declarações devastadoras, notou uma equipe da polícia que resgatava sobreviventes. Ficou até tarde da noite assistindo as notícias, fascinado com o trabalho heroico daqueles profissionais que usavam uma farda diferente, que se infiltravam no caos para salvar vidas. De onde eram? Como se preparavam para estar ali? Como poderia ser um deles? Ao saber o que era o Bope, decidiu que seu futuro seria ali.
Filho de militar, Pimentel cresceu ouvindo que, se fosse para seguir a carreira do pai, deveria ir para as Forças Armadas — destino de seus dois irmãos mais velhos —, e não para a Polícia. Mesmo assim, fez sua escolha. Estava atento aos próprios impulsos e entendeu bem cedo que seu desejo era outro. Mas isso só foi possível porque ele agiu e fez conexões que lhe pavimentaram o caminho. Pesquisou o que deveria fazer para realizar seu desejo, inscreveu-se no vestibular e depois formou-se na Academia da Polícia. Pediu para servir em um batalhão do interior, no qual teria tempo de continuar se preparando para entrar no Bope.
Passou no concurso e enfrentou “um treinamento feito para você desistir”, que incluía privação de sono, fome, horas imerso na água gelada de um mar revolto, corridas diárias e “intermináveis” de quinze quilômetros, entrar na jaula de um cachorro feroz e saltar de uma ponte de doze metros de altura. Quando ainda estava na corporação, em 1999, uma conexão foi especialmente importante para o que viria a seguir: conheceu o cineasta João Moreira Salles, com quem viria a colaborar para o documentário Notícias de uma guerra particular. No ano seguinte, Salles seria a ponte para Pimentel conhecer outro diretor, José Padilha, que o convidaria para contribuir em seu documentário Ônibus 174. O trabalho com Padilha deu tão certo que os dois investiram juntos em um novo projeto, tornando-se coprodutores do Tropa de Elite, um dos longas-metragens de ficção de maior sucesso no Brasil.
Pimentel também fez pós-graduação em sociologia urbana, escreveu um livro, é uma figura nacionalmente conhecida e um requisitado palestrante motivacional — que fala de liderança e planejamento estratégico com base em sua experiência no Bope. Considera-se bem-sucedido, pois construiu um patrimônio que lhe permite proporcionar uma vida confortável à família e fazer o que gosta de acordo com seus princípios.
A trajetória de Rodrigo Pimentel foi marcada por decisões tomadas após algum estímulo e mudanças de rota quando ela não fazia mais sentido, assim como constatei acontecer com a maioria das pessoas realizadas que conheci ao longo dos mais de 25 anos como headhunter de executivos. Ele fez escolhas prestando atenção ao que sentia, olhou ao redor, estabeleceu parcerias e, apesar dos riscos, aceitou sair de sua zona de conforto.
Esses fatores estão presentes na trajetória de Pimentel e na de muitas outras pessoas que trilharam caminhos profissionais dos quais se orgulham e que são consideradas bem-sucedidas por seus pares. Nas próximas páginas, me dedicarei a explicar melhor que fatores são esses e como cultivá-los. Graças a minha profissão, tive o privilégio de observar e interagir com profissionais de sucesso em diferentes áreas de atuação. Conheci e convivi com donos e diretores dos maiores grupos empresariais do Brasil, e o meu principal papel era (e ainda é) identificar e diferenciar aqueles com grande potencial de realização.
Foi em 2011, quando eu participava de um curso para CEOs na Fundação Dom Cabral, que formulei algumas das questões que mais tarde inspirariam este livro. Éramos dez pessoas e nos encontrávamos uma vez por mês durante cinco horas, sob a coordenação de um professor suíço. Cada encontro era um módulo e, em um deles, a proposta foi sentarmos em grupos menores para discutir o wake-up call do líder. Isto é, quando a liderança enxerga as pessoas que trabalham ao seu redor e que, metaforicamente, estão levantando a mão e pedindo sua ajuda — deixando claro quem tem a autoridade natural sobre o grupo.
A inspiração para o exercício no curso da Dom Cabral era Joseph Campbell, professor norte-americano e um dos mais importantes estudiosos de mitologia comparada do mundo.
Campbell faleceu em 1987, mas seus livros são objeto de estudo até hoje. Analisamos uma parte de sua obra e fiquei encantada. Autor de livros como O herói de mil faces e As máscaras de Deus, ele tornou-se referência para os roteiristas de Hollywood.
Foi o pioneiro do conceito conhecido como “jornada do herói”, que são os estágios vividos recorrentemente nas histórias mitológicas. Eu já o conhecia de leituras anteriores, mas seus livros nunca tinham me causado tanto impacto. Campbell organizou um framework: uma estrutura seguida por todos os mitos em maior ou menor grau. A mesma estrutura passou a ser usada para construir narrativas no cinema, em função de seu poder de impactar a audiência. Talvez o exemplo que mais ilustre a transposição de suas ideias para a telona seja a saga Guerra nas Estrelas, de George Lucas, que usou a teoria como inspiração.
Um desses estágios da jornada do herói é o “chamado da aventura”. Segundo Campbell, todo herói possui uma rotina e um ambiente próprios que em determinado momento são perturbados. Nesse momento, ele toma a decisão de enfrentar o problema ou aceitar o desafio. Um dos primeiros exemplos em O herói de mil faces é o conto “A princesa e o sapo”. Certo dia, a princesa brincava com sua bola dourada, como de costume, e a bola escapou de suas mãos e foi parar no fundo de um poço. Sem consolo, ela sentou-se e pôs-se a chorar, até que um sapo falante apareceu e propôs resgatar a bola em troca de seus cuidados e companhia. A princesa aceitou o acordo e, naquele instante, foi como se dissesse “sim” para uma aventura, já que não sabia o que poderia acontecer a partir de então.
Enxerguei nas idéias de Campbell um paralelo entre os heróis dos mitos, com seu chamado para a aventura, e os heróis da vida real, que constroem trajetórias profissionais de sucesso ao serem despertados por diferentes motivos. Assim como a teoria do norte-americano foi aplicada em Hollywood, era possível usá-la como uma lente para o filme de nossas vidas.
Embora na Dom Cabral tenhamos começado o assunto falando sobre como o líder pode ajudar o liderado, a reflexão estendeu-se para o tema da inspiração de forma mais geral. Discorremos sobre os “chamados” da vida, os momentos em que somos convocados e temos a oportunidade de agir. Nessa hora, minha mente descolou do tema discutido pelo restante das pessoas.
Comecei a pensar no assunto sob outro ângulo: como as pessoas bem-sucedidas tomam decisões? O que as faz escolher determinada carreira? Seria possível identificar o momento em que são “chamadas”? E as mudanças de rumo ao longo da vida, por que acontecem? O que faz com que profissionais com carreiras parecidas aproveitem as oportunidades de maneiras diferentes?
Toda jornada é definida por decisões pontuais e pessoais sobre qual rumo seguir. Na jornada do herói, criada por Campbell, seria o momento em que o protagonista está pronto para cruzar o limite entre o mundo que ele conhece e com o qual está acostumado e o mundo novo que vislumbra. Decisões sobre que carreira seguir são difíceis e podem ter diversas motivações, mas, observando os melhores candidatos e profissionais que passaram por mim, percebi que há três tipos de estímulos que levam aos momentos decisivos. Esses estímulos se repetem em suas trajetórias e guiam a escolhas do caminho a seguir:
• Atenção: observar motivações (internas) e oportunidades (externas), com foco naquilo que vai ao encontro de seus desejos, valores e habilidades. E um movimento que vai de dentro para fora.
• Conexão: olhar para o mundo e se relacionar com ele, selecionando as próprias preferências (seja por afinidade ou por negação) e se abrindo para aquilo que o novo pode lhe trazer. Por exemplo, assistindo a um programa de tv, lendo livros, convivendo com pessoas ou frequentando lugares que levam a novas experiências. Ao contrário do primeiro, e um movimento que vem de fora para dentro.
• Ruptura: deixar a zona de conforto voluntária ou involuntariamente, em função de um trauma, como a doença ou a morte de alguém próximo. Nesses momentos, se a pessoa conseguir utilizar o trauma para se reinventar, pode haver um salto evolutivo.
Podemos ter vários estímulos de atenção, conexão e ruptura em nossas vidas que nos levam para diferentes direções. Essa divisão é uma forma simples para ajudar as pessoas a perceber quando esses momentos se apresentam e, assim, aproveitar as oportunidades. Quanto mais eles são aproveitados, maiores as chances de pavimentar um caminho de crescimento pessoal e profissional. Passei a levantar hipóteses. Perguntava-me se as reflexões sobre essas perguntas ajudariam outras pessoas a tomar boas decisões, estivessem elas no início, no meio ou no fim de sua história profissional. Parti da minha experiência para buscar respostas que pudessem formar um mapa capaz de orientar as escolhas particulares em direção ao sucesso. O resultado está registrado neste livro. Identifiquei que aproveitar os estímulos para tomar decisões era uma característica importante, mas apenas o primeiro passo.
O segundo passo seria cultivar os fatores que sustentam essas escolhas, esenvolver as qualidades que continuam nos empurrando para a frente no longo prazo. Pimentel, por exemplo, decidiu que um dia faria parte do Bope ao ver uma notícia na televisão, mas foi sua resiliência que o fez se manter no treinamento até o fim, garantindo que seguisse firme na sua decisão inicial.
O meu desejo com este livro é ajudar os leitores a reconhecer os estímulos que aparecem ao longo de sua trajetória e as qualidades que devem cultivar no longo prazo, e a se colocarem ativos diante da vida, e não alheios às oportunidades de cada momento.