As ações do varejo passaram o dia sob pressão por um temor do mercado de que o Governo mude as regras envolvendo os incentivos de ICMS dados pelos Estados às empresas.

A mudança ajudaria a União a arrecadar mais, mas poderia afetar de forma expressiva o lucro das empresas do setor. 

As preocupações ganharam força nos últimos dias depois da apresentação do novo arcabouço fiscal — que exigirá que o Governo aumente a arrecadação para conseguir entregar o superávit previsto. 

Mas as ações do setor caíram hoje particularmente depois que o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse na GloboNews que uma das ideias do Governo é justamente mexer no incentivo do ICMS, já que a União perde R$ 90 bilhões de arrecadação por ano com a exclusão do ICMS da base de cálculo.

“A redução ou eliminação desses incentivos fiscais é um low hanging fruit para ajudar a suportar o aumento dos gastos públicos que o Governo quer,” escreveu o JP Morgan em relatório.

A grande questão em discussão é se os incentivos de ICMS dados pelos Estados para as empresas são considerados subvenções para investimentos ou para o custeio. (A primeira não entra no cálculo do IRPJ e do CSLL; a segunda é sujeita a taxação.)

Em 2017, a lei complementar 160 definiu que todos os incentivos de ICMS são classificados como subvenções para investimentos, e portanto livres de tributação federal. Mas, agora, o governo está tentando mudar esse entendimento. 

“Qual é o sentido de uma empresa que está lucrando mais, por conta de um benefício fiscal do Estado, abater da sua base de cálculo tributos federais?” Haddad disse ao GloboNews. “Vamos restringir ao conceito de investimento.”

A medida, no entanto, não seria simples de ser aprovada. Lucas de Aragão, da Arko Advice, disse num comentário a clientes que a medida teria que ser enviada ao Congresso como um projeto de lei complementar, que exige maioria em ambas as casas.

Lucas disse que conversou com vários líderes parlamentares e que o consenso é que esse é um tema difícil no Congresso. 

“Uma matéria como essa — que atinge o varejo de forma forte, que é um grande empregador do País, e que seria percebida como um aumento de carga tributária num setor muito grande — a recepção tende a ser difícil no Congresso,” disse ele. “O governo gastaria um enorme capital político para avançar com isso.”

Os incentivos de ICMS não são uma exclusividade das empresas de varejo, mas o setor é de longe o que está mais exposto aos benefícios fiscais. 

Segundo a XP, a exposição das companhias do setor a todos os benefícios fiscais — incentivos do ICMS, Sudene, Zona Franca de Manaus, Lei do Bem, e por aí vai — é de 31% do lucro líquido, com a maior exposição entre as varejistas de moda. 

Para se ter uma ideia, no ano passado os benefícios fiscais responderam por 44% do lucro líquido do Grupo Soma, 36% do lucro da Arezzo e 39% do lucro da Vivara. 

Na Renner, essa exposição é de 30%, e na Guararapes de 25%. 

Outras varejistas com alta exposição são a Pague Menos (51%), Via (41%), Natura (44%) e Grupo Mateus (33%). 

“É importante notar que isso considera o cenário tributário atual e, portanto, pode mudar em meio a diferentes estratégias fiscais sob uma nova legislação tributária,” escreveu a analista Danniela Eiger. 

O JP Morgan também tentou estimar a contribuição dos incentivos fiscais para o valor justo das empresas do setor — com resultados relativamente parecidos. 

Nas contas do JP, a maior impactada seria o Grupo Soma, com 50% do valor justo vindo dos incentivos fiscais. Na sequência vem a Vivara com 44%, a Arezzo com 27% e a Alpargatas, Renner e Pague Menos com 20% cada. 

As ações do setor despencam hoje, num dia em que toda a Bolsa performou mal. 

A Renner caiu mais de 8%, o Grupo Soma caiu 5,6%, enquanto Arezzo e Vivara caíram 2,3% e 3,3% cada.