O Brasil vive hoje a pior crise hídrica desde 1930, quando passamos a monitorar hidrologia no país. A estiagem está impactando, sobretudo, os reservatórios dos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Sul, que representam 70% e 5% dos reservatórios do país, respectivamente.

As projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico sinalizam reservatórios no SE/CO entre 8% e 10% do volume máximo ao final de novembro, comparado a 15,5%, no pior cenário que o País já viveu (o racionamento de 2001-2002).

É bom lembrar que, quando um reservatório cai abaixo de 10%, as usinas perdem sua capacidade operativa, deixando de ter a confiabilidade necessária para gerar eletricidade. O reservatório fica tão baixo que, em vez de turbinar água, a usina começa a turbinar a lama.

Por conta deste cenário, nossa dependência das térmicas este ano será de 16-17 GW num cenário conservador (em linha com o despacho histórico) e de 20-22 GW em um cenário superior, um despacho nunca alcançado no passado.

Do lado da oferta, o governo ainda está contando com a importação de energia da Argentina (máximo de 2,25 GW) e do Uruguai (máximo de 0,57 GW) — mas a segurança energética desses países e o atendimento ao Chile, que se encontra numa crise parecida com a do Brasil, podem colocar este fornecimento em risco a qualquer momento.

Mesmo com o uso das térmicas e a importação de energia, se não houver uma redução voluntária da demanda (alcançando pelo menos 5,5 GW), o sistema pode sofrer blecautes de potência ao longo dos meses de setembro a novembro — em particular no meio da tarde e à noite, os horários de pico.

Se o governo optasse por decretar um racionamento formal, com base nas projeções de carga de aproximadamente 70 GW para esse ano o volume de corte teria que ser de aproximadamente 10%, comparado a 20% em 2001-2002.  Em outras palavras: um racionamento mais leve do que aquele que acometeu o Governo Fernando Henrique.  Mas quanto mais o Governo demorar a tomar esta medida, maior terá que ser o volume do corte mais à frente.

A demora para a adoção desta medida pode agravar também a situação de 2022, sobretudo caso as chuvas permaneçam abaixo da média histórica, o que vem sendo observado nos últimos 20 anos.

Piorando as coisas: o fenômeno climático La Niña, previsto para esse ano. Caso o La Niña se confirme, o resultado será um regime de chuvas até pior do que no ano passado na região Centro-Sul ao longo do próximo período úmido, que se inicia em novembro.

O cenário de racionamento econômico, com tarifas subindo significativamente acima da inflação, já está dado. São esperados reajustes entre 8% e 11% em 2021 e de 18% a 21% em 2022, sem contar os ajustes das bandeiras tarifárias.

Ilustrando a gravidade da crise: no início do período úmido no ano passado (novembro de 2020), os reservatórios no Sudeste estavam em 24,5% de sua capacidade. Já a expectativa para o ponto de partida deste ano são reservatórios entre 8% e 10%.

É verdade que em 2022 haverá um aumento expressivo na capacidade de geração instalada do País — mas a grande maioria virá de usinas eólicas e solares, fontes intermitentes de energia e que, portanto, não resolvem o problema de potência e não são alternativas de backup.

A crise hídrica do setor elétrico está extrapolando para a agricultura (que representa de 70% a 75% do consumo de água no país), o turismo, as hidrovias e o saneamento básico. (A hidrovia Tietê-Paraná está parada há mais de uma semana. Na crise de 2014/15, ficou parada 16 meses.)

O chamado deplecionamento — a diminuição do volume de água armazenado em um reservatório — está acelerando para 0,2% a 0,25% por dia, o equivalente à perda de 8% a 10% de volume dos reservatórios por mês.

Hoje, o nível de armazenamento dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste está em 21%, devendo atingir 15% no final de setembro, quando em situações normais ficaria em torno de 40% a 42%.

Estamos em alerta vermelho.

A redução voluntária de demanda nas residências não costuma fazer diferença, e, no setor industrial e comercial, ela não é imediata. A adoção do horário de verão também traria pouco alívio, dado que o antigo horário de pico de 20 horas se deslocou para o meio da tarde dado o uso crescente do ar condicionado.

No curto prazo, não há muito o que fazer, exceto adotar transparência máxima com a sociedade sobre os riscos que o País corre — e os limites do nosso crescimento econômico.

No longo prazo, o Brasil precisará rediscutir com muita honestidade a composição de sua matriz elétrica, abrindo a cabeça para usinas térmicas a gás, usinas nucleares e as hidrelétricas de grandes reservatórios, banidas ao longo das últimas décadas dado seu impacto ambiental.

Só isso será capaz de reduzir nossa dependência do clima e restaurar a confiabilidade do sistema elétrico.

 

Adriano Pires é fundador do CBIE – Centro Brasileiro de Infraestrutura.