Toda vez que a Faria Lima fecha um negócio, o telefone toca na Policristal.
É do pequeno galpão industrial no bairro da Mooca que saem a maioria dos ‘tombstones’ ou ‘deal toys’, os brinquedinhos que eternizam cada IPO, M&A ou emissão de dívida fechada, gravando literalmente em pedra os nomes dos assessores financeiros e os milhões ou bilhões que mudaram de mãos.
Os carrinhos, aviões, torres de transmissão de energia, prédios e todo tipo quinquilharia em versão miniaturizada quebram a sobriedade das salas de reunião dos bancos e funcionam como insígnias no jogo de egos que é o mundo dos bancos de investimento.
Com um negócio tão ligado ao mercado de capitais quanto qualquer banco, os últimos anos foram difíceis para a Policristal. E agora, ainda que partes da Faria Lima já estejam bombando, o ‘trickle-down economics’ está meio devagar até chegar na Mooca.
“Estamos crescendo em cima do mesmo período do ano passado, mas não teve uma explosão de pedidos”, diz o diretor comercial, Paulo Marçal. “Agora que a gente está começando a voltar ao patamar de 2014”.
No primeiro semestre, IPOs e follow-ons movimentaram quase R$ 30 bilhões, mais de quatro vezes o volume no mesmo período de 2018, segundo dados da Anbima. (Para a Policristal o que importa mesmo é o número de transações: foram 12 na primeira metade de 2019 contra apenas quatro no ano passado.)
As fusões e aquisições também voltaram. Foram 259 transações neste ano até julho, contra 187 no primeiro semestre de 2018, segundo a Bloomberg.
Fundada em 1962 como uma fabricante de componentes de resina para o mercado automobilístico, no início a Policristal tinha como carro-chefe a bolinha que ia no topo do câmbio dos Fuscas (millennials, please google).
Com a abertura do mercado automobilístico, os fornecedores mundiais foram expulsando a Policristal, até que Paulo Politanski, o filho do fundador, decidiu migrar a produção para brindes corporativos.
Em 1997, a empresa recebeu um telefonema inusitado: o pessoal do Banco Garantia queria peças em acrílico para comemorar um negócio. A Policristal não conseguiu atender o pedido com as especificações e o prazo pedido, mas vislumbrou um nicho.
No ano seguinte, nova demanda: o Citibank também queria um ‘tombstone’ . Foi aí que o negócio começou a decolar, junto com as privatizações e o fortalecimento do mercado de capitais no Brasil. Os tempos áureos vieram com o boom dos IPOs em 2006 e 2007.
Depois da crise de 2008, o que salvou o negócio foi o setor de óleo e gás. É tradição se armazenar em pequenos barris para ‘lembrança’ o primeiro óleo que sai de um novo poço.
“A Petrobras chegou a ser um dos nossos principais clientes. O Lula dava um barrilzinho de presente para quem visitasse os poços no pré-sal”, diz Marçal. Mas como quase tudo que vem da Petrobras, essa fonte secou, e hoje a maioria dos pedidos do setor vem dos parceiros ou concorrentes da estatal.
Diferentemente da escala dos câmbios de Fusca, os tombstones são uma forma negligenciada de artesanato. A maior parte dos 28 funcionários da Policristal está há mais de dez anos na companhia: “Quase todo mundo chegou como assistente e foi sendo treinado, porque as habilidades são muito específicas,” diz Marçal.
O pedido padrão gira em torno de 15 a 20 peças, que são presenteadas a assessores financeiros e executivos das empresas. O preço varia entre R$ 300 e R$ 1500 por peça, a depender da complexidade do trabalho. A conta costuma ser rachada entre os bancos coordenadores na proporção da participação de cada um.
Há quem prefira o básico: uma placa de acrílico com os detalhes da transação. Mas os best sellers são as encomendas bem específicas: quando a Didi chinesa avaliou em US$ 1 bilhão a 99, encomendaram uma miniatura de unicórnio em forma de boia de piscina.
Quando um consórcio da Votorantim com canadenses comprou o controle da Cesp, a Policristal esculpiu uma miniatura de hidrelétrica, com reservatório, barragem, casinhas e torres de transmissão, tudo feito à mão.
A compra da rede de lavanderias Lavebras pela DNA Capital veio com um pedido inusitado: uma máquina de lavar deveria vir cheia de roupas de algodão. “Fomos atrás de roupinhas de boneca”, diz Marçal.
Há ainda o subgrupo das piadas internas. Certa vez, a encomenda foi de uma miniatura de um bumbo. “O executivo tinha dito para o banqueiro que se conseguisse fechar o negócio, ele ia tocar bumbo na avenida Paulista”, diz Marçal, sem revelar o nome dos clientes.
Normalmente, a encomenda e as especificações ficam a cargo do banco coordenador da transação — o desenho pode vir pronto ou ser feito pelo time de design da Policristal a partir de um briefing. Há quem prefira terceirizar o trabalho para uma agência de publicidade, e há quem leve o negócio muito a sério. O Credit Suisse, por exemplo, tem uma pessoa no time de design que manda a arte prontinha.
Ninguém sabe exatamente como a tradição dos deal toys começou, mas o papa do assunto é o publicitário Don McDonald, morto em 2009.
Reza a lenda que, na Nova York dos anos 1970, ele presenteou um amigo de infância que havia se tornado banqueiro emoldurando o anúncio de uma transação no jornal entre duas placas de acrílico.
Os colegas invejaram, começaram a fazer pedidos similares e, pouco tempo depois, McDonald deixou seu trabalho numa agência de publicidade para abrir a Don McDonald’s & Sons, até hoje a maior autoridade mundial quando o assunto são os deal toys.
Inicialmente, quando as transações eram mais ortodoxas e o mercado liderado por aristocratas da Ivy League, o ‘must have’ eram pesos de papel classudos com miniaturas dos prospectos ou anúncios publicitários. (Por regulação, esses anúncios não podiam ter imagens e ilustrações – e, como um bloco de texto, mais pareciam uma lápide, dando origem ao nome ‘tombstones’).
No único paper sobre a história dos deal toys, D. Graham Burnett, um professor de história da ciência de Princeton, atribui a ninguém menos que Donald Trump o primeiro tombstone ‘fora da caixa’ — em 1983, o incorporador-showman encomendou uma peça em formato de ficha de pôquer para comemorar o financiamento de um cassino em Atlantic City. Quebrou logo depois.
Burnett diz que a história dos deal toys é a história do mercado: “A sobriedade dos primeiros tombstones era um atributo que apenas um aristocrata poderia gostar, enquanto a nova leva de outsiders famintos e tolerantes ao risco, impacientes com a complacência e os privilégios herdados por seus patrões, trouxe novas bugigangas espalhafatosas e criativas para celebrar sua ascendência.”
Que assim continue.