A barra era relativamente baixa – mas o Governo não entregou à altura.
E dada a reação aguda dos mercados e suas implicações para a economia real, a pergunta é se o Congresso não vai tomar a liderança de impor um ajuste real e mais profundo do que o tiro de festim disparado ontem pela Fazenda.
Depois de cinco semanas de inúmeras reuniões e vazamentos – em meio a um ambiente que só se deteriorava – o conjunto de medidas apresentadas para equilibrar o Orçamento não trouxe, a rigor, nenhum corte significativo de despesas.
Apresentou uma flexibilização nos gastos que poderá dar um fôlego temporário ao arcabouço fiscal – e ainda assim a viabilidade do plano dependerá largamente de um Congresso pouco propenso a elevar tributos e mexer em benefícios.
A frustração com o pacotinho fiscal está estampada na reação dos mercados, com o dólar superando R$ 6 pela primeira vez na história e os juros futuros subindo aos maiores patamares em dois anos, precificando uma Selic acima de 14% no segundo semestre do próximo ano.
Na B3, as ações de empresas ligadas ao consumo interno lideram as perdas, já que juros mais altos devem derrubar o consumo. Ânima e Lopes mergulham mais de 10%.
A frustração com as propostas ocorreu em primeiro lugar porque os R$ 71,9 bilhões de economia anunciados – R$ 30,6 bi em 2025 e R$ 41,3 bi em 2026 – são insuficientes para produzir superávit primário e, consequentemente, conter o aumento da dívida pública.
“O Governo precisa sair de um déficit primário estrutural de 1,5% do PIB para um superávit de 1,5% do PIB,” estimou o economista de uma grande gestora. “É um esforço tremendo. Mas o fluxo desse plano não chega à metade do necessário.”
Segundo motivo da decepção generalizada: o plano depende quase todo do Congresso. A parte sob controle do Executivo é apenas a reciclagem do pente-fino no pagamento de benefícios sociais.
Outro ponto para a frustração foi que ficaram de fora algumas propostas que teriam um impacto mais expressivo – entre elas a desvinculação das aposentadorias ao salário mínimo, a desindexação das despesas com saúde e educação, e a revisão das regras do seguro-desemprego.
Por fim, não pegou nada bem incluir no anúncio das medidas de “reforço do arcabouço fiscal” o projeto de conceder faixa de isenção do Imposto de Renda para ganhos mensais de R$ 5.000 – uma promessa da campanha de 2022 que Lula e o PT querem ver aprovada antes da eleição de 2026.
“Como apresentam mais um benefício tributário, num momento em que o Brasil está à beira de uma crise fiscal?” comentou o executivo de um banco.
A Fazenda estima o custo dessa isenção em R$ 35 bilhões ao ano, mas – promete a Fazenda – ele será todo compensado pela proposta de criação de um IR mínimo de 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil.
Conceder o benefício será fácil, dizem os analistas. Duro será ver aprovado o “imposto mínimo” dos ricos, uma tributação que ninguém ainda entendeu como será feita e que deverá valer para todos os ganhos, inclusive dividendos e rendimentos com aplicações isentas de IR.
“O anúncio trouxe, até agora, mais dúvidas do que certeza para o mercado,” disse Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management. “Nas nossas contas, os R$ 70 bi dificilmente serão atingidos. Parte do que foi apresentado não terá efeito em 2025 e 2026.”
Se tudo sair como o planejado – e o histórico ensina que dificilmente será o caso – o Governo conseguirá uma ponte de sobrevida para cumprir as regras do arcabouço até 2026.
Como surpresa positiva, a economista destaca que a regra do salário mínimo, que passará a ter aumentos reais limitados a 2,5%, ficou melhor do que o esperado.
“Mas em algum momento teremos que discutir novamente a sustentabilidade do arcabouço,” disse Solange. “Pode chegar até 2026, mas 2027 e certamente 2028 estão sub judice.”
Para o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e ex-assessor especial do Ministério da Fazenda, “o Governo parece carecer de convencimento interno e de suporte político no Congresso para fazer um ajuste fiscal da proporção necessária.”
“Dificilmente haverá outra oportunidade até a eleição de 2026 para outro ajuste, a menos que uma crise o imponha,” disse o economista. “A dívida pública continuará crescendo a passos largos e o alívio na compressão das despesas discricionárias será temporário.”
O resultado previsto pelos analistas independentes e pelos gestores do mercado é um aumento contínuo da dívida pública nos próximos anos.
O Presidente Lula tomou posse com o endividamento bruto em 72% do PIB. Ao final de seu manto, o indicador deverá atingir 84% do PIB.
“O pacote não é nem ambicioso nem alinhado com o que atual cenário macro demanda,” disse Alberto Ramos, o economista da Goldman Sachs para a América Latina.
Enquanto isso, os juros mais altos pesarão sobre a atividade econômica, sacrificando o bom momento da atividade e tornando ainda mais árduo o equilíbrio fiscal.
Nas contas do economista Pedro Schneider, do Itaú, o pacote traz uma economia potencial de R$ 54 bi, sendo R$ 23 bi em 2025 e R$ 31 bi em 2026. “O pacote pode ser insuficiente para o cumprimento do limite de despesas do arcabouço até 2026,” comentou.
Ainda segundo Schneider, o ajuste predominantemente do lado das receitas não será capaz de gerar uma convergência sustentável de resultados primários compatíveis com a estabilidade da dívida pública e o aumento da isenção do IR representa estímulo fiscal “em uma economia com sinais de sobreaquecimento e diante de riscos inflacionários significativos.”
Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do BTG, chegou a um número menor: R$ 45,9 bilhões de economia em dois anos. Na estimativas para os ganhos acumulados até 2030, Mansueto projeta R$ 242 bi de diminuição dos gastos, contra R$ 327 bi do Governo.
“Pelas nossas simulações, o pacote anunciado sustentaria o arcabouço até 2026, porém com alta dependência do sucesso das medidas de pente-fino, tanto as anunciadas em agosto como as novas,” disse o relatório do BTG.
Para Gabriel de Barros, o economista-chefe da ARX Investimentos e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente, o ponto central da frustração é que o Governo insistiu na sua aposta de fazer o ajuste necessário pelo lado das receitas.
“Uma medida como a destinação de metade das emendas das bancadas para educação e saúde não dá para ver como economia, certo? Houve apenas um remanejamento. A despesa já estava dada,” comentou o economista.
“A DRU (Desvinculação das Receitas da União), da mesma maneira, não tem economia estrutural. É um ganho de flexibilidade,” disse.
Algo que potencialmente relevante, pelas suas contas, seria a limitação nos pagamentos de seguro-desemprego para valores maiores, algo que traria um ganho de R$ 10 bi ao ano. “Seria uma medida positiva. Mas era algo que já havia saído da mesa de negociações, pelo que ouvimos nos últimos dias.”
O plano contém iniciativas no sentido correto, como o estabelecimento da idade mínima de 55 anos para aposentadoria dos militares e os limites nas transferências de pensões. Mas serão ganhos apenas simbólicos no curto prazo, caso aprovados.
Segundo Barros, é improvável também que o Governo alcance a economia prevista com o combate de golpes e pagamentos indevidos no pente-fino dos benefícios sociais.
“Estão renovando uma aposta em algo que até agora não entregou o prometido,” disse o economista. “O Governo vende a promessa de que vai entregar no longo prazo aquilo que não conseguiu fazer no curto prazo.”
O projeto que limita os super-salários da alta esfera do funcionalismo, certamente no sentido correto e capaz de poupar bons bilhões para o Tesouro, tramita há anos no Congresso. Já foi desidratado até o osso e ainda assim permanece emperrado.
Segundo Bráulio Borges, da LCA, é pouco provável que algo seja aprovado no Congresso ainda neste ano. “Para 2025, o Governo terá que recorrer ao bom e velho contigenciamento e bloqueio de despesas,” afirmou. “Estou estimando que haverá uma contenção de R$ 30 a R$ 35 bilhões para o cumprimento da meta fiscal.”
Na opinião do economista, uma possível maneira de recuperar credibilidade seria gerar receitas que superem o custo da isenção do IR até R$ 5.000.
“O pacote é modesto e vemos uma composição negativa,” disse Tiago Sbardelotto, economista da XP e especialista em contas públicas. “Há algumas medidas positivas, estruturantes, como a mudança na regra do salário mínimo. Mas ainda assim o mínimo vai crescer acima do arcabouço no longo prazo.”
Não deixou de ser notada pelos executivos do mercado o tom carregado politicamente na apresentação do plano – tanto no comunicado em rede nacional do Ministro Fernando Haddad, na quinta-feira à noite, como na entrevista coletiva hoje pela manhã, da qual participaram outros ministros.
Questionado sobre a inclusão da isenção de IR para rendimentos mensais de até R$ 5.000, Haddad disse que o Presidente Lula “ouviu os ministros e tomou a decisão que pareceu mais adequada para dialogar com o País.”
“Porque o Presidente não dialoga só com o mercado financeiro, dialoga com as expectativas das pessoas de justiça social, com uma série de anseios represados,” afirmou.
O Ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que não haveria razão para uma reação negativa, uma vez que foi uma promessa de campanha e Lula já havia reafirmado que vai cumpri-la. Isso, afirmou, não enfraquece o compromisso com o controle das contas públicas.
“Quem apostar contra o Brasil vai perder,” disse Costa.
Tebet foi questionada sobre a ausência das propostas que vinham sendo analisadas pela sua Pasta, como a desindexação de despesas. “O plano foi o politicamente possível,” declarou.
Para um gestor, a sinalização transmitida com o anúncio foi muito negativa.
“Medidas mais impopulares foram deixadas de lado,” afirmou. “Ficou a sensação de que os Ministros Luiz Marinho (Trabalho) e Carlos Lupi (Previdência Social) ganharam o braço-de-ferro com o Haddad.”
A dúvida que fica é se o Ministro da Fazenda Fernando Haddad perdeu a disputa para fortalecer a candidatura do presidenciável Fernando Haddad.