Safe haven no more.

É o pior dos mundos: ações mergulhando e Treasuries desabando.

Em um movimento contrário ao que seria esperado em uma economia rumando para a recessão, os yields dos títulos longos dos EUA dispararam.

Uma avaliação é que, no atual ambiente de incertezas extremas, os investidores estão questionando o status de porto seguro dos Treasuries, sobretudo ante as idiossincrasias do Governo Trump.

“Esse comportamento altamente atípico [da curva de juros] sugere uma aversão generalizada aos ativos dos EUA nos mercados globais,” comentou Larry Summers, ex-secretário do Tesouro, em um post no X. “Estamos sendo tratados como um mercado emergente problemático.”

De fato, a dinâmica lembra o que aconteceu no mercado brasileiro no final do ano passado, com os investidores liquidando simultaneamente posições na Bolsa e nos títulos públicos.

O yield dos Treasuries de 10 anos – o preço mais importante do mercado global – estava em retração até a semana passada, chegando a ficar abaixo de 4% pela primeira vez desde outubro. Mas começou a virar no início da semana e disparou bruscamente na terça-feira à noite. O rendimento foi a 4,5%.

O yield dos títulos de 30 anos subiu para 5%, um rendimento não visto desde novembro de 2023. O salto nos últimos três dias foi o maior em mais de 40 anos.

“O selloff agressivo no mercado de Treasuries adiciona evidência de que eles estão perdendo o seu tradicional status de porto seguro,” o vice-presidente de estratégia macro do Deutsche Bank, Henry Allen, escreveu em um relatório aos clientes, segundo relato da CNBC.

Uma das especulações é que a China está por trás dessa virada brusca, vendendo maciçamente títulos dos EUA – o que explicaria ao menos em parte o movimento dos últimos dias. Mas não há ainda dados disponíveis para avaliar se houve essa ação.

Louis-Vincent Gave, o CEO da Gavekal, publicou hoje um relatório em que avalia três possíveis explicações para a desvalorização dos Treasuries: 1) venda dos chineses; 2) não apenas chineses mas outros investidores internacionais também reduziram sua exposição a ativos dos EUA; 3) algum grande participante do mercado, como um hedge fund ou um banco de investimento, foi pego no contrapé em em meio à volatilidade dos últimos dias.

Gave considera a terceira possibilidade mais convincente, porque os mercados “parecem” estar se comportando como se estivessem sendo forçados a cobrir posições.

“Todos esses cenários são essencialmente explicações ‘técnicas’, razões de curto prazo para que de uma hora para outra haja mais vendedores do que compradores,” escreveu Gave.

Em outras palavras, não seria ainda um trade motivado por razões como uma esperada alta na inflação.

Outros analistas também levantaram a possibilidade de o movimento ter sido puxado pela cobertura de perdas em posições alavancadas no chamado basis trade, em que hedge funds e bancos de investimento arbitram Treasuries e swaps. Sangrando, os fundos precisam fazer dinheiro como o que têm à mão, inclusive ativos ‘seguros’ como ouro e títulos do Tesouro americano.

O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse em uma entrevista à Fox que investidores alavancados com dinheiro emprestado tiveram que cobrir suas perdas.

“Não acredito que seja algo sistêmico – penso que esteja acontecendo no mercado de títulos uma desconfortável, mas normal, desalavancagem,” afirmou Bessent, que fez carreira como gestor de hedge fund e foi sócio do Soros Fund Management.

“Todavia,” escreveu Gave, “para além das questões técnicas, permanece o elefante na sala: a questão sobre se os EUA chegaram ao ponto de ruptura fiscal no qual a deterioração no crescimento econômico – uma consequência altamente provável das tarifas de Donald Trump – levará a uma deterioração adicional nas finanças do governo, e assim a yields mais elevados.”

Segundo o CEO da Gavekal, é “um cenário com o qual qualquer investidor de mercado emergente está familiarizado.”

O analista lembrou que não é a primeira vez, nos últimos anos, que os Treasuries não estão “cumprindo o seu papel” de oferecer proteção ante a queda nos mercados. Algo parecido já havia acontecido em março de 2022, no início da guerra na Ucrânia.

Na conclusão do relatório, Gave lembrou que a equipe econômica de Trump manifestaram explicitamente que uma política-chave do governo americano é reduzir os juros longos.

“Claramente, isso não está acontecendo,” disse Gave. “Se não está acontecendo quando um número crescente de dados apontam para a proximidade de uma recessão nos EUA, alguém pode se perguntar: quando isso vai acontecer?”