Nas últimas quatro décadas, o Brasil reconquistou a democracia, aprovou a Constituição Cidadã, ampliou a rede de proteção social e derrotou a hiperinflação.
Mas quando se olham os números da produtividade e da renda per capita, é como se o país não tivesse saído do lugar.
São 40 anos de estagnação. Até mesmo os avanços na redução da miséria e queda na desigualdade deram marcha à ré em consequência da recessão nos anos Dilma, da pandemia e do pandemônio do governo Bolsonaro.
A partir de 2023, o país terá que buscar uma nova rota de desenvolvimento. A lista de prioridades vai além de simplesmente recuperar o crescimento acelerado. Inclui questões ainda longe de terem sido resolvidas, como a qualidade na educação e a reforma política, e temas que ganharam urgência nos últimos anos, como a destruição ambiental, a desinformação das fake news e o racismo.
É o que propõe “Reconstrução: o Brasil nos anos 20” (Saraiva Jur, 488 páginas), que chega agora às livrarias.
O livro, organizado por Felipe Salto, João Villaverde e Laura Karpuska, traz 20 capítulos escritos por uma nova geração de economistas, administradores públicos e cientistas sociais. A grande maioria deles não chegou aos 40 anos – uma lufada de oxigênio bem-vinda no debate de políticas públicas.
“Somos da geração da construção: nascemos antes da Constituição de 1988, mas após a debacle do regime militar,” dizem os organizadores na apresentação. “Os problemas da ‘nossa turma’ não eram a luta pela redemocratização ou o enfrentamento da hiperinflação. Isso já tinha sido resolvido.”
A “reconstrução” proposta por eles não deve ser confundida com “retomada”. “Não é nosso desejo voltar ao estado de coisas pré-Bolsonaro, tão somente. Isso não faz sentido: aquele contexto de 2018 era tóxico o suficiente para gerar o bolsonarismo.”
Felipe Salto, um nerd das finanças públicas, é o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado.
João Villaverde, jornalista e mestre em administração pública, é professor da FGV e escreveu o livro Perigosas Pedaladas, sobre o impeachment de Dilma Rousseff.
Laura Karpuska é professora do Insper e organizadora do podcast EconomistAs, que incentiva as jovens mulheres a seguir uma profissão dominada pelos homens.
“Além de oferecer contexto histórico e análise, cada capítulo apresenta propostas de política pública,” escreve Arminio Fraga na orelha. “Poderão servir de base para o debate eleitoral deste ano, já em andamento […] mas ainda carente de substância.” Persio Arida, autor do prefácio, destaca a boa seleção de temas bem como a qualidade das referências bibliográficas e dos exemplos de políticas públicas que deram certo.
A preocupação primordial dos autores foi ter sempre em consideração as ações mais assertivas a partir das evidências apresentadas pelos estudos científicos. Devem ficar de lado, portanto, simpatias políticas, achismos idiossincráticos e vieses ideológicos.
O capítulo sobre as propostas para acelerar o crescimento traz números que atestam como o Brasil ficou para trás nos últimos anos. Entre 1980 e 2020, o PIB per capita dos países emergentes acumulou uma alta de 189%, ou seja, praticamente triplicou. Nos países avançados, o ganho foi de 86%. No Brasil? Apenas 24%.
Nessas quatro décadas, os brasileiros viram sua renda se distanciar da renda das nações mais ricas, revertendo a tendência de recuperação do atraso que vigorou entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o início dos anos 1980, período no qual o Brasil foi um dos países que mais cresceram no mundo.
No governo militar, o antigo modelo desenvolvimentista – substituição de importações, protecionista e altamente subsidiado – atingiu seu limite e esgotou-se tragicamente, desaguando na crise da dívida externa e na hiperinflação. Desde então, o crescimento do PIB raras vezes ficou acima da média mundial.
“Nos últimos 40 anos, a economia brasileira foi dirigida por diferentes governos com as mais variadas orientações ideológicas,” escrevem Laura, Felipe e Ricardo. “Apesar disso, a economia brasileira estagnou, mostrando evidências de que possa estar na chamada armadilha da renda média.”
Para a recuperação do crescimento sustentado, os autores listam propostas como a simplificação tributária e a redução da burocracia, a abertura à competição externa, o combate à desigualdade e o equilíbrio das finanças públicas.
Um ponto essencial é seguir políticas públicas baseadas nas evidências, porque, como demonstram estudos internacionais, aprovar reformas equivocadas ou de menor impacto pode trazer frustrações. “Narrativas sedutoras não causam crescimento econômico,” alertam os economistas. (Ouviram, candidatos?)
Um fio condutor do livro é o esforço dos autores em analisar como superar as desigualdades em todas as suas faces e ter um governo de fato a serviço do povo e atento à complexidade do mundo atual.
Isso passa por iniciativas tão distintas quanto investir mais na primeira infância, aprimorar a fiscalização dos gastos públicos e regulamentar o mercado de crédito de carbono.
É um indicador de que, se a geração anterior de economistas foi mobilizada por assuntos como a estabilização monetária e as crises cambiais, a nova geração quer “reconstruir” o país sobre pilares mais justos e sustentáveis.
“Reconstrução é uma análise objetiva e realista das mazelas que sabotam o desenvolvimento do país, apontando caminhos para superá-los, sem a ilusão de atalhos simplistas.
É um antídoto contra a ideia, difundida por alguns políticos e comentaristas, segundo a qual o Brasil vivia às mil maravilhas antes de Bolsonaro e basta retirar o capitão do Planalto para que o país retome a trilha da prosperidade. Acreditar nisso será condenar o país à estagnação, no melhor dos cenários.
Como disse a prêmio Nobel Esther Duflo, citada pelo economista Bráulio Borges em capítulo sobre o papel do estado no desenvolvimento, há três “is” que são inimigos das políticas públicas: ideologia, ignorância e inércia.