JOSÉ IGNACIO, Uruguai — Enquanto Punta del Este está cada vez mais parecida com Miami Beach — repleta de condomínios, grandes hotéis, lojas caras e boates da moda — esta cidadezinha bucólica um pouco ao norte luta para permanecer um lugar de pescadores e hippies, com suas ruas de terra, lojinhas locais e pousadas pequenas.

Robert Kofler, um austríaco jogador de polo, se encantou por José Ignacio e decidiu construir aqui uma pousada sustentável, a Ayana, inaugurada em 2020.

Kofler disse que sente na praia uruguaia a mesma atmosfera charmosa e despretensiosa que existia na Côte d’Azur dos anos 50s e 60s. Ele e a mulher, Edda, colecionam arte e queriam construir um parque de esculturas no terreno adjacente à pousada.

Mas veio a inauguração do MACA, o Museu de Arte Contemporânea Atchugarry, a poucos quilômetros da pousada, com esculturas de diversos artistas espalhadas por 360 mil m2, e a ideia inicial do casal perdeu sentido. (O MACA abriga a coleção particular do famoso escultor uruguaio Pablo Atchugarry e impressiona pelo tamanho do museu, mais do que por seu acervo).

Quando estava esquiando em Lech, na Áustria, Kofler descobriu uma instalação subterrânea do artista americano James Turrell, acessível apenas off-piste.

Ver o céu envolto por luzes coloridas a partir da imensidão branca das montanhas austríacas o fez perceber, na hora, que aquela era a obra perfeita para seu terreno, próximo à praia Mansa em José Ignacio.

Intitulado Ta Khut, o site specific Skyspace de Turrell é uma série de centenas de trabalhos comissionados que Turrell já fez pelo mundo, em coleções privadas e públicas – todas únicas e diferentes entre si. Em egípcio antigo, Ta Khut significa “a luz” – e é a luz o que Turrell trabalha e investiga há cinco décadas. A luz é sua matéria prima; o céu, sua tela.

O trabalho proporciona uma experiência imersiva, e mais íntima, com o céu – usando cores para alterar a forma como o vemos.

Para o trabalho em José Ignacio, a ideia era construir algo semelhante a um templo, que fosse o elo de conexão entre a terra e o céu. Além da arquitetura específica, o material da construção era importante para o casal Kofler: tinha que ser o mármore branco Lasa Marmo (um dos mais puros do mundo), da região do sul do Tirol, na Itália, onde Robert passou sua infância.

“Essa pedra é o que existe de mais puro e tem uma energia muito forte”, explicou Robert. “É muito difícil conseguir encomendar essa quantidade, mas tenho família na região, o que tornou o sonho possível.”

O casal pediu a Turrell para esculpir uma fatia do céu dentro de uma estrutura circular com 9 metros de diâmetro e 7 metros de altura feita com esse mármore puríssimo (foram 42 toneladas vindas diretamente da Itália!).

O visitante vê o céu uruguaio através do círculo vazado na redoma de pedra branca, que muda de cor a cada 30 segundos conforme as cores e na ordem escolhida por Turrell. A cor da redoma funciona como um globo ocular e influencia como se percebe o céu, que vai se alterando a cada troca de cor.

“É um pouco como funciona a própria vida: nossa percepção varia de acordo com a lente que optamos por usar para ver os eventos vivenciados”, disse um dos visitantes na saída da experiência.

O projeto começou durante a pandemia, via zoom, e terminou com a ida ao Uruguai do artista de 82 anos, que vive praticamente recluso no Arizona. Robert contou que Turrell cuidou pessoalmente da instalação das luzes e da escolha das tonalidades considerando o local da obra. O Ta Khut ganha vida duas vezes ao dia – durante o nascer e no pôr do sol. Desde o domingo passado, Robert está promovendo recitais de música durante o pôr do sol nos fins de semana.

Turrell pede para que a experiência dure 45 minutos, não seja fotografada, e que o número de pessoas seja limitado – tudo para proporcionar um estado contemplativo.

Em 1977, Turrell iniciou um projeto monumental na Cratera Roden, um vulcão extinto no norte do Arizona. O artista esculpiu as dimensões da tigela da cratera e cortou uma série de câmaras, túneis e aberturas dentro do vulcão que aumentam nossa percepção do céu e da terra. Embora a Cratera Roden ainda não esteja aberta ao público, Turrell instalou obras em 22 países e em 17 estados dos EUA que estão abertas ao público ou podem ser vistas com hora marcada. A série de Skyspaces e as piscinas construídas dentro de uma pirâmide em Yucatán, bem como outros projetos de Ras al-Khaimah à Tasmânia, integram muitos dos princípios e recursos incorporados à Cratera Roden.

“Meu trabalho não tem objeto, nem imagem e nem foco. Sem objeto, sem imagem e sem foco, o que você está olhando? Você está olhando você olhando. O  importante para mim é criar uma experiência de pensamento sem palavras,” explica o artista.

Foto: Tali Kimelman / Posada Ayana