Somos bombardeados a todo momento por milhares de microrganismos tentando invadir nosso organismo – muitos deles camuflados ou semelhantes às nossas células.

Como o nosso sistema imunológico determina então o que deve atacar como sendo inimigo e o que deve proteger?

O trabalho na elucidação do funcionamento desses mecanismos rendeu o Nobel de Fisiologia ou Medicina deste ano, anunciado hoje.

A bióloga molecular Mary Brunkow e os imunologistas Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi receberam o prêmio por suas descobertas fundamentais relacionadas à tolerância imunológica periférica, segundo o comitê do Karolinska Institutet, de Estocolmo.

O trabalho desses pesquisadores estimulou o desenvolvimento de tratamentos médicos para câncer e doenças autoimunes – e poderá levar a transplantes mais bem-sucedidos. Vários tratamentos estão atualmente em ensaios clínicos.

“Suas descobertas foram decisivas para nossa compreensão de como o sistema imunológico funciona e por que nem todos desenvolvemos doenças autoimunes graves,” disse Olle Kämpe, o presidente do comitê do Nobel.

A primeira grande descoberta nesse campo foi feita por Shimon Sakaguchi, da Universidade de Osaka, em 1995.

Até então, predominava a visão de que a tolerância imunológica apenas se desenvolvia porque as células potencialmente nocivas eram eliminadas no timo. Sakaguchi descobriu que o sistema imunológico era mais complexo e revelou ainda a existência de uma classe até então desconhecida de células que protegem o corpo de doenças autoimunes.

Em 2021, Mary Brunkow – do Institute for Systems Biology, de Seattle – e Fred Ramsdell – da Sonoma Biotherapeutics, de São Francisco – fizeram outra descoberta essencial explicando o motivo pelo qual uma linhagem específica de camundongos era particularmente vulnerável a doenças autoimunes.

Ambos trabalhavam então juntos, em Seattle, na empresa de biotecnologia britânica Celltech Chiroscience. Eles notaram que as cobaias tinham uma mutação em um gene e lhe deram o nome de FOXP3. Revelaram ainda que mutações no equivalente humano desse gene a síndrome IPEX (desregulação imune, poliendocrinopatia e enteropatia ligada ao cromossomo X), uma doença autoimune.

Dois anos depois, Sakaguchi conseguiu montar as últimas peças do quebra-cabeças, relacionando as descobertas. Demonstrou que o FOXP3 dá as instruções para o desenvolvimento das células que ela havia identificado em 1995.

Essas células, hoje conhecidas como células T reguladoras, monitoram outras células imunológicas e garantem que nosso sistema imunológico tolere nossos próprios tecidos.

Elas suprimem a ativação e função de outras células imunes, evitando, por exemplo, a rejeição a transplantes. A disfunção dessas células pode levar a doenças autoimunes como diabetes tipo 1, lúpus, artrite reumatoide e esclerose múltipla.

As descobertas do trio levaram ao desenvolvimento de uma série de terapias para doenças autoimunes que agora estão em desenvolvimento clínico, afirmou à  Nature a imunologista Samantha Bucktrout, da Greywolf Therapeutics, de Oxford, que já trabalhou com Ramsdell.

“Se não fosse por todo esse campo de estudo iniciado por esses pesquisadores, nunca estaríamos no momento atual, em que já podemos falar em possíveis curas”, disse a pesquisadora.

Estudos recentes descobriram que pessoas com alguns distúrbios autoimunes geralmente têm poucas células T reguladoras ou células que não funcionam corretamente. Já os cânceres bloqueiam o funcionamento do sistema imunológico atraindo um emaranhado dessas células.

Marcela Maus, diretora do programa de imunoterapia celular do Hospital Geral de Massachusetts, afirmou ao New York Times que as pesquisas dos premiados “têm um enorme potencial para abrir novos caminhos terapêuticos na medicina.”

“O Santo Graal é manipular a imunidade versus a tolerância,” disse Maus. “O trabalho deles abriu a solução para um dos lados dessa equação, o da tolerância.”