Os sinais de ‘desdolarização’ da economia mundial vão se avolumando, especialmente nas reservas dos bancos centrais e nos contratos de commodities, mostra um relatório do JP Morgan.

O percentual do dólar nas reservas dos principais bancos centrais do mundo caiu ao menor valor em 20 anos, e a moeda americana vem perdendo espaço como referência nos mercados de commodities, especialmente no setor de energia.

Graças às sanções, a Rússia está usando moedas locais para as exportações de petróleo e derivados. Entre os principais compradores estão Índia, China e Turquia.

Segundo o JP Morgan, firmas indianas estão fazendo negócios com empresas russas e liquidando os contratos em iuan, a moeda chinesa.

“A tendência da ‘desdolarização’ no comércio de commodities é uma vantagem para países como Índia, China, Brasil, Tailândia e Indonésia, que não apenas podem comprar petróleo com desconto como também efetuar o pagamento em suas próprias moedas,” disse a head global de estratégia de commodities do banco, Natasha Kaneva.

Kaneva nota que isso reduz a necessidade desses países manterem reservas em dólar e em títulos americanos, “o que pode liberar capital para ser empregado em outros projetos domésticos.”   

De acordo com o relatório, outra grande tendência dessa ‘desdolarização’ é o aumento da demanda por ouro; China, Rússia e Turquia foram os maiores compradores do metal na última década.

A alocação das reservas dos emergentes em ouro mais que dobrou nesse período, de 4% para 9%.

Já as posições estrangeiras em títulos americanos vêm sendo reduzidas há 15 anos. Antes da grande crise financeira internacional, mais de 50% dos Treasuries estavam na mão de compradores de fora dos EUA; agora, o percentual caiu para 30%.

O Japão é hoje o maior detentor estrangeiro, com 4% dos Treasuries.

“Qualquer venda significativa por parte dos estrangeiros teria grande impacto, elevando os yields,” disse Jay Barry, o estrategista de renda fixa do banco.

Segundo o JP Morgan, cada 1 ponto percentual do PIB em redução das posições estrangeiras acarreta um aumento de 33 basis points nos juros dos títulos.  

“A ‘desdolarização’ é um conceito relacionado às mudanças estruturais na demanda por dólar – o que inclui seu status como moeda de reserva de valor,” diz o head de global macro research do banco, Luis Oganes.

Segundo ele, o mundo vinha de uma posição comprada em dólar, mas com a “erosão do excepcionalismo” americano, é “razoável” esperar uma redução na posse de ativos denominados na moeda americana.

O economista aponta dois vetores centrais para a perda de confiança no dólar.

O primeiro são as questões internas dos EUA, como a polarização política – que pode resvalar na governança do país e afetar sua credibilidade – e a política tarifária.

O segundo fator, diz o banco, seriam eventos externos que poderiam aumentar a credibilidade de moedas alternativas – como reformas na China, por exemplo.

“Uma candidata a reserva de valor deve ser percebida como segura e estável, além de prover a liquidez necessária para atender o aumento de demanda global,” disse o estrategista Alexander Wise.

Onde o dólar vem ganhando relevância, entretanto, é nos depósitos bancários em alguns países emergentes – sobretudo na América Latina, a região mais dolarizada do mundo.

Mas aí a questão diz respeito à falta de credibilidade de suas próprias moedas.