O decreto anunciado pelo Ministério do Meio Ambiente para regulamentar o mercado de carbono no Brasil acabou sendo, na prática, apenas um conjunto de diretrizes para que empresas e governo possam começar a trabalhar no assunto.“O decreto é a certidão de nascimento do mercado de carbono no Brasil. Mas é um bebê que ainda vai ter de se desenvolver, tirar o RG, a carteira de motorista…” Marcelo Donnini Freire, o secretário adjunto de clima e relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, disse ao Brazil Journal. O decreto está regulando (com atraso) uma lei de 2009 que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima. A lei é antiga – veio antes do Acordo de Paris, de 2015 – e não substitui a necessidade de uma lei própria para o mercado de carbono. No decreto da semana passada, o governo estabelece que todos os setores previstos nessa lei – energia, transporte público urbano, bens de consumo duráveis, química, papel e celulose, mineração, construção civil e agropecuária — deverão se reunir para definir e encaminhar ao governo suas propostas de metas de descarbonização. A partir dessas informações, comitês interministeriais vão definir as metas de redução de emissões.  Só depois disso será possível dizer que está surgindo um mercado regulado no País.Felipe Bittencourt, CEO e fundador da WayCarbon, uma consultoria recentemente adquirida pelo Santander, disse que o approach setorial é positivo e vai permitir a análise profunda das peculiaridades de cada setor. “Algumas empresas e setores ainda não estavam se movimentando por avaliar que essa é uma agenda que demoraria a chegar,” disse Felipe. “E as empresas que já estão avançadas nessa discussão estavam olhando apenas para dentro.”Um especialista disse que foi muito positivo o fato de o decreto não ter excluído os setores de mineração e pecuária. “Era uma grande preocupação,” já que há resistência dentro desses setores, disse essa fonte.  O texto deixa em aberto a possibilidade de entrada gradual de cada setor no mercado. “Por mais que o decreto não tenha trazido nada pronto, ele é importante porque, desde 2009, o ano da lei 12.187, não tínhamos nenhum marco para discussões,” disse Felipe. O decreto foi genérico até porque não há uma lei que regulamente o mercado de carbono no Brasil. Há um projeto de lei (número 528/21) do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM) em tramitação de urgência no Congresso desde novembro. O PL pretende regulamentar esse mercado, tratando da precificação e prevendo metas e punições para quem não cumpri-las. Ramos, um crítico do governo Bolsonaro, acaba de perder a vice-presidência da Câmara. O fato de o decreto ter saído antes da lei gerou críticas ao governo. “O decreto é de planejamento, traz basicamente orientações para normas futuras de regulação, mas não traz nada mandatório,” disse Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, um think thank brasileiro dedicado à política climática. Para Natalie, o mercado de carbono entrou na agenda política de um ano eleitoral, e o governo está apenas querendo mostrar protagonismo no tema, enquanto o PL está parado desde o ano passado. “Quando sair a lei, vamos ter que ter outro decreto,” ela disse. Donnini, o secretário-adjunto do ministério, disse que as discussões sobre o mercado de carbono estavam paradas há 13 anos por serem um tema complexo, que pouca gente entende, e que o Governo assumiu o compromisso de andar com essa pauta. Segundo o secretário-executivo, o PL ainda precisa ser debatido e isso vai levar tempo. “Com o decreto, a ideia é ir colocando a estrutura do mercado de pé, ao mesmo tempo em que damos força ao tema e avançamos na aprovação da lei,” disse Donnini, que antes de entrar no ministério em 2019 trabalhou com sustentabilidade na KPMG e na GameChangers, uma iniciativa internacional de fomento e apoio para organizações de impacto. Donnini disse que a expectativa é que, quando a lei for aprovada, o Brasil já esteja com as informações sobre as metas de todos os setores, o que dará agilidade ao processo. Além disso, o decreto também está definindo um outro ponto relevante: a criação de uma central de registro dos créditos, o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare). A central vai dar credibilidade e transparência aos créditos e garantir que não haverá duplicidade. “Essa central depende de tecnologia, e nós sabemos o quanto tempo demora isso. E de como as coisas andam mais devagar no setor público,” disse Marcelo. O decreto também definiu o crédito de carbono como um ativo financeiro, o que viabiliza sua compra por fundos de investimento. Hoje, gestores que desejam ter exposição ao carbono acabam tendo que acessar este mercado com uma estrutura indireta: o investidor monta um FIP, que controla uma SA, que por sua vez compra os créditos.Mas para um especialista, a classificação do carbono como ativo financeiro gera custos transacionais (escrituração, custódia, etc) que poderiam ser evitados. Em diversos outros países, o carbono é tratado como uma commodity ambiental, passando ao largo destes custos.