Quando era assessor de Bill Clinton, nos anos 90, James Carville ficou chocado com o poder que o mercado de títulos públicos exerce sobre o governo, e cunhou uma frase que ficou famosa.

“Eu costumava achar que, se houver reencarnação, eu queria voltar como Presidente ou Papa…  Mas agora, eu quero voltar como o mercado de ‘bonds’, porque você pode intimidar todo mundo!”

Desde a eleição de Donald Trump, o todo-poderoso mercado de ‘bonds’ é que está em pânico.  E é fácil entender por quê.

Se você tem um título do Tesouro americano que te paga 2% ao ano, e a inflação é zero, você tem um ‘rendimento real’ de 2%.  Mas, se a inflação subir de zero para 2%, aquele seu rendimento real cai para zero.  Neste cenário, se você tiver que emprestar dinheiro novamente para o Governo americano, você provavelmente vai pedir um juro mais alto (muito muito mais que 2%.)

É isso que está acontecendo no mercado de Treasuries (como os títulos de dívida do Tesouro americano são chamados):  como o rendimento dos títulos deixa de ser interessante quando a inflação aumenta, os investidores, apostando que Trump vai gerar inflação, estão pulando do barco.

Na véspera da eleição de Trump, o título do Tesouro americano de 30 anos — que sinaliza o juro de longo prazo no País — rendia 2,60%;  ontem, fechou em 3,06%, o maior nível em 11 meses.  (Veja gráfico no final da página)

Mas por que o mercado de títulos acha que Trump vai gerar inflação?

Ainda que o mundo saiba muito pouco sobre as convicções econômicas de Trump, há pelo menos uma certeza: ele vai cortar os impostos nos EUA — tanto para as empresas quanto para as pessoas físicas.

Como o Partido Republicano agora tem a Casa Branca e maiorias na Câmara e no Senado, a tramitação deve ser fácil, e o corte de impostos pode virar lei já nos primeiros 100 dias.

A profundidade e o escopo dos cortes podem ter implicações positivas para a economia americana, que pode se aquecer.

Mas se o corte de impostos não for acompanhado de um corte de gastos na mesma proporção, isso vai levar a um aumento da dívida americana ou a um aumento na inflação.  Ou ambos.  Qualquer uma destas hipóteses levaria a juros mais altos lá, o que teria o efeito perverso de aumentar o custo de capital em todo o planeta. (Como o Tesouro americano é considerado o melhor pagador do mundo, todas as outras taxas de empréstimos no mundo têm, como base, o rendimento dos Treasuries.)

Alguns especialistas dizem que a conta das promessas de Trump não fecha.

O Tax Policy Center (TPC), um think tank apartidário afiliado à Brookings Institution, fez as contas (antes de Trump ser eleito) e concluiu:  se o plano Trump for implementado exatamente como prometido, a arrecadação federal vai cair US$ 6,2 trilhões ao longo dos primeiros 10 anos e mais US$ 8,9 trilhões na década seguinte.  Cerca de 75% dessa perda de arrecadação virá do corte de impostos para as empresas.  

Essas estimativas, no entanto, não consideram duas coisas:  como terá menos receita, o Governo se endividará mais, e com isso gastará mais com juros.  Outra coisa fora dos números: os efeitos macroeconômicos positivos que virão com o corte de impostos. Em tese, o corte de impostos vai levar o PIB americano a crescer muito mais, gerando mais arrecadação (apesar das alíquotas mais baratas).  Essa tese é chamada de ‘trickle down economics’ — a bondade que você faz lá em cima desce para o andar de baixo — e é um mantra do Partido Republicano desde o Governo Ronald Reagan.

Durante a campanha, Trump disse que seus cortes de impostos injetariam de US$4 trilhões a US$6 trilhões na economia ao longo de 10 anos. (O PIB americano é de US$ 17 trilhões.)

Para o TPC, a conta simplesmente não fecha.

Em colaboração com o Penn Wharton Budget Model (PWBM) — explicaremos mais adiante de quem se trata — o TPC fez duas simulações levando em conta o maior crescimento do PIB.

“Ambas as estimativas indicam que o plano aumentaria o PIB no curto prazo, reduzindo o efeito de queda da arrecadação que o plano gera. No entanto, incluindo os custos de juros, a dívida federal aumentaria em pelo menos US$ 7 trilhões ao longo de dez anos, mesmo com esses efeitos macroeconômicos positivos sobre as receitas. Até 2024, o PWBM indica que o PIB seria menor do que seria de outra forma, porque crescentes déficits orçamentários empurrariam para cima as taxas de juros e inibiriam o investimento, e a dívida federal aumentaria em US$ 22,1 trilhões até 2036.”

É claro que essas estimativas são sensíveis às premissas que você adota. A taxa de poupança, o nível de investimento e a oferta de trabalho podem responder melhor do que os modelos sugerem, e o PIB pode crescer muito mais.  Ou não.

Afiliado à Universidade da Pensilvânia, o Penn Wharton Budget Model (PWBM) é uma organização de pesquisa aplicada apartidária cujas análises ajudam os formuladores de políticas públicas, o público e as empresas a tomar decisões; a PWBM não recomenda nada, apenas analisa os dados.

Trump disse que vai cortar gastos — mas não se sabe ainda onde ou quanto ele pretende cortar. O difícil vai ser fazê-lo e ao mesmo tempo proteger os trabalhadores deslocados pela globalização — e que, em grande parte, ajudaram a elegê-lo.  Os Republicanos sempre foram a favor de cortes na Previdência (Social Security) e em programas sociais como o Medicare, e a bancada na Câmara pode ajudar a temperar o populismo de Trump.

 

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