Donald Trump conseguiu tirar os pacíficos canadenses do sério.
Canada is not for sale era a mensagem escrita no boné da campanha eleitoral de Doug Ford, que acaba de reeleger como o premiê de Ontário, a mais populosa e industrializada província do Canadá – e também a mais diretamente atingida pelas tarifas de Trump.
Ford, que já enfrentou o aumento das tarifas durante o primeiro governo do Republicano, tem liderado as reações contra a nova onda protecionista e preparou uma série de retaliações para entrar em vigor assim que os EUA começarem a sobretaxar as exportações de sua província.
Com 16 milhões de habitantes, Ontário tem 40% da população canadense e é responsável por 38% do PIB nacional.
É lá que se concentram as montadoras, as empresas de tecnologia e boa parte das fábricas que serão penalizadas pelas tarifas de 25% contra os produtos industrializados e de 10% contra as exportações de petróleo, gás e energia.
Ford, do Progressive Conservative Party, saiu vencedor na votação da semana passada ao colocar a batalha contra Trump como a sua prioridade de campanha. Ele anunciou que irá impor uma taxa adicional de 25% nas exportações de energia para três estados americanos: Michigan, Nova York e Minnesota.
Se Trump escalar ainda mais as tarifas em represália, como já prometeu, o primeiro-ministro de Ontário ameaça interromper o fornecimento de eletricidade para esses três estados, onde cerca de 1,5 milhão de residências e empresas recebem eletricidade gerada em sua província.
A estratégia é simples: fazer com que os americanos sintam no bolso o custo da guerra tarifária de Trump.
Em outra retaliação, Ford determinou que as lojas de bebidas controladas pela província deixem de vender uísques, vinhos e outras bebidas alcoólicas produzidas nos EUA – uma importação de quase US$ 700 milhões por ano. Quebec e outras províncias tomaram decisões semelhantes. As garrafas de Jack Daniel’s e dos vinhos do Napa Valley já voltaram para o estoque e estão fora das prateleiras.
Ontário vai ainda encerrar todos os contratos com a Starlink, a empresa de internet via satélite de Elon Musk, um contrato de US$ 100 milhões/ano.
Na terça-feira, Ford teve uma reunião com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, e pediu que ele não atacasse “o seu melhor amigo.” Em entrevista à rede americana ABC, o canadense disse que ambos os países se ajudam “há mais de um século” e “queremos continuar fazendo isso.”
“Veremos fábricas fechando nos EUA, possivelmente linhas de montagem de veículos serão paralisadas nos próximos dias,” disse Ford, citando a dependência mútua das indústrias dos dois países. “Qual a razão disso? Não entendo! É a ideia mais maluca que alguém poderia ter tido.”
Trump sinalizou que vai adiar mais uma vez a cobrança de tarifas sobre alguns produtos do Canadá. Mas, assim como Ford, o que todos se perguntam é: Qual a razão disso?
Por que o ataque a um parceiro leal, pacífico e com o qual a economia dos EUA mantém uma gigantesca complementaridade?
Oficialmente, a justificativa de Trump é que os vizinhos do norte não estão fazendo a parte deles no combate à entrada de imigrantes ilegais e no tráfico de fentanil. Os números mostram, entretanto, que essas ‘razões’ beiram a irrelevância.
As especulações correm soltas na imprensa e nas redes sociais, mas as ‘explicações’ mais plausíveis parecem ser de ordem pessoal. Trump não gosta do progressista Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadense em final de mandato.
A relação de Trump com Trudeau teria azedado a partir de divergências durante uma reunião do G7 em 2018, em Quebec. Assessores do americano saíram acusando o canadense de má-fé diplomática, especialmente na redação do documento final do encontro.
Questionado recentemente sobre os motivos dos ataques, Trudeau disse que o plano trumpista é deixar a economia do país de joelhos e incitar um movimento para transformar o Canadá no 51° estado americano.
Diz ainda que Trump quer colocar as mãos nos recursos minerais do país. Analistas independentes, contudo, consideram as ‘explicações’ de Trudeau um discurso de palanque.
Steve Bannon, o agitador da direita americana e ex-estrategista de Trump, disse ao Global News, do Canadá, que o projeto do presidente americano é controlar todo o hemisfério e o Ártico – aquilo que, na visão dele, seria “o novo Grande Jogo do século 21.”
Segundo Bannon, quando Trump fala no Canadá como o 51° estado americano, a ideia seria ter uma parceria em um projeto comum, e não a anexação do vizinho.
Ainda de acordo com Bannon, Trump respeita o Canadá, sabe da importância histórica do país em momentos como a Segunda Guerra Mundial e teria grande apreço pela população local. A birra é com Trudeau – “um punk (inútil) e muito próximo do Partido Comunista Chinês.”
Nas especulações das redes sociais, contudo, a razão de fundo da ira é mais mundano: Trump não teria gostado nem um pouco de uma foto em que sua mulher, Melania, parece prestes a beijar Trudeau durante a reunião do G7 em 2019, em uma ensolarada Biarritz, na França.
“Com Trump, política é sempre algo pessoal,” disse ao New York Times um antigo assessor do presidente americano.