Nem deu tempo para festejar.
Mal o Marco Legal das Garantias começou a valer na prática e já há o risco de um de seus instrumentos de recuperação de bens ser enfraquecido por causa de uma reviravolta no STF.
Em julho, os ministros do Supremo haviam decidido que os bens dados em garantia nos empréstimos – como o automóvel, no financiamento de carros – podem ser recuperados de maneira extrajudicial. O objetivo é acelerar a hoje penosa e demorada execução das garantias, o que ajudaria a reduzir o custo do crédito e aumentar a oferta.
Na época, a decisão foi comemorada pelos bancos e financeiras. Isso porque, segundo a Febraban, a taxa de execução do colateral hoje é de 18%, contra uma média de 53% em países emergentes.
Mas passados três meses, o Ministro Dias Toffoli – o relator de ações que contestam o novo marco legal – decidiu voltar atrás e reviu parte de sua decisão. O ministro vetou a possibilidade da execução fiduciária ser feita diretamente pelos Detrans.
“Atribuir os procedimentos extrajudiciais aos órgãos de trânsito fragiliza a garantia dos direitos constitucionais dos devedores,” disse Toffoli em seu voto.
Segundo Toffoli, “é compreensível a primazia da atuação dos cartórios, uma vez que tais órgãos têm como atribuições o registro e a formalização de atos jurídicos, sendo titularizados por bacharéis em direito com notórios conhecimentos jurídicos.”
Se este entendimento prevalecer, a execução poderá ser feita apenas pelos cartórios ou a via tradicional da Justiça.
A reviravolta ocorreu depois de uma ação de inconstitucionalidade apresentada pela Associação Federal dos Oficiais de Justiça.
Cristiano Zanin acompanhou o voto de Toffoli. Na segunda-feira, Gilmar Mendes pediu vista, suspendendo o julgamento por até 90 dias.
Segundo a Associação Nacional das Instituições de Crédito e Investimento (Acrefi), que atua como amicus curiae no processo, a mudança de entendimento poderá sabotar os avanços vislumbrados pela nova legislação.
“Hoje, todo registro de garantia já é feito nos Detran. Toda a vida do veículo é feita nos Detrans. Não é como no caso dos imóveis, com registros nos cartórios,” Cíntia Falcão, a diretora jurídica da Acrefi, disse ao Brazil Journal. “Quando você faz um financiamento de veículos, o contrato é registrado no Detran, não no cartório.”
Se a execução puder ser feita diretamente por meio dos Detrans, a expectativa é de redução de prazos, como indicam algumas iniciativas recentes de implementar a execução extrajudicial.
De acordo com a Acrefi, um projeto no Mato Grosso do Sul reduziu para 30 dias a solução do protesto – seja entrega amigável ou apreensão. Em São Paulo, um piloto teve início na semana passada. De 268 demandas, já houve notificação efetiva de 180 devedores.
Atualmente, os cinco maiores financiadores de veículos do País ajuízam mensalmente cerca de 6.000 ações de busca e apreensão. Em média, são necessários 118 dias para ter uma liminar deferida.
A Febraban, que também participa do processo como amicus curiae, disse numa petição apresentada ao Supremo que a manutenção da decisão anterior é “vital para a estabilidade econômica e a redução do custo do crédito” e que a “lei, ao instituir mecanismos mais céleres e eficazes para a recuperação de garantias, fomenta a concessão de crédito, com juros mais baixos, beneficiando toda a sociedade.”
Ainda de acordo com os advogados, “o fato de a contestação da dívida, no âmbito do procedimento perante os órgãos de trânsito, ser avaliada inicialmente pelo próprio credor fiduciário não elimina o direito do devedor de buscar o Judiciário para discutir a validade do débito ou qualquer outra irregularidade no procedimento.”
Segundo Cíntia Falcão, da Acrefi, os Detrans de cada estado estão criando suas regulamentações regionais. Haverá possibilidade de defesa e contraditório dos devedores – inclusive porque os departamentos de trânsito já mantêm parcerias com órgãos da Justiça em diversas situações.
“Entendemos que os argumentos trazidos no voto do relator estão completamente superados,” disse Cíntia.