Acionistas minoritários da Kora Saúde receberam com estranhamento a proposta da HIG Capital de tirar a empresa do Novo Mercado e fazer uma OPA ao preço máximo de R$ 0,87 por ação, o mesmo preço do fechamento do dia anterior ao anúncio.
A proposta foi apresentada domingo à noite ao conselho pela gestora americana de private equity, que detém 68% do capital da Kora. Os médicos fundadores têm outros 12% e o free float é de 20% das ações.
A HIG investiu na Kora em 2018 e levou a companhia para a Bolsa dois anos depois, vendendo cada ação a R$ 7,20.
O argumento da gestora para a saída do Novo Mercado — o segmento de mais alta governança da B3 — é de que ele cria restrições para a captação de recursos que resolveriam a estrutura de capital da companhia.
Na proposta, a HIG chegou a citar a emissão de ações preferenciais e a fusão com empresas “nacionais e estrangeiras” que não integrem o Novo Mercado.
Um acionista relevante do free float, no entanto, chamou a proposta de “uma quebra de contrato.”
“Quando você lista uma empresa no Novo Mercado você sabe que um dia vai precisar levantar dinheiro ou fazer um M&A. Se depois não quer fazer da forma que o Novo Mercado permite, isso é um contrato enganoso,” disse ele. “Tem que ser na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Em todos os momentos da vida.”
Esse acionista disse ainda que o movimento é um “exemplo ruim para o mercado de capitais” e uma “decisão estranha para uma empresa de private equity que vai precisar fazer outros IPOs e que depende do mercado.”
A HIG já levou três empresas de seu portfólio para a Bolsa — a Kora, a Eletromidia e a Desktop — e tem outros 10 investimentos no Brasil, que provavelmente usarão a Bolsa como porta de saída em algum momento.
Outro grande acionista do free float disse que a proposta precisa ser dividida em duas: a saída do Novo Mercado e o preço oferecido na OPA.
“A migração para o segmento tradicional acho que tem um ângulo que pode fazer sentido. Vai reduzir a governança, mas talvez seja algo necessário para conseguir fazer uma emissão de dívida conversível ou de ações preferenciais,” disse ele.
Agora, o preço de R$ 0,87 da OPA “é baixíssimo.”
“O cara está querendo comprar os minoritários a R$ 0,87 depois de ter feito o IPO a R$ 7,20,” disse esse gestor. “E olhando a foto da operação, ela está melhorando. A empresa tem um problema de capital de giro como todo o setor, mas a operação em si está melhor.”
“Precisa resolver a estrutura de capital? Vamos resolver juntos. O que não dá é: ‘você resolve e a gente fica de fora’.”
O outro gestor descreveu a situação com uma analogia simples: “Eles estão vendo o avião decolando e estão querendo decolar sozinhos.”
A Kora de fato está com uma estrutura de capital estressada: ela tem mais de R$ 2 bilhões de dívida líquida, com uma alavancagem de mais de 4x EBITDA, considerando os M&As a pagar.
Esse gestor ponderou, no entanto, que hospital é um negócio que aguenta uma alavancagem um pouco maior, já que os bancos em geral são mais abertos para emprestar para essas empresas porque são ativos “valiosos e únicos.”
“Se a empresa está com um problema para rolar a dívida, aí realmente tem que fazer algo. Mas senão acho que dá para aguentar o tranco mais um pouco, até porque o pior da crise do setor já ficou para trás.”
Na avaliação do valor justo da Kora, também é preciso levar em conta sua atratividade para outros players do setor, na visão desses gestores.
A companhia tem hospitais em regiões complementares ao portfólio de empresas como a Rede D’Or, Mater Dei e Dasa, que estão focadas mais em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.
Com operações em Goiânia, Espiríto Santo e Mato Grosso, a Kora poderia se tornar em algum momento um alvo interessante para essas companhias.