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Aclamado pelo Vale do Silício e Wall Street como a esperança do capitalismo americano, Donald Trump agora promove o investimento estatal em indústrias ‘estratégicas’ – seguindo o playbook do capitalismo mágico latino-americano. 

O governo dos EUA será o maior acionista da Intel, com uma participação de 10% no capital, depois de ter acertado a conversão em ações de um empréstimo feito à empresa em 2022, no âmbito de leis e programas de apoio à indústria de semicondutores aprovados no Governo Biden. 

Segundo a Intel, a participação acionária do governo será financiada pelos US$ 5,7 bilhões restantes em subsídios concedidos anteriormente (mas ainda não pagos) sob o CHIPS Act e o Science Act, e pelos US$ 3,2 bilhões concedidos à empresa como parte do programa Secure Enclave, de fornecimento de semicondutores ao Departamento de Defesa dos EUA. 

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O investimento de US$ 8,9 bilhões se soma aos US$ 2,2 bilhões em subsídios do CHIPS que a Intel recebeu até o momento, totalizando um investimento de US$ 11,1 bilhões feito pelo setor público. 

O governo americano ficará com 433 milhões de ações convertidas ao preço de US$ 20,47 por ação. Não terá assentos no conselho nem direitos especiais. A Intel, a princípio, manterá sua independência operacional. 

Desde o anúncio do deal, a ação da empresa subiu mais de 20%. Estava em US$ 20,41 no dia 6 de agosto e agora negocia a US$ 24,80.

A transação parece ter saído do playbook do BNDES, que por meio da BNDESPar mantém um longo histórico de operações de resgate de empresas em apuros. 

“A Intel está profundamente comprometida em garantir que as tecnologias mais avançadas do mundo sejam fabricadas nos EUA,” disse Lip-Bu Tan, o CEO da Intel, em um comunicado ao mercado. 

“O foco do Presidente Trump na fabricação de chips nos EUA está impulsionando investimentos históricos em uma indústria vital, essencial para a economia e a segurança nacional do país,” disse Tan. “Somos gratos pela confiança que o Presidente e o Governo depositaram na Intel e estamos ansiosos para trabalhar para promover a liderança tecnológica e manufatureira dos EUA.” 

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Tan, que há poucos dias havia sido acusado por Trump de ‘conflito’ no cargo por suas ligações com empresas chinesas, desdobrou-se em agradecimentos ao presidente e ao secretário de Comércio, Howard Lutnick. 

A Intel, que já foi líder em semicondutores mas ficou para trás tanto em design como na forja de chips, não deve ser o único alvo das sociedades forçadas com Trump.

O mesmo poderá acontecer com a Nippon Steel em sua proposta de aquisição da US Steel – e vem mais por aí.

Numa entrevista à CNBC, Lutnick disse que a Casa Branca avalia como alterar seu relacionamento com os fornecedores do Pentágono – empresas como a Lockheed Martin, Boeing, General Dynamics e a ‘novata’ Palantir. 

Como disse o secretário, a Lockheed é “basicamente um braço do governo americano” porque quase toda a sua receita sai dos contratos com o Departamento de Defesa. 

Os contratos com o setor público dos EUA foram responsáveis por cerca de 73% das vendas da Lockheed Martin no ano passado. A empresa fabrica, por exemplo, os caças F-35 e F-22. 

Empresas como a Northrop Grumman e Huntington Ingalls são ainda mais dependentes dos contratos com o governo americano, fonte de mais de 80% de suas receitas, segundo a Bloomberg. 

De acordo com Lutnick, Trump e o Departamento de Defesa estão repensando a maneira como os investimentos no setor são estruturados. 

“A maneira como vem sendo feito é uma dádiva [para as empresas],” disse Lutnick. 

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Em faturamento, a Lockheed é a maior fabricante de equipamentos de defesa do mundo. 

Embaralhando as tradicionais linhas divisórias da política americana, a participação na Intel e possíveis intervenções do tipo receberam críticas de liberais puro-sangue do Partido Republicano e ganharam aplausos dos radicais de esquerda. 

“Se socialismo é o governo ter posse dos meios de produção, não seria a participação do governo um passo na direção do socialismo?” tuitou o Senador Rand Paul, republicano que no passado foi um dos expoentes do Tea Party. Ele é filho do libertário Ron Paul e compartilha muitas das ideias do pai. 

“Hoje é a Intel, amanhã poderá ser qualquer indústria,” declarou Paul. “O socialismo é, literalmente, o controle dos meios de produção pelo governo.” 

Já o Senador Bernie Sanders, um ex-democrata e hoje independente, elogiou a decisão de Trump e disse que ela se assemelha a uma proposta que ele havia feito. 

“Os pagadores de impostos não deveriam prover bilhões de dólares em auxílio corporativo para companhias grandes e lucrativas, como a Intel, sem receberem nada em troca,” disse Sanders. 

Como lembra uma reportagem do Wall Street Journal, Trump nunca foi um defensor doutrinário do livre mercado.

Em uma entrevista à revista Time no início do ano, o Presidente disse que vê a economia como “uma loja gigante e linda” – e “em nome do povo americano, eu sou o dono da loja, defino os preços e digo: se você quiser comprar aqui, é isso que você tem que pagar.” 

O mercantilismo anacrônico do tarifaço já havia evidenciado que trumpismo não rima como liberalismo. Agora, analistas veem paralelos crescentes com o ‘capitalismo com características chinesas.’ 

“A China obteve sucesso nos últimos 50 anos por meio do capitalismo de Estado, não do capitalismo de livre mercado,” Ian Bremmer, o CEO da Eurasia, disse no X. “Os EUA estão se inclinando nessa direção porque muito do ‘capitalismo’ americano é, na verdade, oligarquia.” 

De acordo com Bremmer, as grandes corporações multinacionais estão interessadas em buscar vantagem por meio da captura do processo político, usando o dinheiro de lobby para obter vantagens. 

“Isso é oligarquia. Isso é cleptocracia,” disse Bremmer. “Também não é capitalismo se você recebe os seus merecido dividendos quando é eficiente, mas quando tem prejuízos com seu modelo de negócio, você diz: ‘Bom, isso não é nossa responsabilidade. Isso é responsabilidade do governo.”