Para encontrar o melhor bar de drinques de São Paulo é preciso fugir do circuito Itaim-Jardins-Pinheiros.

No térreo de um edifício cinquentenário encravado entre a avenida Brigadeiro Luiz Antônio e a rua Manuel da Nóbrega, colado à avenida Paulista, uma galeria comercial movimentada e sem qualquer vestígio de charme abriga um punhado de lojas e restaurantes (na primeira vez em que estive ali o cenário me pareceu tão improvável para abrigar um lugar descolado que achei que estivesse com o endereço errado). 

O bar permanece com a porta estreita fechada todo o tempo – inclusive quando está em funcionamento. Uma placa discreta fixada na parede cinzenta sinaliza que ali é o The Punch – The Japanese Cocktail Bar. Para entrar é preciso tocar a campainha. E quando abrirem a porta, você vai entender o porquê de tanta discrição.

Moldado à imagem e semelhança dos tradicionais bares de coquetéis do Japão, o The Punch é minúsculo. Em torno do elegante balcão de madeira podem ser acomodadas apenas 11 pessoas – e na única mesa do salão há lugar para até quatro clientes. 

O espaço exíguo exige reserva antecipada, com duas opções de horário por noite. Ao fundo, uma música suave – geralmente jazz – permite aos clientes conversar em voz baixa. 

Uma estante de bebidas com quase 500 rótulos é o destaque da decoração. Para escolher um drink é possível consultar a carta em QR code. (Eu nunca a olhei – e se fosse você faria o mesmo.)

A mágica acontece quando Ricardo Miyazaki, o dono e bartender do The Punch, começa a perguntar ao cliente o que gostaria de beber. Gosta de coquetéis cítricos? Amargos? Doces? Secos? Qual a base alcoólica favorita: gin, uísque, tequila, vodca ou outra? Do que não gosta? 

A partir das respostas, Miyazaki sugere o drink. Pode ser um autoral como o Green Garden, uma combinação de Roku Gin Suntory, maceração de shisô verde, suco de limão siciliano, Japanese Bitter de shisô e xarope simples, ou o Kuro Bunê (o coquetel mais pedido do bar), feito com bourbon Maker’s Mark, Shochu Ginza No Suzume, licor Umeshu Genshu, vermute Punt & Mes e bitter Peychauds decorado com uma fina fatia de laranja desidratada flambada e uma ameixa seca. 

Entre os clássicos, Ricardo diz que o da vez é o Fitzgerald: gin Beefeater London Dry, suco de limão siciliano, Bitter Aromático Angostura e xarope simples. Em comum todos são executados com maestria e servidos em copos garimpados em antiquários – boa parte deles de cristal francês.

Não por acaso, no The Punch a conversa inicial com os clientes lembra vagamente uma “entrevista”. Formado em design e ex-executivo de uma montadora japonesa, Miyazaki teve entre suas atribuições durante anos acompanhar pesquisas com consumidores. 

Foi sobretudo nas qualitativas que desenvolveu a habilidade de entender o que o cliente quer e do que gosta (ainda que o próprio consumidor às vezes nem saiba explicar direito). 

Por isso é comum ver frequentadores de primeira viagem chegarem cheios de convicções – que o bartender se diverte em desconstruir. 

“A ideia é levar o cliente a experimentar novos sabores e derrubar preconceitos,” diz Miyazaki. 

Quem já é habitué normalmente segue as recomendações de olhos fechados e não se arrepende. Numa visita semanas atrás, numa noite de calor infernal, eu disse a ele que queria me sentir na praia. 

Ricardo traduziu meu desejo num daiquiri impecável (Rum Havana 3 anos, Bob’s Bitters Daiquiri, suco de limão taiti e xarope simples). Já no primeiro gole, eu quase consegui ouvir o barulho do mar.

Outra preciosidade do bar é sua carta de uísques. Mais da metade dos single malt disponíveis vem do Japão. Entre eles estão rótulos pouco encontrados no Brasil, como o Okayama Special Limited Edition 2023 Mizunara Cask Strength (envelhecido em barris de mizunara, uma espécie de carvalho japonês, o uísque ganha delicadeza e sabor únicos), o Kanosuke Special Edition e o Suntory Yamazaki 18 anos Mizunara Oak Cask.

Miyazaki e sua mulher, Naomi, também nissei, sempre gostaram de receber em casa. Chegaram a pensar em abrir um izakaya, o tipo de bar japonês informal que serve alimentos e bebidas. Mas depois de muitas conversas, concluíram que seria melhor focar exclusivamente em um lugar para drinks. 

O sonho começou a ganhar contornos reais em setembro de 2019, quando Miyazaki embarcou para Tóquio com o objetivo de aprender mais sobre a coquetelaria japonesa, considerada uma das melhores do mundo. Em duas semanas conheceu 18 bares clássicos, algumas destilarias e um punhado de empresas que vendem equipamentos para esse tipo de estabelecimento. 

Foi lá também que viu como o conceito de omotenashi era colocado em prática. “É uma palavra que traduz a preocupação japonesa com a hospitalidade. O cliente precisa se sentir em casa,” explica. Quase um ano depois, em plena pandemia, o The Punch começou a operar.

Quem garante o omotenashi que inspirou Miyazaki é Naomi. É ela quem recebe os clientes com um sorriso – e quem prepara e serve as poucas opções de petiscos do bar (para aplacar a fome, a dica é passar em algum dos restaurantes também localizados na galeria, como o tradicional Sushiguen ou o Kan Suke, com uma estrela Michelin). 

Discreta e ágil, Naomi desliza pelo salão, garantindo que todos estejam curtindo a experiência. E quando o movimento aperta, vai para trás do balcão preparar ótimos coquetéis.

Para garantir um ambiente calmo e acolhedor, os Miyazaki têm algumas regras. Uma delas é não receber grupos grandes, para evitar os muitos decibeis. Outra é que todos devem beber sentados — e não ficar circulando pelo bar com o copo na mão. 

O bartender fica ligeiramente contrariado quando nota que um cliente não degusta a bebida da forma mais adequada. Na minha visita mais recente, pedi um Dry Martini “First Class”, com Gin Martin Millers, vermute Oscar 697 e Aromático de Laranja Angostura). 

Logo que Ricardo o pousou no balcão, me joguei na azeitona que decorava o drink. Senti seu olhar de reprovação. Eu, que sou fã do coquetel, já sabia qual tinha sido a minha bobagem. Mesmo assim resolvi perguntar ao bartender o porquê de sua quase imperceptível careta. 

“Você deve comer a azeitona apenas quando chegar no terço final do drink. Só assim tem a experiência sensorial completa,” ensinou. Lição (re)aprendida.

 Cristiane Correa é jornalista e escritora.