Em uma semana de abertura nos juros longos em vários países, o Tesouro Nacional fez duas grandes emissões – uma de títulos externos e uma de NTN-Bs no mercado local. Os resultados, dentro das possibilidades, foram bem-recebidos pelo mercado.

Na colocação de títulos no mercado local, o Tesouro mudou sua maneira de atuar desde a chegada de Daniel Leal, que assumiu em janeiro a Subsecretaria de Dívida Pública.

Segundo executivos de tesouraria e gestores de renda fixa, Leal adotou uma estratégia mais flexível em relação ao que vinha sendo feito até o ano passado – deixando de ficar preso ao Plano Anual de Financiamento (PAF) e realizando colocações extraordinárias quando se abrem oportunidades, como a desta semana. 

“A gestão anterior não suingava muito as ofertas conforme o apetite do mercado. Acabou focando muito em emissões pós-fixadas. Evitou chancelar a alta dos juros longos, mas a composição da dívida ficou muito ruim, contra a própria estratégia do PAF,” disse o tesoureiro de um grande banco. “Com o Daniel, a gestão ficou mais tática.”

Agora o Tesouro vem respondendo mais rapidamente às sinalizações do mercado, fazendo grandes emissões quando o mercado está mais propenso ao risco e tirando o pé quando o mercado está mais estressado. Também está ofertando mais prefixados e títulos indexados à inflação, em diversos vértices, o que ajuda a estabelecer benchmarks para as emissões de dívida privada.

O calendário das emissões programadas passou a ser trimestral em vez de anual. Mas quando se abrem janelas de maior apetite por risco e o mercado demanda mais liquidez em alguns vértices, o Tesouro tem realizado vendas extraordinárias – ‘off-the-run’ – como a de quarta-feira.

Foram vendidas 4,5 milhões de NTN-Bs, totalizando R$ 17,7 bilhões – uma das maiores emissões da história –, com vencimentos em 2040, 2050 e 2055. As taxas ficaram acima de IPCA + 7%.

“O cenário externo, de dólar enfraquecido e juros globais inclinados, tem favorecido as emissões brasileiras,” Rafael Pistelli, o diretor de market-making no flow do Santander, disse ao Brazil Journal. “O Tesouro vem conseguindo reformar o colchão de liquidez e melhorar a composição da dívida, reduzindo riscos ante um cenário bastante desafiador à frente.”

Por ‘cenário desafiador’ entenda-se ano eleitoral se aproximando – e um quadro fiscal que inspira atenção, não apenas no Brasil mas em boa parte do mundo.

Segundo Pistelli, as emissões off-the-run, como a feita nesta semana e outra expressiva em abril, permitem capturar distorções do mercado e, ao mesmo tempo, “oxigenam o mercado secundário em pontos mais ilíquidos.”

Atualmente é mais ‘barato’ emitir NTN-Bs do que prefixados. Isso porque a inflação real implícita na curva pré está elevada, bem distante da meta. Se a inflação efetiva for menor que a implícita – o que é bastante provável, de acordo com gestores – as emissões de indexados acabaram tendo um custo menor para o Tesouro do que os prefixados.

Os fundos de pensão de estatais estão entre os maiores compradores dos títulos indexados à inflação. Ajudou aí o fato de eles terem conseguido emplacar, no ano passado, a mudança na marcação desses títulos – que deixou de ser feita ‘a mercado,’ refletindo a volatilidade diária nas cotações dos papéis, e passou a ser feita ‘na curva’ – pelo retorno nominal contratado.

Os gestores desses fundos vinham pressionando há tempos o Governo para poderem marcar os títulos públicos na curva, e assim poderem comprar mais papéis longos sem que os beneficiários dos planos sintam o impacto da volatilidade em seus extratos.

Apesar de críticas por parte de participantes de mercado que defendem a marcação a mercado como mais transparente, para o Tesouro a alteração foi conveniente: ampliou a demanda pelos títulos indexados de maior duration.

Os dados até o fim de agosto mostram que o Tesouro vem emitindo dívida nova ao ritmo de R$ 35,4 bilhões por semana, em média. Pelo PAF, entretanto, o total estimado para o ano é de R$ 1,461 trilhão, o que daria uma média semanal de R$ 29,2 bilhões.

“O Tesouro vem aproveitando as condições favoráveis no mercado para reforçar o colchão de liquidez. É um movimento prudente, diante da possibilidade de maior volatilidade em 2026, anos das eleições presidenciais,” disse Sérgio Goldenstein, sócio-fundador da Eytse Estratégia.

De acordo com Goldenstein, se o Tesouro mantiver o atual ritmo, ele chegará ao fim do ano com um colchão de R$ 1,17 trilhão – um número próximo do maior valor já registrado, que foi R$ 1,28 trilhão.

Nesse patamar, calcula Goldenstein, o Tesouro poderia cobrir oito meses de vencimentos em 2026 sem fazer nenhuma emissão. Em 2024, o colchão encerrou o ano em R$ 860 bilhões.

“O Tesouro alongou os prazos, melhorou o perfil da dívida, mas isso não vem de graça. Há um custo fiscal, ao travar por um período mais prolongado o nível atual de juros,” disse Goldenstein. “Quem sabe o Tesouro pudesse ser um pouco mais comedido.”

BJ ARCHIVES

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