Ontem começou mais uma edição do Tour de France, a mais prestigiada e disputada prova de ciclismo de estrada do mundo. Este ano, os 176 atletas percorrerão 3.320 quilômetros em 21 etapas, cruzando 13 regiões e 34 departamentos da França, com desnível acumulado de impressionantes 51.550 metros.
Para além da disputa esportiva, o Tour é uma viagem pela geografia, história e cultura francesas e, em algumas etapas, brinda o espectador com vinhos de altíssima qualidade.
Há muitos anos, tenho o prazer de colaborar com a transmissão do Tour de France na ESPN, comandada pelos craques Renan do Couto e Celso Anderson, compartilhando dicas sobre os vinhos e cada região vinícola por onde o pelotão passa.
Embora parte do trajeto deste ano passe por regiões sem tradição vitivinícola, há momentos do percurso em que o vinho e o ciclismo se encontram de forma emocionante, e é sobre esses encontros que me debruço a seguir.
Etapa 8 – Vale do Loire: onde a Chenin Blanc brilha
Após passagens por Lille, Normandia e Bretanha, o pelotão chega ao Vale do Loire, berço de alguns dos melhores brancos da França. A cerca de 90 km ao sul da chegada em Laval está a pequena Savennières, uma AOC (Appellation d’Origine Contrôlée) especializada em vinhos brancos intensos, produzidos com a casta Chenin Blanc.
Etapa 9 – Chinon: Cabernet Franc com história
A largada acontece em Chinon, vilarejo às margens do rio Vienne, imortalizado em 1429 como o local onde Joana d’Arc convenceu o Delfim Carlos VII a permitir que liderasse os franceses contra os ingleses. Assim como sua história, os vinhos de Chinon são marcantes, com estrutura, mas sempre com frescor e alegria. São muito gastronômicos. Essa combinação entre passado glorioso e tintos intensos, sempre com a casta Cabernet Franc predominante, faz de Chinon uma das paradas mais emblemáticas do Tour.
Etapas 11 a 15 – Occitânia, Pirineus, Cassoulet e Tannat
As etapas pelos Pirineus começam em Toulouse, na Occitânia, onde o esforço dos ciclistas se encontra com paisagens épicas e os sabores da região.
Na etapa 14, a largada é em Pau, cidade próxima à AOC Madiran, berço da uva Tannat, que ganhou notoriedade no Uruguai, mas tem origem francesa. Seus tintos são escuros na cor, exuberantes nos aromas e com taninos firmes, aliados à potência e profundidade. Para quem aprecia a casta Tannat provar um vinho dessa AOC é um “must”.
Já na etapa 15, os atletas chegam a Carcassonne, cidade medieval famosa por seus cassoulets, prato robusto que merece um vinho à altura. Os vinhos da AOC Minervois, feitos quase sempre com Syrah, Grenache, Cinsault e Carignan, destacam-se pela rusticidade e generosidade típicas do sul da França, autênticos e vibrantes.
Etapa 16 – Provença e o mítico Mont Ventoux
O Mont Ventoux é uma lenda do ciclismo: temido por muitos, mas também uma das montanhas mais desejadas para escalar. Ao sul de seu topo, no coração do Luberon, está o Château Canorgue, cenário do filme Um Bom Ano (2006), com direção de Ridley Scott e estrelado pela dupla Russell Crowe e Marion Cotillard. A dica para brindar essa etapa? O Canorgue Rouge 2020, feito com Carignan, Grenache e Syrah. Um vinho com o charme e o sol da Provença engarrafados.
Etapa 17 – Crozes-Hermitage: Syrah em sua forma mais elegante
Com chegada em Valence, estamos no coração do Vale do Rhône. A apenas 20 km dali, encontramos a pequena vila de Crozes-Hermitage, onde a Syrah reina absoluta. Os tintos de Crozes-Hermitage entregam o que a casta tem de melhor: especiarias, frutas negras e uma elegância que emociona tanto quanto uma vitória por poucos segundos no sprint final. Esses vinhos representam uma excelente oportunidade para conhecer grandes exemplares da Syrah francesa, com ótima relação qualidade-preço, especialmente quando comparados aos vizinhos da AOC Hermitage, excepcionais, porém muito mais caros
Etapas finais – Jura e Savoia: os queijos tomam a cena
Nas últimas etapas antes de Paris, o Tour passa pelo Jura e Savoia. Aqui, os protagonistas são os queijos: Comté, Mont d’Or e Beaufort harmonizam com a paisagem e a cultura local, trazendo outro tipo de prazer ao paladar, enquanto os ciclistas enfrentam as derradeiras subidas.
Chegada em Paris – Champs Elysées e Champagne
No dia 27 de julho, o Tour chega a seu grande final na Avenida Champs Elysées, em Paris. A prova de velocidade fecha com emoção, e o brinde é obrigatório: Champagne, é claro. Como disse o crítico inglês Oz Clarke, “Champagne means celebration!”
O Tour de France é mais do que uma competição: é uma odisseia que entrelaça suor, terroir, paisagens e tradição. E nós, de cá, seguimos pedalando taças, uma etapa por vez.
Luiz Gastão Bolonhez é especialista em vinhos. Compartilha suas experiências no Instagram e é curador de vinhos nos leilões da Blombô.