Com os subsídios ao Minha Casa Minha Vida cada vez mais sob pressão, a maioria das incorporadoras está tentando diminuir sua dependência do programa e se posicionando para lançar unidades mais caras.
Mas remando contra essa corrente, a Construtora Tenda, uma das maiores beneficiárias do programa, pretende dobrar a aposta na baixa renda.
Num encontro com investidores marcado para hoje, a companhia vai mostrar ao mercado como pretende continuar baixando seu custo construtivo para que seus apartamentos caibam no bolso de cada vez mais famílias.
No centro da estratégia: a construção de uma fábrica de apartamentos para produzir partes que serão montadas mais tarde no canteiro de obras, dando à empresa a capacidade de atender cidades menores.
O Minha Casa Minha Vida tem sido um grande negócio para a Tenda. A empresa é a terceira maior em volume de lançamentos (depois de MRV e Cyrela) e tem a maior rentabilidade da construção civil, com um retorno sobre o capital empregado de 28% nos últimos 12 meses. A Tenda também tem a maior velocidade de vendas do setor, o menor preço médio, e é uma das poucas incorporadoras que não precisou captar recursos recentemente: no final do terceiro trimestre, a empresa tinha caixa líquido equivalente a 16% de seu valor patrimonial.
A fórmula do sucesso da companhia é um modelo de negócios que transplanta processos típicos da engenharia de produção para o canteiro de obras, eliminando todo tipo de ineficiências que drenam rentabilidade em outras incorporadoras.
Quando um montador de forma da Tenda termina uma montagem em Osasco, por exemplo, no dia seguinte ele já está numa obra em Guarulhos, sem tempo ocioso. Em vez de subir um prédio ‘por batelada’, como as construtoras tradicionais, a Tenda criou uma linha de produção na qual os pintores trabalham no acabamento de um andar enquanto os ceramistas trabalham em outro e as parede de concreto são erguidas num terceiro.
Implementando e aperfeiçoando este modelo, a Tenda conseguiu reduzir seu custo de construção em 40% nos últimos seis anos.
Mas as otimizações possíveis neste modelo industrial estão chegando ao limite, obrigando a Tenda a buscar novas formas de continuar competitiva.
A capacidade do brasileiro de pagar pela casa própria hoje depende essencialmente de três fatores: o nível de subsídio do Minha Casa Minha Vida (que tende a cair), a renda média (função do crescimento do PIB) e o custo construtivo. Como esta é a única variável que a Tenda controla, a companhia precisa encontrar uma nova fórmula para continuar comprimindo seu custo.
“Vamos pegar nosso modelo industrial e transformá-lo num modelo de construção offsite, uma fábrica que vai produzir as partes do imóvel que mais tarde serão levadas de caminhão para ser montadas no canteiro,” o CEO Rodrigo Osmo disse ao Brazil Journal. “Quanto menor nosso preço médio, maior será o nosso mercado endereçável.”
Ao longo de 2020 e 2021, a Tenda vai fazer pilotos com vários produtos e tecnologias construtivas para entender o que é possível escalar melhor. A partir de 2022, a companhia deve ter os produtos comprovados e poderá construir uma fábrica.
“Cada tecnologia tem um raio de influência diferente: o pré-moldado de concreto é muito pesado, muito volumoso, e por isso viaja pouco, mas é ótimo para construir prédios altos. Já o steel frame é mais leve e viaja mais,” diz o CFO Renan Sanches.
Osmo diz que, como parte deste processo, a Tenda pode entrar no mercado de casas, onde ainda não atua.
Dois diretores da empresa — Marcelo Melo e Alex Hamada — serão deslocados para o desenvolvimento do projeto offsite, que deve consumir 1% da receita da empresa.
Os planos da Tenda podem surpreender o mercado. A maioria dos analistas espera que as empresas dependentes do Minha Casa Minha Vida diversifiquem seus negócios para se proteger do declínio gradual do programa. Mas para a Tenda, seu diferencial competitivo ainda pode ser exponencializado, anulando os efeitos de um subsídio menor no programa.
A Tenda hoje produz 15 mil unidades/ano, e o potencial de seu mercado — essencialmente, as 13 maiores regiões metropolitanas — é calculado em 31 mil unidades/ano. Mas se a companhia conseguir atuar em cidades menores em virtude do modelo de construção offsite, Osmo estima que o mercado potencial passa a ser de 60 mil unidades/ano.
“O modelo offsite substitui a escala local do mercado por uma escala global, permitindo atender mercados que absorvem menos de 1 mil unidades por ano,” diz o CFO.
O Brasil vai formar 1,5 milhão de novas famílias por ano até 2030. Destas, 1 milhão têm renda combinada inferior a R$ 4 mil/mês — o teto de elegibilidade para a faixa do Minha Casa Minha Vida em que ainda há um subsídio relevante.
Como o Minha Casa Minha Vida entrega apenas 370 mil unidades/ano, isso significa que, mesmo com o programa, ainda há uma demanda não atendida que só poderá ser suprida por novos modelos de negócio, como o que a Tenda está investigando.