Além de ter que responder rapidamente ao desafio imediato de preservar a saúde das pessoas e das empresas, os principais setores da economia precisam também planejar sua participação na retomada econômica do país.
No setor de telecomunicações, a gravidade do momento permite pensar em soluções mais ousadas e estruturantes — que façam a diferença não apenas como resposta imediata, mas também para o médio e longo prazos.
Se ainda restava alguma dúvida, o papel das operadoras como componente fundamental da infraestrutura ficou claro no enfrentamento da pandemia. O setor está oferecendo à sociedade soluções em todas as áreas: da habilitação do trabalho remoto aos sistemas de ações e gestão de saúde, passando pelo acesso à informação, comunicação e entretenimento para uma população enclausurada.
Isso foi possível pelo esforço coordenado das principais operadoras do país, que tomaram medidas emergenciais visando a manutenção do bom funcionamento das redes, ofereceram condições extraordinárias aos consumidores e habilitaram programas públicos de enfrentamento da crise, com o apoio tanto da Anatel quanto do MCTIC.
No entanto, engana-se quem acredita, como muitos disseram no início da crise, que o setor de telecomunicações tenha sido beneficiado pela situação de pandemia, dada a maior demanda pelos serviços de comunicação, em particular a banda larga fixa e móvel.
Sem dúvida, aconteceu um aumento da demanda quanto ao volume de dados consumidos. Esse volume, entretanto, não veio acompanhado de aumento de receita, uma vez que os serviços de banda larga, em sua grande maioria, já oferecem franquias de dados bastante altas ou ilimitadas.
Ao contrário, já nas primeiras semanas da crise ficaram claros os impactos negativos, com lojas fechadas, queda de vendas e aumento da inadimplência. E isso traduz-se em impactos de caixa significativos, para grandes ou pequenas operadoras, com efeitos perversos em toda a cadeia de profissionais, parceiros e fornecedores.
Complicando a situação, decretos estaduais ou Ações Civis Públicas impetradas por entidades de defesa do consumidor buscaram impedir o bloqueio dos serviços em caso de inadimplência. Tais medidas, tentadas muitas vezes de maneira até bem intencionada, porém sem conhecimento sobre o setor, trazem um imediato “moral hazard” para a inadimplência. O próprio ministro Paulo Guedes mencionou recentemente “a importância de não deixar de pagar boletos, para não quebrar a cadeia econômica do país”.
Importante dizer que, diferentemente de outros setores regulados de infraestrutura, os retornos de telecom estão sujeitos aos riscos de mercado, mesmo diante dos enormes investimentos realizados. Assim, qualquer impacto de caixa, receita ou resultado advindo de medidas de proteção ao consumidor, caso não compensado, trará resultados muito danosos às empresas, consumidores e em última instância à própria economia do país.
Vale lembrar que o setor emprega, direta e indiretamente, cerca de 500 mil pessoas; investiu, apenas em 2019, cerca de R$ 30 bilhões (dos quais só a Oi foi responsável por mais de R$ 7 bilhões); e gerou, em arrecadação de impostos, mais de R$ 60 bilhões no ano passado.
E é aqui que o setor necessita de uma atuação coordenada. O País poderia adotar pelo menos sete medidas — arrojadas e estruturantes— que melhorariam o ambiente regulatório e posicionariam o setor para ajudar na recuperação econômica que virá:
· A confirmação da postergação de taxas e impostos setoriais como medida de alívio ao caixa das empresas, evitando assim impactos maiores aos consumidores. Tal medida não teria impacto fiscal significativo, uma vez que não se trata de desoneração;
· O estabelecimento de um programa emergencial de subsídio a serviços básicos de telecomunicações para a população economicamente vulnerável e outros como ensino a distância e telemedicina, evitando a necessidade de proibição de suspensão de serviço por inadimplência e estimulando serviços de impacto positivo na sociedade. Para isso, as operadoras propuseram, por exemplo, a criação do Programa Conexão Solidária, que ofereceria um pacote de conexão móvel de baixo custo, mediante subsídios dos fundos setoriais já existentes;
· Revisão profunda dos fundos setoriais, hoje acumulados em cerca de R$ 95 bilhões. Aqui, faz-se necessária uma ação de política pública e legislativa atuante, decisiva e suprapartidária, para rever as limitações originais (em particular do FUST — Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações), permitindo que os recursos sejam utilizados para subsidiar o consumo de banda larga fixa e móvel. Como exemplo, vale citar o programa “LifeLine”, nos EUA, que oferece um subsídio de mais de U$ 8 bilhões ao ano para populações ou áreas vulneráveis;
· Com a aprovação do PLC-79 em 2019, é crítica a aceleração da regulamentação da nova lei (13.879/2019), em particular quanto à migração das concessões de telefonia fixa em autorizações, liberando investimentos bilionários para os próximos 5 anos. Como as concessões são deficitárias, os mecanismos de conversão precisam possibilitar o reequilíbrio econômico/financeiro. Como conceito básico da migração, deveria ser utilizado o modelo de “Carrier of Last Resort” – fazendo com que as obrigações das concessionárias permaneçam apenas onde não exista nenhum tipo de serviço alternativo. Para sustentabilidade, deveria haver a complementação com fundos setoriais para recomposição tarifária nessas localidades, possibilitando a expansão dos projetos de infraestrutura em todo o país;
· Para destravar investimentos, federalizar a legislação sobre instalação de antenas, que hoje enfrenta inúmeras legislações restritivas municipais que impedem a expansão dos serviços móveis em áreas de grande impacto social e econômico de sua utilização;
· Seguir com a evolução do modelo para os leilões 5G, buscando um equilíbrio entre os custos de aquisição de frequências, volumes de investimento em capital, obrigações de cobertura, possibilidade de competição, bem como incentivos fiscais e regulatórios às novas aplicações do 5G, como Internet das Coisas, cidades inteligentes e acessos de altíssima velocidade;
· Finalmente, a possibilidade de voltar a discutir o elefante na sala: a tributação do setor, indiscutivelmente uma das mais altas do planeta, fazendo com que um serviço altamente essencial e indutor de crescimento seja penalizado em seu consumo.
A crise causada pela pandemia traz inúmeros desafios e impactos de curto prazo, mas talvez seja a oportunidade para pensarmos em medidas não apenas imediatas, mas que transformem o setor num dos motores da recuperação da economia.
No setor de telecomunicações, a gravidade do momento permite pensar em soluções mais ousadas e estruturantes — que façam a diferença não apenas como resposta imediata, mas também para o médio e longo prazos.
Se ainda restava alguma dúvida, o papel das operadoras como componente fundamental da infraestrutura ficou claro no enfrentamento da pandemia. O setor está oferecendo à sociedade soluções em todas as áreas: da habilitação do trabalho remoto aos sistemas de ações e gestão de saúde, passando pelo acesso à informação, comunicação e entretenimento para uma população enclausurada.
Isso foi possível pelo esforço coordenado das principais operadoras do país, que tomaram medidas emergenciais visando a manutenção do bom funcionamento das redes, ofereceram condições extraordinárias aos consumidores e habilitaram programas públicos de enfrentamento da crise, com o apoio tanto da Anatel quanto do MCTIC.
No entanto, engana-se quem acredita, como muitos disseram no início da crise, que o setor de telecomunicações tenha sido beneficiado pela situação de pandemia, dada a maior demanda pelos serviços de comunicação, em particular a banda larga fixa e móvel.
Sem dúvida, aconteceu um aumento da demanda quanto ao volume de dados consumidos. Esse volume, entretanto, não veio acompanhado de aumento de receita, uma vez que os serviços de banda larga, em sua grande maioria, já oferecem franquias de dados bastante altas ou ilimitadas.
Ao contrário, já nas primeiras semanas da crise ficaram claros os impactos negativos, com lojas fechadas, queda de vendas e aumento da inadimplência. E isso traduz-se em impactos de caixa significativos, para grandes ou pequenas operadoras, com efeitos perversos em toda a cadeia de profissionais, parceiros e fornecedores.
Complicando a situação, decretos estaduais ou Ações Civis Públicas impetradas por entidades de defesa do consumidor buscaram impedir o bloqueio dos serviços em caso de inadimplência. Tais medidas, tentadas muitas vezes de maneira até bem intencionada, porém sem conhecimento sobre o setor, trazem um imediato “moral hazard” para a inadimplência. O próprio ministro Paulo Guedes mencionou recentemente “a importância de não deixar de pagar boletos, para não quebrar a cadeia econômica do país”.
Importante dizer que, diferentemente de outros setores regulados de infraestrutura, os retornos de telecom estão sujeitos aos riscos de mercado, mesmo diante dos enormes investimentos realizados. Assim, qualquer impacto de caixa, receita ou resultado advindo de medidas de proteção ao consumidor, caso não compensado, trará resultados muito danosos às empresas, consumidores e em última instância à própria economia do país.
Vale lembrar que o setor emprega, direta e indiretamente, cerca de 500 mil pessoas; investiu, apenas em 2019, cerca de R$ 30 bilhões (dos quais só a Oi foi responsável por mais de R$ 7 bilhões); e gerou, em arrecadação de impostos, mais de R$ 60 bilhões no ano passado.
E é aqui que o setor necessita de uma atuação coordenada. O País poderia adotar pelo menos sete medidas — arrojadas e estruturantes— que melhorariam o ambiente regulatório e posicionariam o setor para ajudar na recuperação econômica que virá:
· A confirmação da postergação de taxas e impostos setoriais como medida de alívio ao caixa das empresas, evitando assim impactos maiores aos consumidores. Tal medida não teria impacto fiscal significativo, uma vez que não se trata de desoneração;
· O estabelecimento de um programa emergencial de subsídio a serviços básicos de telecomunicações para a população economicamente vulnerável e outros como ensino a distância e telemedicina, evitando a necessidade de proibição de suspensão de serviço por inadimplência e estimulando serviços de impacto positivo na sociedade. Para isso, as operadoras propuseram, por exemplo, a criação do Programa Conexão Solidária, que ofereceria um pacote de conexão móvel de baixo custo, mediante subsídios dos fundos setoriais já existentes;
· Revisão profunda dos fundos setoriais, hoje acumulados em cerca de R$ 95 bilhões. Aqui, faz-se necessária uma ação de política pública e legislativa atuante, decisiva e suprapartidária, para rever as limitações originais (em particular do FUST — Fundo para a Universalização dos Serviços de Telecomunicações), permitindo que os recursos sejam utilizados para subsidiar o consumo de banda larga fixa e móvel. Como exemplo, vale citar o programa “LifeLine”, nos EUA, que oferece um subsídio de mais de U$ 8 bilhões ao ano para populações ou áreas vulneráveis;
· Com a aprovação do PLC-79 em 2019, é crítica a aceleração da regulamentação da nova lei (13.879/2019), em particular quanto à migração das concessões de telefonia fixa em autorizações, liberando investimentos bilionários para os próximos 5 anos. Como as concessões são deficitárias, os mecanismos de conversão precisam possibilitar o reequilíbrio econômico/financeiro. Como conceito básico da migração, deveria ser utilizado o modelo de “Carrier of Last Resort” – fazendo com que as obrigações das concessionárias permaneçam apenas onde não exista nenhum tipo de serviço alternativo. Para sustentabilidade, deveria haver a complementação com fundos setoriais para recomposição tarifária nessas localidades, possibilitando a expansão dos projetos de infraestrutura em todo o país;
· Para destravar investimentos, federalizar a legislação sobre instalação de antenas, que hoje enfrenta inúmeras legislações restritivas municipais que impedem a expansão dos serviços móveis em áreas de grande impacto social e econômico de sua utilização;
· Seguir com a evolução do modelo para os leilões 5G, buscando um equilíbrio entre os custos de aquisição de frequências, volumes de investimento em capital, obrigações de cobertura, possibilidade de competição, bem como incentivos fiscais e regulatórios às novas aplicações do 5G, como Internet das Coisas, cidades inteligentes e acessos de altíssima velocidade;
· Finalmente, a possibilidade de voltar a discutir o elefante na sala: a tributação do setor, indiscutivelmente uma das mais altas do planeta, fazendo com que um serviço altamente essencial e indutor de crescimento seja penalizado em seu consumo.
A crise causada pela pandemia traz inúmeros desafios e impactos de curto prazo, mas talvez seja a oportunidade para pensarmos em medidas não apenas imediatas, mas que transformem o setor num dos motores da recuperação da economia.
Rodrigo Abreu é CEO da Oi.