Para aqueles que tentam driblar as cotoveladas e dedos no olho dos estádios corporativos, os últimos quatro anos foram como se todo o universo tivesse se transformado numa arquibancada da Gaviões da Fiel ou da Raça Rubro-Negra, duas assustadoras e violentas torcidas organizadas de futebol.

Pouca inteligência nas discussões, zero gentileza, retrocessos comportamentais e jogo bruto entraram em campo para ficar. Dividimo-nos como sempre, mas berramos como nunca. Nas empresas, nas famílias, na política, em tudo.

Eis que enquanto a arquibancada grita, surge um treinador de futebol americano do Kansas para treinar um time da Premier League inglesa.

Sem saber o que seria um tiro de meta ou um impedimento, ele foi morar em Richmond, pequeno distrito londrino e treinar futebol de verdade. O gentil Ted Lasso é o personagem que dá nome à série que terminou essa semana e que me deixou um vazio no peito do tamanho de Wembley.

Mas que ao mesmo tempo, injetou doçura e um tantinho de esperança de que nossos chefes, líderes, governantes e vizinhos de porta possam ser feitos de outro material.

Para quem ainda não viu, a série da Apple TV mostra os perrengues dos jogadores, executivos, técnicos e donos do AFC Richmond, enquanto o time, uma espécie de Botafogo inglês, disputa o campeonato.

Estrelada e escrita por Jason Sudeikis, Ted Lasso tem três temporadas de referências pop, piadas bobas e boas e personagens fantásticos. Tudo é escrito de um jeito que te deixa louco para tomar um chope no pub com o assistente de treinador, o Beard, fã de drogas psicodélicas e musicais da Broadway, ou ainda ser amigo de Roy Kent, o veterano jogador, sair por aí com Trent Crimm, o jornalista do Independent, ou flertar com Keeley Jones, a especialista em comunicação.

Ted Lasso não tem e nunca quis ter o tamanho de Succession, que também teve seu desfecho esta semana e, sim, era genial. Mas enquanto aquele era um mundo de gente ruim, que nos hipnotiza pela maldade e idiotice, em Ted Lasso as pretensões são outras.

Você chega para um episódio frustrado após um dia de reuniões virtuais, episódios de violência, racismo e homofobia pulando nas ruas e nas redes. E escapa para o colo de Ted, um líder verdadeiro, com o ouvido atento e mais preocupado com o olhar triste do seu zagueiro do que com o centroavante adversário. Ted Lasso é o chefe que eu queria ser, o líder que gostaríamos de ter.

Imaginem vocês, nas suas corporações, um líder que perdoa erros, faz sessões de Sintonia de Amor para a equipe chorar junto, discute guitarristas de rock em coletivas de imprensa e leva a mãe para as preleções do seu vestiário.

Mais que tudo isso, Ted é um cara que acredita.

Acredita em segundas chances. Acredita que um jogador feliz é mais importante que um esquema tático perfeito, acredita que o melhor de cada um pode sair na vitória ou na derrota. Nosso técnico cozinha biscoitos para sua CEO, tieta o técnico concorrente (nesse caso, Pep Guardiola, em participação especial), tem ataques de ansiedade e canta Hey Jude com o filho e com seu melhor amigo.

Em três temporadas, o time que ele dirige, que já foi rebaixado e já brigou pelo título, enfrentou racismo, homofobia, traições, fofocas – e ficou cada dia mais forte como grupo. A cada episódio, o espectador os  conhece mais de perto. Na segunda temporada, eu já me achava amigo de todos e me sentia torcedor ou jogador do Richmond FC.

E aí está o grande truque dessa pequena maravilha com episódios de 40 minutos. Não são personagens shakespearianos como a família Roy. Não têm a libido de poder que movimentou a série da HBO.

Para a turma do simpático timinho, essa versão inglesa do Santos, ganhar é muito importante. Mas não é, nem de longe, tudo.

Ter um ombro legal por perto para abraçar e cair em lágrimas às vezes pode ser tão grande, mesmo para astros da Premier League, quanto ganhar do Manchester City.

Lasso é um líder que não mente, não enrola. É capaz de expor sua fragilidade e construir suas vitórias e estratégia em cima da felicidade da equipe. Apesar de algumas piadas de quinta série, ele cria relações adultas com seus pares, chefes e comandados.

E, principalmente, Ted acredita no amor corporativo.

Alguns dirão que o treinador e suas crenças são um jeito Poliana de gerir, que não há espaço para quem não mostra a sola nas divididas ou não rosna como um Fagner ou um Felipe Melo, dois exemplos de jogadores que, como alguns executivos, estão saindo de moda pela truculência ou falta de lealdade.

Eu prefiro pensar que companheirismo, verdade, felicidade e bom humor podem fazer parte de um dia a dia corporativo ou de um vestiário inglês. Não conheço o segundo ambiente, mas frequento as canchas empresariais desde que Galvão Bueno narrava futebol de várzea.

Nesses campos, em que a turma usa mais o cotovelo do que devia, ainda há muita demanda por técnicos e gestores que tragam de volta a empatia, a amizade e que mostrem que felicidade, leveza e sinceridade deveriam ser as regras do jogo – tanto quanto os resultados, os indicadores e o desempenho.

Hélio Muniz é o chief communications officer/ESG da Via, torce pelo Flamengo e chorou em inúmeros episódios de Ted Lasso.