Fábio Porchat é um artista acostumado a olhar para o futuro. Enxergou o potencial da internet para o humor com a turma do Porta dos Fundos, ajudou a consolidar o stand-up comedy como coisa séria e rentável, e repaginou os manjados modelos de programas de entrevistas da televisão.
Não bastasse isso, Porchat ainda carrega tino comercial para lotar teatros, e seu novo projeto, o espetáculo Agora É que São Elas!, é a mais recente prova disso.
A peça estreou na semana passada no Festival de Teatro de Curitiba e entra em cartaz no Rio de Janeiro no dia 5.
Porchat, desta vez, desafia fórmulas do passado em contato com os novos tempos nesta comédia protagonizada pelas atrizes Júlia Rabello, Maria Clara Gueiros e Priscila Castello Branco.
A montagem é formada por nove esquetes – a maioria deles escrita entre 2004 e 2005, quando Porchat era estudante de artes cênicas da prolífica CAL (a Casa das Artes de Laranjeiras) e criava textos na intenção de encená-los com o colega Paulo Gustavo (1978-2021).
Como autor e diretor, Porchat entendeu que, no teatro, para o público que acompanha o seu trabalho, não precisa quebrar a cabeça em busca de invenções que podem se transformar em barreiras para o espectador. Basta entregar o que é esperado com uma embalagem refinada e soluções criativas, mesmo recorrendo a modelos aprovados em um passado relativamente distante.
Agora É que São Elas! é um alívio no atual teatro brasileiro, dominado pelas temáticas confessionais ou apoiado em pautas identitárias e sociais. Na recente safra de comédias, por coincidência, dois títulos bem-sucedidos (artística e comercialmente) – Duetos, como o ator Eduardo Moscovis e a atriz Patricya Travassos, e Gostava mais dos Pais, da dupla Bruno Mazzeo e Lucio Mauro Filho – investem na coletânea de esquetes. Sinal de que Porchat não estava só saudosista do formato que dominou a cena brasileira entre as décadas de 1980 e 1990. Ele olhou para o espelho retrovisor sem perder a perspectiva em relação aos desejos da plateia de hoje.
Vamos voltar um pouco ao passado? Por muito tempo, a crítica até torceu o nariz para as comédias de esquetes, mas o público formava filas nas bilheterias – do mesmo jeito que com o stand-up que consagrou a geração de Porchat na sequência. Os atores e dramaturgos Felipe Pinheiro (1960-1993), Guilherme Karam (1957-2016), Miguel Falabella e Pedro Cardoso, entre outros, saltaram do anonimato no começo dos anos 1980 com a criação de peças curtas, de diálogos rápidos e afiados, inspiradas em situações do cotidiano ou sátiras leves para questões sociais e comportamentais. Era o chamado “teatro besteirol”.
Os espetáculos As Mil e Uma Encarnações de Pompeu Loredo, de Mauro Rasi (1949-2003) e Vicente Pereira (1950-1993), Bar Doce Bar, de Cardoso e Pinheiro, e As Sereias da Zona Sul, de Falabella, são demonstrações do filão que deu tão certo a ponto de inspirar a Rede Globo na criação do programa TV Pirata, exibido entre 1988 e 1992, e, na sequência, o Casseta & Planeta, Urgente!.
Como quase nada se cria e quase tudo se copia, o entusiasmo desse pessoal vinha do Asdrúbal Trouxe o Trombone, o grupo teatral que nos anos 1970 reuniu, entre outros, Luiz Fernando Guimarães e Regina Casé, mas também bebia na fonte dos ídolos da televisão, como os humoristas Chico Anysio (1931-2012) e Jô Soares (1938-2022). Todos eles, no entanto, se influenciaram em uma turma mais antiga, a do teatro de revista e das chanchadas filmadas pela Atlântida.
Mas, de repente, as comédias de esquetes deixaram de ser moda e o stand-up tomou conta do pedaço. Saem de cena os personagens construídos à base de caracterização e ganha os holofotes o comediante de cara limpa, figurino despojado e um discurso apoiado no improviso. Porchat é dessa segunda turma, mas sua formação, pelo menos como espectador, vem da primeira e, por isso, Agora É que São Elas! não é apenas um reencontro com suas raízes. Quem sabe seja também uma proposta de agregar valor a um gênero que a sua própria geração tirou da vitrine, e o novo espetáculo faz isso com muita justiça.
Entre os nove esquetes, as gargalhadas são garantidas em pelo menos quatro. Em “Números”, um casal (interpretado por Júlia Rabello e Priscila Castello Branco) divide o estresse de se perderem diante da quantidade de senhas que precisam memorizar para as ações básicas do dia a dia. “Mulher Maravilha” traz a heroína das histórias em quadrinhos exausta de resolver os problemas de meio mundo e louca por uns dias de férias. Aqui entra a crítica social em relação à violência urbana, já que o ponto de partida é o fato de a Mulher Maravilha nem se abalar com o roubo do celular da personagem de Maria Clara Gueiros.
Júlia e Priscila formam o entediado casal de “Sexo de Domingo”, a hilariante história de Andréa e Leonardo, que vão da surpresa à revolta ao ouvir os gemidos dos vizinhos de apartamento ao lado e não têm a menor disposição para transar.
Por fim, “Anjo” reúne as três intérpretes em uma história sobre os constrangimentos do cotidiano e a eterna disposição de corrigir os equívocos, tornando a situação cada vez mais insustentável.
Os textos são afiados, claro. Tratam de assuntos interessantes sob um enfoque diferente, e raras são as passagens mais óbvias ou até um pouco apelativas. Uma que fica no limiar do bom gosto é “Sá Silva,” em que as três atrizes satirizam a incansável busca por um padrão de beleza enumerando as muitas plásticas feitas por um mesmo cirurgião. O trunfo de Porchat é contar com três atrizes que se mostram tão à vontade em cena – algo muito raro em uma estreia de comédia – que as falas saem como se estivessem improvisando.
Em peças de esquetes, um ponto delicado costuma ser as transições entre as cenas. Uma obviedade é recorrer aos bastidores para mostrar os artistas trocando o figurino ou retocando a maquiagem – o que não funcionaria no caso de Agora É que São Elas!.
Porchat, então, faz as costuras com as próprias protagonistas contando histórias pessoais que se conectam com a cena recém-apresentada ou antecipam a trama que virá adiante. Além de estabelecer um clima descontraído, as atrizes aproveitam para derrubar a quarta parede e estimular reações e comentários da plateia.
Na verdade, Porchat é o grande nome popular do momento, capaz de levar os mais diferentes espectadores ao teatro – um papel que, em outras gerações, foi desempenhado por Dercy Gonçalves (1907-2008) ou Paulo Autran (1922-2007) e, depois, por um Antonio Fagundes ou uma Claudia Raia. Mesmo que Porchat não esteja no palco, sua associação ao espetáculo como autor e diretor funciona como chancela do tipo de entretenimento encontrado nos 90 minutos seguintes.
É neste momento que o teatro deixa de ser apenas arte e se transforma em mercado. O artista conhece as preferências do público e entrega o seu melhor, e as pessoas compram os ingressos sem medo de se aborrecerem.