Logo depois de seu IPO, em dezembro de 2020, a Rede D’Or se tornou uma favorita no buyside: um papel líquido, com grande valor de mercado e uma história de crescimento à prova de bala.
E pelo menos no início, a empresa entregou: abriu 2.700 leitos, adquiriu ou inaugurou 20 hospitais e fez dois M&As relevantes (a compra da SulAmérica e um investimento – agora controverso – na Qualicorp).
Com o vento soprando a favor, o papel chegou a negociar a 40x o lucro do ano seguinte.
Mas nem a melhor tese de crescimento secular resiste a um ciclo de alta de juros e uma pandemia que colocou o setor de saúde de pernas pro ar.
No pós-covid, a sinistralidade das operadoras explodiu, dificultando os repasses de preço da D’Or e obrigando o CEO Paulo Moll a operar com mais capital de giro, dado que as operadoras começaram a postergar pagamentos.
Duas vezes por ano, a gigante dos hospitais se senta com as operadoras para reajustar sua tabela de preços. Se antes ela conseguia reajustar os contratos a IPCA + 2%, hoje tem conseguido reajustes apenas em linha com a inflação ou ligeiramente acima.
Além de sentir o aperto como prestadora de serviços, a D’Or também sente a pressão como dona da SulAmérica, que fechou o quarto tri com uma sinistralidade de 92,5%, bem acima da média histórica da companhia, que gira em torno de 80%.
A reprecificação da Rede D’Or teve a ver também com as expectativas muito altas que o mercado tinha para os resultados da empresa.
No início de 2021, muitos analistas projetavam que o lucro superaria os R$ 2 bi naquele ano, e subiria para mais de R$ 3 bilhões no ano seguinte. As projeções também previam uma margem bruta mais próxima de 30% e um crescimento maior da receita.
No ano passado, a margem bruta ficou em 23%, a receita cresceu 13%, e o lucro líquido veio magrinho, em apenas R$ 1,2 bilhão.
“Tem uma parte que não dá para culpar ninguém, que é a alta do juros, que aumenta as despesas financeiras e reduz o lucro líquido,” disse um analista do buyside. “Mas mesmo em receita, lucro bruto e EBITDA os resultados estão vindo bem abaixo das primeiras projeções.”
Essa correção nas expectativas já levou a um de-rating expressivo da ação, que hoje negocia a cerca de 25x o lucro estimado para este ano e a 15x o lucro do ano que vem.
Desde o IPO, a Rede D’Or cai 60%; desde o high, em agosto de 2021, a queda é de cerca de 70% .
“A Rede D’Or nunca foi uma ação barata, e agora, apesar de ter caído muito, continua não sendo barata em termos relativos, porque outras empresas caíram muito mais,” disse um gestor.
“Mas todo mundo quer ter exposição a um setor grande, que repassa inflação. O setor está passando por um momento difícil mas vai se acertar lá na frente, e aí é melhor você estar numa Ferrari a 60 km/hora do que num Fusca a 180 km/hora. Você vai ganhar menos, mas você tem mais chance de ter um bom retorno com menor risco.”
Para esse gestor, se houver algum trigger favorável — como a melhora dos resultados da SulAmérica ou uma redução da concorrência (com hospitais independentes quebrando) — a ação pode voltar a dar alegria.
Por enquanto, a percepção no buyside é de que o cenário de curto prazo é complicado para a empresa — assim como para todo o setor de saúde.
“No relativo, a empresa nunca esteve tão bem. Em comparação com players independentes, de médio porte, ela está numa situação ótima, porque muitos hospitais devem quebrar,” disse um analista. “Mas no absoluto, a vida realmente não está fácil.”
Além de sofrer com a alta da sinistralidade, a Rede D’Or tem hoje uma alavancagem de cerca de 3x EBITDA, e as despesas financeiras estão consumindo boa parte da geração de caixa.
Alguns analistas têm dito que a companhia pode ter dificuldade para gerar caixa este ano, depois de pagar essas despesas financeiras e fazer o capex.
Isso impediria a companhia de reduzir a alavancagem e colocaria em risco seu plano de expansão, adiando alguns projetos greenfield e brownfield que estavam previstos para este ano.
Uma fonte próxima à Rede D’Or, no entanto, disse ao Brazil Journal que todos os projetos de crescimento orgânico para este ano e o próximo estão “intactos”.
“Tem algumas obras que podem demorar mais tempo, algumas coisas que inaugurariam em 2024 que podem acabar ficando para 2025, mas o plano orgânico é o mesmo. Não mudou nada,” disse a fonte. “Hoje, não tem quase ninguém construindo infraestrutura nova, então isso é um diferencial grande da empresa.”
O plano de expansão orgânica da D’Or – a ser executado nos próximos quatro anos – prevê abrir mais de 6 mil leitos, em comparação aos 11 mil que a companhia já opera.
No front de M&As, no entanto, deve ser um ano morto: a companhia não tem encontrado vendedores dispostos a aceitar a nova realidade de múltiplos do setor.
Noves fora os desafios de curto prazo, a grande questão para a tese da Rede D’Or é como a incorporação da SulAmérica vai transformar o negócio. A transação — uma das maiores do setor de saúde dos últimos anos — divide o buyside.
Para um gestor que já teve o papel mas se desfez da posição, o valor da fusão com a SulAmérica ainda é uma incógnita, apesar da transação ter méritos e sinergias.
“É um negócio super complexo, e que acho difícil de integrar. Se você olhar o histórico de grandes fusões, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, ele não joga muito a favor,” disse ele. “Tem pouquíssimas fusões grandes que foram super bem sucedidas e, as que foram, demoraram bastante tempo para o negócio ir encaixando na engrenagem.”
Ele acrescenta que “não é que a transação não para de pé. Ela faz sentido. Mas é um desafio importante.”
Outro gestor concorda que o desafio de integração será grande, mas diz que há um valor estratégico significativo, já que a SulAmérica geraria uma demanda garantida para os hospitais do grupo.
Para um executivo do setor, o maior risco da fusão é a retaliação que pode vir das demais operadoras. “A Rede D’Or virou concorrente de quem até ontem era seu cliente, e isso produz consequências. Não é da noite para o dia, mas produz consequências,” disse ele. “Na prática, eles viraram o Vladimir Putin do setor.”
No curto prazo, a retaliação das operadoras é mais difícil, já que o cliente muitas vezes exige que hospitais da D’Or – referências em seus mercados – estejam cobertos, podendo cancelar o plano em caso de descredenciamento. “Mas eles podem criar produtos novos diminuindo a exposição da Rede D’Or,” disse o executivo.
A D’Or já tentou uma diversificação no setor com o investimento na Qualicorp, mas os resultados foram desastrosos.
A Rede D’Or investiu na Qualicorp pela primeira vez em agosto de 2018, pagando cerca de R$ 21 por ação. Hoje, o papel negocia a R$ 4,5. Os resultados operacionais também têm deixado a desejar.
A Rede D’Or tem dito ao mercado que seu investimento na SulAmérica vai trazer dois grandes benefícios para a companhia: garantir que ela tenha um credenciamento garantido nos novos hospitais que abrir, o que estimula as outras operadoras a também credenciarem; e garantir que ela consiga criar produtos acessíveis em mercados locais que muitas vezes não são prioridade para as operadoras.
Até agora, quando precisava aumentar a demanda de um hospital de uma cidade menor, a Rede D’Or ligava para as grandes operadoras para sugerir a criação de um produto regional. Mas, na maioria das vezes, elas acabavam não criando o produto rapidamente porque era um mercado pequeno e não prioritário.
“Isso virou um problema para eles. A Rede D’Or tomou uma dimensão tão grande como prestadora de serviço que passou a ser estratégico ter uma velocidade de resposta, de lançamento de produtos, que eles vão ter agora com a SulAmérica,” disse uma fonte do setor.
Para essa fonte, o risco de retaliação de outras operadoras existe, mas a D’Or está relativamente protegida pela relevância que seus hospitais têm nas regiões em que ela atua.
“É muito difícil criar um produto premium no Rio hoje, por exemplo, sem incluir os hospitais da D’Or. Tirando o Samaritano, todos os hospitais de ponta lá são deles,” disse um analista do sellside. “Em São Paulo eles também têm muitos hospitais de referência que os clientes querem ter na rede de cobertura.”
Esse analista lembra o que aconteceu em 2019 com a Amil. Na época, a operadora decidiu descredenciar alguns hospitais da Rede D’Or em praças onde tinha hospitais próprios. A família Moll não gostou e respondeu descredenciando seus hospitais dos planos da Amil em algumas grandes capitais.
O resultado foi um cancelamento massivo de clientes da Amil, que migraram para outros planos que tinham os hospitais da D’Or na cobertura.
Outro debate no mercado é se a Rede D’Or teria que negociar a um múltiplo menor após a incorporação da SulAmérica, já que as operadoras em geral negociam a múltiplos mais baixos.
“É difícil saber qual o múltiplo justo depois da fusão,” disse um analista. “Os hospitais negociam a um múltiplo X, as seguradoras a um múltiplo Y e a companhia a esse preço. Tem essa dificuldade na hora de falar que está barato.”
Esse analista nota ainda que o múltiplo atual — de 25x lucro deste ano — considera as estimativas atuais, que podem se provar erradas já que a integração da SulAmérica ainda está no começo.
“Não tem nem um trimestre… Você não sabe ainda como vai ser essa nova companhia combinada.”