Nas cartas mensais aos investidores do fundo Verde, Luis Stuhlberger, amplamente considerado o melhor gestor brasileiro, costuma fazer um exercício de bom senso sobre como alocar capital.

Luis StuhlbergerEm sua gestão e nas cartas, Stuhlberger combina observações empíricas sobre a economia (frequentemente colhidas em seu contato diário com empresários, muitos dos quais seus clientes) com um rigoroso acompanhamento macroeconômico e uma dose obsessiva de prudência, produzindo documentos que descrevem a anatomia e a fisiologia de cada encruzilhada na economia e nos mercados — e resultados que consagraram o Verde.

Um investidor que tivesse aplicado mil reais no Verde em 1997, teria hoje 120 mil reais (e apenas 16 mil se tivesse aplicado no CDI no período).

Mas, no ambiente conflagrado da crise tríplice que consterna o Brasil de hoje — a política, a econômica e a de valores — talvez seja significativo que a melhor análise política da situação também seja feita por um gestor de investimentos.

Na carta que enviou aos clientes para explicar a performance de novembro — quando o Verde rendeu 2,48%, contra um CDI de 1,06% — Stuhlberger e sua equipe dedicaram um capítulo ao impeachment. (No ano, o Verde rende 27,35%, e o CDI, 11,93%.)

Trata-se de uma análise desapaixonada, crítica e apartidária do momento atual. Em vez de chutar respostas, o time do Verde apenas faz as perguntas certas — o que já é muito para este momento epicamente confuso.

Abaixo, o terceiro capítulo da carta, que ajuda a refletir sobre os desafios do Brasil no pré- e no pós-impeachment.

3. O impeachment

3.1. Quase na categoria da perplexidade, quem poderia imaginar que com menos de 1 ano de 2o mandato, se acolheria um pedido de impeachment, por pedaladas fiscais, que a rigor, vinham ocorrendo há anos, desde pelo menos o início da Nova Matriz Econômica? Mas dada a relevância, merece um capítulo à parte.

• 3.2. As motivações “não aparentes” do impeachment são o desejo de parte do sistema político de “administrar melhor a Lava Jato”, aproveitando-se da baixa popularidade do Governo. São bem menos nobres do que aparentam, embora há que se reconhecer que parte da sociedade brasileira apoia o impeachment por não suportar mais paralisia, incompetência e recessão e os articuladores do impeachment sabem bem disso. Curiosamente, o PMDB está no poder indiretamente há 30 anos e é sócio do PT no que tem aparecido de ruim, menos na questão ideológica. Seu único mérito, então, foi não ter permitido que nos tornássemos um misto de Argentina com Venezuela, o que não é pouco…

• 3.3. Vai ou não vai? Como dizia Magalhães Pinto, “política é como a nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. Por essas e outras, é difícil ter convicção de qualquer lado. A definição estará dada na véspera, de acordo com o que os parlamentares entendem sobre o que será mais provável. Sem manifestações populares maciças, com uma base pós-reforma ministerial renovada (como citou um político: “camarote no Titanic”), Dilma parece ter mais chances, mas o tempo trabalha contra, com o aprofundamento da recessão e do desemprego. Há nuances, e muito mais perguntas do que respostas.

• 3.4. A primeira nuance é: como explicar para um “popular” que o impeachment foi acolhido por causa de “aberturas de créditos extraordinários sem previsão na LDO”. Acolhida pelo presidente da Câmara, numa suposta reação à admissão da sua própria cassação por fatos ligados à Lava Jato.

• 3.5. Será que mais fatos virão à tona até a votação, implicando eventualmente o partido do vice? Isso comprometerá a sucessão? A central de dossiês voltará à produção em grande escala…

• 3.6. Não há espaço para qualquer medida impopular no curso do impeachment. O que o Governo precisa agora é de uma base unida, e não dividida pela defesa de alguma tese fiscal impopular. Isso durará até o final do processo, dure o quanto durar. Atenção: esse ponto é bem negativo para o fiscal.

• 3.7. E se der a alternativa Temer, como ficam as reformas? Poderá um governo não-eleito, em ano eleitoral, aprovar medidas extremamente impopulares e necessárias (como a desindexação do salário mínimo e a reforma da previdência), com uma economia em frangalhos e o desemprego na lua, tendo o PT na oposição e a Lava Jato em pleno funcionamento, eventualmente se abastecendo de informações novas colhidas dentre potenciais petistas enfurecidos, supostamente com conhecimento de causa? É possível que a CPMF possa ser aprovada, ganhando um certo tempo para não mexer nos problemas estruturais, fazendo uma ponte até 2018.

• 3.8. Em relação ao item anterior, apesar do que escrevemos, as expectativas dos agentes econômicos deverão ser positivas por algum tempo, pois eles entenderão que é o fim do PT “as we know it”. Achamos que essa interpretação pode estar equivocada, pois dado que ainda faltarão três anos, o PT pode renascer das cinzas eventualmente reencontrando um discurso com apelo eleitoral, dado que haverá um certo cheiro de golpe no ar e a economia demorará para se recuperar, de modo que todo o processo poderá ser um tiro pela culatra.

• 3.9. Conseguirá o governo do PMDB efetivamente fazer uma União Nacional, em torno de princípios? Como disse Groucho Marx: “Esses são meus princípios, mas se você não gosta deles, eu tenho outros”. Como se dará a aliança? Qual será o papel do PSDB? Como colocar um político como o Serra para tocar o governo (Fazenda ou Casa Civil), sem que isso signifique necessariamente que o sucessor já esteja escolhido? Como chamar outras alianças, se a sucessão está definida? Consideramos um risco significativo para o PSDB embarcar num governo PMDB e perder, com isso, a substância eleitoral fortíssima que o partido tem hoje como oposição e colocar em risco a percepção de seus princípios. Esse é um conundrum que o PSDB terá que desvendar. A Marina já se posicionou muito claramente e muito bem, apoiando a impugnação da chapa Dilma-Temer, o que lhe dará uma enorme consistência eleitoral para 2018.

• 3.10. De um jeito ou de outro, parece que os problemas fiscais brasileiros devem ficar muito piores antes que possam ser solucionados.